domingo, 28 de março de 2010

6,8 mil protegidos a salvo: Programa de proteção à testemunha existe há 11 anos no Brasil e nunca registrou uma baixa

“O que eu ganho em troca disso tudo?”, questiona o advogado encarnado por Tom Cruise no filme A Firma, perplexo com tantas cautelas. “A vida”, responde o homem do FBI. Com enredos que mostram personagens que são “obrigados” a engavetar o passado e a seguir a vida sob uma nova identidade e até com um novo rosto retocado pelo bisturi, o serviço do proteção à testemunha americano faz história nas telas dos cinemas. Em terras tupiniquins, o programa “irmão”, menos famoso, é tão secreto que há até quem duvide de sua existência – e de sua segurança. De acordo com os coordenadores do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), porém, 6,8 mil pessoas já foram protegidas em todo o Brasil e nenhuma baixa foi registrada em 11 anos de existência.
Baseando-se nos sistemas de proteção de países como Estados Unidos, Inglaterra e Itália, o modelo do Provita foi criado no Brasil, em 1996, por uma ONG em Pernambuco, chamada Gabinete de Asses soria Jurídica às Organizações Populares (Gajop). Em pouco tempo o projeto ganhou apoio do estado e, em seguida, foi replicado em outros cantos do país.
A cirurgia plástica para mudanças no rosto dos ameaçados ficou apenas nas telas dos cinemas e a alteração de identidade somente no papel, mas, em 1999, o Provita tornou-se pro grama federal e, hoje, está presente em 19 estados, formando uma rede de proteção intricada, com a participação dos governos estaduais, da União e entidades da sociedade civil. No Paraná, o Provita começou a tomar forma em 2004. Hoje, tem um saldo de 120 testemunhas protegidas e a condenação do réu em 21 casos.
Um exemplo desses cases de sucesso está relacionado à chacina de Guaíra. No fim do ano passado, uma testemunha protegida pelo Provita desempenhou um papel fundamental na condenação a 348 anos de prisão dos três responsáveis por 15 assassinatos e oito tentativas de homicídio, na maior chacina registrada no Paraná. Foi necessário um ano e um mês para que a moça – que se fingiu de morta durante a matança para conseguir fugir de seus algozes – pudesse respirar aliviada. “Esse é um tempo recorde em termos de finalização dos processos no Brasil”, avalia Tamara Enke, membro do Conselho Deliberativo do Provita-PR.
Para o presidente do Conselho Deliberativo do Provita-PR, o juiz Luis Sanson Corat, o programa brasileiro de proteção à testemunha é um sucesso. “Não é um programa só de segurança pública, como o americano. É um programa de direitos humanos, para que a pessoa possa depor, como atributo de sua cidadania, com a garantia de sua vida e de reinserção social”, explica.
Mesmo com o avanço do programa nos últimos dez anos, porém o abismo entre o sistema brasileiro e o de outros países é evidente segundo um dos idealizadores pernambucanos do Provita. Dez anos depois de criá-lo, o Gajop resolveu se retirar do programa federal no fim do ano passado. A justificativa? “O programa tem furos”, diz o coordenador do Gajop, Jayme Benvenuto Lima Júnior. “O Provita não tem capacidade de garantir segurança a todo tipo de testemunha, principalmente àquelas que depõem em crimes de alto potencial ofensivo ou em processos contra o crime organizado. Não é à toa que já teve testemunha morta”, afirma.
Tamara rebate esse tipo de crítica. “Houve caso de suicídio. Assassinato não. Teve caso de gente que foi morta porque desistiu de entrar no programa”, diz. Ela reconhece que a coordenação do programa já detectou inúmeras tentativas de infiltração por parte do crime organizado, mas ressalta que os criminosos não obtiveram sucesso. “Estamos atentos. Por isso que fazemos uma triagem dos candidatos antes que eles cheguem à equipe técnica”, explica. “Nunca tivemos uma testemunha que estivesse dentro do programa morta ou localizada”, complementa.
Segundo Lima Júnior, há, ainda, limitações legais, orçamentárias e de liberação de recursos. “Quando começamos, queríamos construir as bases para que, então, o governo assumisse. Nós percebemos que, passado todo esse tempo, as pessoas continuam sendo protegidas de forma amadora. O governo parece querer continuar terceirizando esse serviço”, diz.
Serviço: O pedido para entrar no Provita-Paraná pode ser encaminhado à Rua Jaci Loureiro Campos, s/n.º – Palácio das Araucárias. Telefone (41) 3221-7250. O plantão é atendido pelo telefone (41) 9257-7649.
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Desaparecendo da face da Terra
Saiba como funciona o Provita, quais são os outros programas de proteção e como funcionam em outros países:
Porta de Entrada
Delegados, promotores de Justiça ou mesmo a própria vítima ou testemunha que se sentir ameaçada pode pedir a sua inclusão no Provita.
Pouso provisório
Caso a equipe técnica decida-se pela necessidade de inclusão urgente, a testemunha é encaminhada a um pouso provisório. O núcleo familiar todo pode ser protegido.
Decisão
O conselho deliberativo do programa reúne-se em local secreto para decidir sobre a inclusão ou não da testemunha no programa.
Regras
Para entrar no programa é necessário haver anuência da testemunha, que deve se comprometer com regras rígidas. A pessoa precisa deixar para trás a sua vida, mudar-se para outro lugar, ser discreta e não manter contato com familiares e amigos, a não ser por meio da equipe técnica.
Desaparecendo
A rede de proteção encontra um local seguro para enviar a testemunha. Normalmente, opta-se por mandá-la, junto com o seu núcleo familiar, para outro estado do Brasil.
Estabelecendo raízes
A entidade civil local responsável pelo programa auxilia a testemunha com sua inserção social: da nova moradia à inserção no mercado de trabalho.
Cidadania
A testemunha se compromete a ficar à disposição da Justiça, contribuindo com o seu depoimento em processos criminais.
Independência
A testemunha fica dois anos no Provita, podendo o tempo ser prorrogado se for necessário. Depois que sai do programa, é recomendado que não volte ao estado de origem.
Proteção
PPCAM
Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte. Criado em 2003, já atendeu 3.731 pessoas. Hoje está presente em sete estados e no Distrito Federal. No Paraná, deve ser criado neste ano.
SPDE
O Serviço de Proteção ao Depoente Especial está instalado só em Brasília. É voltado para a proteção da testemunha que tenha envolvimento com o crime.
PDDH
Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Neste programa, a pessoa ameaçada permanece onde está e ganha proteção especial. Não existe ainda no Paraná.
No mundo
Estados Unidos da América
O Witness Protection protege a testemunha antes, durante e depois do julgamento. O U.S. Marshals Services fornece nova documentação, ajuda na procura de habitação e emprego, cirurgia plástica em casos especiais e fornece uma bolsa até que a testemunha comece a andar com os próprios pés.
Inglaterra
O Victim Support presta serviços de apoio social e psicológico. Um serviço especializada localizado em Manchester cuida de poucos casos em que é necessária a proteção propriamente dita das testemunhas.
Itália
O Procura Nazionale Antimafia está intrinsecamente ligado ao combate à mafia.


