quarta-feira, 22 de setembro de 2010

EUA: Estudo mostra que muitos inocentes se dizem culpados por crimes que não cometeram

Eddie Lowery perdeu dez anos de sua vida por um crime que não cometeu. Não havia provas materiais em seu julgamento por estupro, mas um fator importante o levou à prisão: ele confessou. 
No julgamento, o júri ouviu detalhes que, segundo os promotores, só o estuprador seria capaz de saber, incluindo o fato de ele ter batido na cabeça da vítima de 75 anos com o cabo de uma faca de prata de cozinha que encontrou na casa. As provas de DNA mostraram mais tarde que o crime havia sido cometido por outro homem. Mas essa informação surgiu apenas anos depois que Lowery havia cumprido sua pena e saído em liberdade condicional em 1991. 
“Eu me critico muito” por ter confessado, disse Lowery numa entrevista recente. “Eu achava que era o único bobo que havia feito isso.” 
Mas em mais de 40 casos de réus que confessaram cometer crimes desde 1976, as provas de DNA mostraram mais tarde que as confissões eram falsas, de acordo com dados compilados por Brandon L. Garrett, professor da Escola de Direito da Universidade de Virgínia. Especialistas sabem há bastante tempo que alguns tipos de pessoas – incluindo aquelas com problemas e doenças mentais, jovens e pessoas manipuláveis – são mais propensas a serem induzidas a confessar. Também existem pessoas como Lowery, que diz que foi pressionado além do limite pelos policiais que o interrogaram. 
Novas pesquisas mostram como pessoas que aparentemente não estavam envolvidas com um crime eram capazes de fornecer um relato bastante detalhado do que aconteceu, fazendo com que os promotores alegassem que apenas o réu poderia ter cometido o crime. 
Um artigo de Garret avaliou transcrições de julgamentos, confissões gravadas e outros materiais de apoio para mostrar como os fatores incriminadores entraram nessas confissões – à medida que a polícia introduzia fatos importantes sobre o caso, mesmo que sem intencionalidade, durante o interrogatório. 
A nova pesquisa serve para abrir os olhos dos advogados de defesa. 
“Antigamente, se alguém confessasse, era o fim do caso”, diz Peter J. Neufeld, fundador do Projeto Inocência, uma organização com sede em Nova York. “Você nem imaginava ir adiante.” 
A noção de que essas confissões detalhadas podem ser consideradas voluntárias porque os réus não apanharam nem foram coagidos sugere que os tribunais não devem simplesmente questionar se as confissões são voluntárias ou não, diz Neufeld. 
“Eles precisam ver se elas são confiáveis”, diz. 
Garrett diz que ficou surpreso com a complexidade das confissões que estudou. 
“Eu esperava, e acho que as pessoas também acham, intuitivamente, que uma falsa confissão não pareceria convincente”, como se alguém dissesse apenas “fui eu”, diz. 
Em vez disso, diz ele, “quase todas as confissões pareciam misteriosamente confiáveis”, ricas em detalhes que quase inevitavelmente partiram da polícia. “Eu sabia que em alguns desses casos, poderia ter havido alguma contaminação”, disse ele, referindo-se ao termo usado pela polícia para designar introdução de fatos no processo de interrogar os suspeitos. “Eu não imaginava constatar que quase todos eles haviam sido contaminados.” 
Dos réus exonerados no estudo de Garrett, 26 – mais da metade – tinham “problemas mentais”, eram menores de 18 anos na época, ou ambos. A maioria foi submetida a interrogatórios longos e com muita pressão, e nenhum deles tinha um advogado presente. Treze foram levados para a cena do crime. 
O caso de Lowery mostra como acontece a contaminação. Ele agora acredita que se tornou suspeito porque havia saído à noite e batido seu carro num carro parado na noite do estupro, gerando um boletim de ocorrência. Os policiais o interrogaram por mais de sete horas, insistindo desde o início que ele havia cometido o crime. 
