sexta-feira, 21 de maio de 2010

O DIREITO POR QUEM O FAZ – O direito do preso ao voto

Tribunal de Justiça de São Paulo
12ª Câmara Criminal
Ap. 99307118801-8
j. 17.06.2009 - DJE 22.06.2009.
Relatório
“A. L. e F. da C. T. e S. foram condenados pela MMa. Juíza de Direito da 16ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo a 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo unitário, como incursos no art. 157, § 2o, I e II, do Código Penal.
Inconformado, F. pretende a absolvição, sustentando insuficiência probatória.
O Ministério Público, a seu turno, pleiteia a condenação dos réus também por receptação, o aumento das penas-base relativas ao roubo, a fixação do regime fechado para início de resgate da corporal e a decretação da perda dos direitos políticos.
Contrarrazões às fls. 465/471, 500/502 e 514/519.
A D. Procuradoria de Justiça opina pelo não provimento do recurso defensivo e pelo acolhimento parcial do apelo ministerial para o estabelecimento do regime inicial fechado”.
Voto
“Consta da denúncia que os acusados ingressaram em churrascaria e, mediante emprego de armas de fogo, subtraíram do caixa R$ 800,00 em dinheiro e tíquetes. De volta ao veículo no qual comparsa os aguardava, fugiram.
Ocorre que, enquanto trafegavam, chamaram a atenção de policiais militares em patrulhamento de rotina. Os milicianos, notando que a viatura parecia ter deixado os agentes nervosos, determinaram que estes parassem o carro. O motorista, em seguida ao cumprimento da ordem, corréu para favela próxima, levando consigo parte da ‘res’. Detidos os réus, revólver roubado e R$ 353,00 foram localizados no automóvel.
(...)
O laudo de fls. 136/138 atestou a eficácia do revólver.
(...)
As qualificadoras imputadas também ficaram bem demonstradas. O concurso de agentes deflui da própria dinâmica dos fatos e o revólver foi regularmente apreendido e periciado.
Como a posse de arma já serviu para qualificar o roubo, inviável a postulada condenação por receptação, sob pena de inconcebível dupla punição pelo mesmo fato. O concurso de crimes só seria possível se comprovado que o recebimento do revólver se deu em contexto autônomo. A prova colhida, no entanto, não autoriza concluir que a conduta representou algo mais que mero crime-meio. Desse modo, tal qual admitiu a acusação em relação ao porte ilegal, forçoso reconhecer que a receptação restou absorvida pelo roubo.
A fixação das penas-base nos mínimos legais igualmente se mostrou correta, já que a culpabilidade dos acusados foi normal para a espécie.
Ademais, a dupla qualificação do delito, por si só, não induz à necessidade de elevação das sanções, ausentes circunstâncias específicas que justifiquem reprovação diferenciada, a teor do disposto no art. 59 do Código Penal.
De qualquer maneira, ainda que configurada hipótese peculiar das majorantes, o aumento maior seria aplicado na terceira fase da dosimetria, e não, como sustentado, na primeira.
Não pode prosperar ainda o pleito pelo regime inicial fechado. A gravidade em tese não basta para a determinação do regime prisional porque o legislador já a considerou na fixação do piso e do teto da pena privativa de liberdade, nada mencionando quanto à obrigatoriedade do mais gravoso para o autor de roubo, se a pena não exceder a oito anos.
No caso, fixadas as sanções básicas nos mínimos legais e tratando-se de acusados primários, sem antecedentes e menores, o regime semiaberto revela-se suficiente para a reprovação e prevenção das condutas, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal. Além disso, de acordo com a Súmula 718 do STF, ‘a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada’.
(...)
Por fim, não há razão para negar aos réus o direito ao voto.
É certo que o art. 15, III, da Constituição Federal, norma de eficácia plena, não distingue os direitos políticos que ficariam suspensos pela condenação criminal transitada em julgado.
Não se pode olvidar, porém, que a cidadania constitui fundamento da República (CF, art. 1º, II) e primado do Estado Democrático de Direito. Por conta disso, como leciona José Afonso da Silva, ‘a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos (...) deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e de ser votado, enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal, segundo as boas regras de hermenêutica’ (Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 2002, p. 381).
Assim, ante a ausência de outras regras constitucionais ou legais que respaldem tal decretação da perda temporária da capacidade política ativa, bem como frente à irrazoabilidade da medida, especialmente se considerado o interesse do sentenciado em influenciar o tratamento político a ele dispensado, deduz-se que o art. 15, III, da Carta Magna, contempla apenas hipótese de inegibilidade.
Conforme explica Alexandre de Moraes, ‘a ratio do citado dispositivo é permitir que os cargos públicos eletivos sejam reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da representação democrática’ (Direito Constitucional, Atlas, 2002, p. 259).
Frente ao exposto, nega-se provimento aos recursos”.
Vico Mañas
Relator

Anotação: O art. 15, III, da CF limita o direito humano fundamental ao sufrágio, motivo pelo qual deve ser interpretado restritivamente e à luz dos princípios constitucionais, como feito pelo v. acórdão, de modo a não suspender o direito ao voto.
Não há norma que regulamente o artigo referido ou determine a suspensão do direito ao voto em razão de condenação criminal, o que seria necessário para que a sanção ocorresse, por força do art. 5º, XLVI, “e”, da CF e art. 23, item 2, da CADH.
Aliás, com a reforma do CP pela Lei 7.209/84, a previsão que autorizava a suspensão dos direitos políticos foi excluída, permitindo-se apenas a perda do mandato eletivo, respeitadas as condições do art. 92, I, do CP e 55, §2º, da CF.
Entendimento no sentido de que o art. 15, III, da CF implica a suspensão automática e indiscriminada do direito de voto desconsidera o art. 93, IX, da CF e o art. 3º da LEP e representa retrocesso incabível para a Constituição Cidadã, já que a EC nº 1/69 exigia lei complementar para dispor sobre a mencionada suspensão e estabelecia que esta somente poderia ocorrer mediante decisão judicial, assegurada a ampla defesa.
Significa, também, violação aos princípios da dignidade humana, cidadania, pluralismo político, individualização da pena, proporcionalidade, isonomia, legalidade, contraditório, ampla defesa, entre outros, e ao art. 60, §4º, II e IV, da CF.
Além disso, a suspensão do direito de voto em virtude de condenação criminal não é medida de política criminal adequada, pois não é capaz de reduzir a violência e contribui para a degradação e dessocialização da pessoa cidadã condenada criminalmente. 

Rafael Rocha Paiva Cruz

Boletim IBCCRIM nº 209 - Abril / 2010.

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