Vida nova
Durante 15 dias em que fiquei hospitalizada, a escolta do lado de fora e a presença da minha família faziam eu me sentir segura. Mas, quando coloquei os pés para fora do hospital e comecei a ter contato com o mundo de fora, descobri a gravidade da minha situação.
A investigação policial parecia não ter fim e as reviravoltas do caso me deixavam em pânico. Sabia que, a qualquer momento, eu poderia ser um alvo, já que eu era a única testemunha de tudo. Os envolvidos estavam ali na rua. Senti tudo: insegurança, impotência e medo de ser vítima novamente de uma violência que ainda me assombrava.
Com o programa, eu passei a me sentir, às vezes, infeliz pela distância da família, mas segura e protegida. Inserida no programa fiz cursos profissionalizantes, consegui entrar no mercado de trabalho e aprender a administrar as minhas finanças. Consegui superar traumas e problemas psicológicos.
Quando já estava apta a sair, sentia-me preparada para recomeçar a vida. Hoje, tenho minha casa, meu carro e posso ter o privilégio de dar para o meu filho o que ele precisa e deseja. Tudo com os benefícios do meu próprio esforço e graças ao suporte e apoio que me recebi do Provita.”
Maria (nome fictício), testemunha da chacina de Colombo, ocorrida em 28 de fevereiro de 2003, que registrou a morte de nove pessoas, entre elas três crianças. As execuções estariam ligadas à disputa por pontos de tráfico de drogas e teriam sido ordenadas de dentro da Colônia Penal Agrícola pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

Gazeta do Povo. 28/03/2010.

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