Lowery passou pelo detector de mentiras para provar que era inocente, mas os policiais disseram-lhe que ele havia fracassado no teste. 
“Eu não via nenhum jeito de me livrar daquilo, exceto dizer o que eles queriam ouvir”, lembra-se. “E depois conseguir um advogado para provar minha inocência.” 
Provar a inocência depois de uma confissão, entretanto, é raro. Oito dos réus do estudo de Garrett foram na verdade inocentados por provas de DNA antes do julgamento, mas os tribunais os condenaram de qualquer forma. 
Em um desses casos que envolveu Jeffrey Deskovic, que passou 16 anos na prisão depois de um assassinato em Poughkeepsie, Nova York, os promotores argumentaram que a vítima poderia ser sexualmente ativa e portanto a prova de DNA poderia ser de outro parceiro que ela tinha. Os promotores pediram ao júri para se concentrarem na confissão altamente detalhada de Deskovic e o condenarem. 
Embora Garrett sugira que às vezes os policiais deixam vazar fatos durante os interrogatórios de forma não intencional, Lowery disse que a contaminação em seu depoimento foi claramente intencional. 
Depois de sua confissão intencional, ele diz que os policiais o contaram o crime em detalhes – perguntando como ele havia feito, e corrigindo-o quando ele não acertava os fatos. Como ele entrou? “Eu disse: 'chutei a porta da frente'.” Mas o estuprador havia usado a porta dos fundos, então ele admitiu que havia dado a volta e entrado por trás. “Eles alimentaram minhas respostas”, lembra-se. 
As confissões de alguns réus continham até erros alimentados pela polícia. Earl Washington Jr., um homem com problemas mentais que passou 18 anos na prisão e saiu poucas horas antes de ser executado por um assassinato que não cometeu, disse em sua confissão que a vítima estava usando uma blusa de frente única. Na verdade, ela estava usando um vestido de alcinhas, mas um relatório inicial da polícia informava que ela usava uma frente única. 
Steven A. Drizin, diretor do Centro para Condenações Errôneas da Escola da Direito da Universidade Northwestern, disse que a importância da contaminação não pode ser menosprezada. Enquanto os erros podem levar a uma prisão equivocada, “é a contaminação que é o principal fator nas condenações errôneas”, diz ele. “Os júris demandam detalhes do suspeito que fazem com que a confissão pareça confiável – é aí que os casos se deterioram.” 
Jim Trainum, ex-policial que agora aconselha os departamentos de polícia no treinamento de policias para evitarem confissões falsas, explicou que poucos têm a intenção de contaminar um interrogatório ou condenar um inocente. 
“Você fica tão fixado em 'esta é a pessoa certa, este é o culpado' que tende a ignorar tudo mais”, diz ele. O problema com as confissões falsas, diz ele, é que “a pessoa errada ainda está solta, e pode cometer outro crime.” 
Trainum defende gravar em video os interrogatórios inteiros. As exigências para gravar confissões variam muito. Dez Estados norte-americanos exigem a gravação de pelo menos alguns interrogatórios, como aqueles dos crimes que envolvem pena de morte, e sete supremos tribunais estaduais exigem ou recomendam fortemente a gravação. 
Hoje, Lowery, 51, mora no subúrbio de Kansas City, numa casa que ele está reformando com parte dos US$ 7,5 milhões que recebeu de indenização, junto com as desculpas dos oficiais de Riley County, Kansas, onde ele foi preso e interrogado. 
Ele tem dificuldades em deixar o passado para trás. 
“Eu fiquei envergonhado”, diz ele. “Você encontra com tanta gente que diz: 'eu nunca confessaria um crime.” 
Ele não argumenta com essas pessoas, porque ele sabe que elas não passaram pelo que ele passou. 
“Você nunca esteve numa situação tão intensa, na qual não sabe sobre os seus direitos”, diz ele. “Você não sabe o que diria para sair dessa situação.”


Fonte: John Schwartz -The New York Times - Tradução: Eloise De Vylder

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