quarta-feira, 21 de julho de 2010

Artigo: Criminologia e mídia: Sistema Penal em luta por poder simbólico

O presente trabalho(1) se constitui em uma apresentação da pesquisa realizada por seu autor, a partir de uma abordagem em Teoria Social(2), com o fim de instrumentalizar uma compreensão preliminar das principais características dos campos sociais em análise, o campo jurídico, ou do sistema penal, e o campo da mídia, para em seguida estabelecer uma abordagem das concepções criminológicas relacionadas ao tema, de modo a esclarecer a relação de concorrência por legitimação entre o jornalismo e o sistema penal, para finalmente apontar as divergências na disputa entre os agentes desses mesmos campos pelo controle do discurso de poder simbólico – tradicionalmente monopólio do campo jurídico – que cria enquanto descreve a realidade social. O campo jurídico, e, portanto, o sistema penal, estabelece sua estratégia de manutenção do monopólio discursivo sobre a “verdade”(3), apoiado na tradição de uma legitimidade herdada ao longo da história da formação da instituição estatal, que estabelece o monopólio sobre esse discurso pelo campo político, especialmente a partir da massiva difusão da lógica administrativa jurídico-econômica pela burguesia dominante a partir da Revolução Industrial. Observe-se, entretanto, que, no caso brasileiro, essa legitimidade baseada na história não existe, originando-se aí a fraqueza de nossas instituições políticas e econômicas e, portanto, o fraco efeito civilizatório que resulta no descontrole social e na criminalidade.
O campo jornalístico luta pelo monopólio discursivo sobre a mesma “verdade” sustentada pelo sistema penal, mas apenas como forma de legitimação sobre a audiência e, portanto, para a consolidação de seu poder simbólico. Entretanto, o fato de orientar suas ações pela busca de lucro financeiro e/ou simbólico, sem preocupar-se com o bem comum, faz com que a mídia perca a legitimidade para a obtenção de efeitos sociais reais e duradouros. Arrisca-se, portanto, nesse processo, a deslegitimar ou a enfraquecer o poder simbólico estatal ou público, criando as condições para a instabilidade institucional e para o agravamento da instabilidade social. Entretanto, é preciso observar que a luta da mídia por poder simbólico, se justifica apenas pelos lucros que ocorrem durante a dinâmica da luta. Isso implica dizer que a mídia não pode levar sua luta às últimas consequências, pois isso implicaria no disparate de vir a mídia a tomar o lugar do Estado, assumindo o poder político originado da posse reconhecida do poder simbólico, devendo, a partir disso, assumir as funções do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, e especialmente as funções do sistema penal, algo a que as empresas de comunicação não se propõem, limitando-se à busca de legitimação como ator político em posição privilegiada, já que dotado de supremacia sobre os atores tradicionais, efeito, contudo, ilegítimo, pois decorre da crença geral em um “poder” simbólico, criado e difundido pela mesma mídia, e também porque as empresas de comunicação estão abertamente orientadas para o lucro financeiro, e não para o bem de todos, como o é o Estado, conforme a Constituição Federal Brasileira. Entretanto, é por essa razão que não é estranha a frequente entrada de jornalistas no campo político e as posições no campo jornalístico serem vistas muitas vezes como um dos meios mais eficientes para o ingresso no campo político.
No que se refere ao sistema penal, destacado aqui como parte do campo jurídico, este último inserido no grande campo do Estado, é preciso ter presente que a interação com a mídia pode produzir o resultado positivo de conscientizar os cidadãos sobre os problemas que aquele apresenta no que se refere, por exemplo, às falhas na legislação e na execução penal, à violência urbana descontrolada, aos problemas objetivos e éticos dos organismos de controle social (Judiciário, Ministério Público, Polícias etc.). Entretanto, dessa interação também surgem, por exemplo, os aspectos negativos da banalização, pela mídia, de temas penais de extremo relevo, a difusão do medo social, a omissão da maioria dos graves problemas que estão na origem da criminalidade, como a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a injustiça social etc., por estes demandarem profundas análises científicas interdisciplinares, e sua solução, ou condução a níveis toleráveis, necessitar da implementação de políticas públicas adequadas, de médio e longo prazo, as quais, entretanto, não produzem os frequentes escândalos de que necessita a mídia, em sua ansiosa busca por “novidades” atrativas ao público, que permitem valorizar financeiramente os espaços comerciais de seus canais de comunicação, junto aos seus anunciantes/patrocinadores, e disputar o poder simbólico com o Estado, especificamente com o sistema penal. Mídia e sistema penal têm, portanto, objetivos muito diferentes, os quais se aproximam apenas no que se refere à disputa pelo poder resultante da afirmação da “verdade”. Os problemas que surgem dos atritos entre esses campos sociais são muitos e decorrem principalmente das características internas de cada campo, como linguagens ou códigos internos muito diferentes, estratégias diversas de legitimação utilizadas por seus respectivos agentes, e das inúteis tentativas de redução das referências linguísticas e taxionômicas concorrentes às categorias de pensamento do campo socialoposto(4).


Notas
(1) Uma versão mais completa deste trabalho (com notas de rodapé e referências) pode ser enviada aos interessados, por solicitação direta ao autor (alvaro.rocha@pucrs.br).
(2) Por se tratar de tema de grande complexidade, exigindo muitas notas explicativas e referências das obras utilizadas, optamos por disponibilizar esses dados aos interessados no trabalho completo eventualmente solicitado, conforme nota 1.
(3) Não cabe nesse trabalho, nem é sua proposta, uma discussão sobre “verdade”, conceito discutido há séculos, com muita propriedade, pela Filosofia. Para os fins desse trabalho, utilizamos a definição da Sociologia Política, pela qual, para o Estado e para o Direito, verdade é o que se impõe e se toma por verdadeiro, dentro da ideia de um “arbitrário cultural”, quer dizer, a “naturalização” de uma escolha arbitrária, feita pelo grupo social dominante, em determinado momento histórico e social, objetivada no texto legal vigente em cada época (normalização = normatização), o que torna a lei escrita, por essa mesma razão, passível de “envelhecer”, ou seja, deixar de refletir a dinâmica social, devendo, assim, ser alterada, no intuito de preservar a “ordem” vigente.
(4) O desenvolvimento completo dessa análise está disponível, como referido na nota 1 da primeira parte desse trabalho.

Álvaro Filipe Oxley da Rocha
Doutor em Direito do Estado. Mestre em Ciência Política. Professor e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da PUC-RS.


Como citar este artigo: ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Criminologia e mídia: sistema penal em luta por poder simbólico. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 211, p. 01-02, jul., 2010.
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