quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Só vontade política pode dar fim à crise no Judiciário

A prisão provisória é a principal vilã da superlotação dos presídios brasileiros, mas segundo relatório divulgado pelo Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association, a crise do sistema judiciário vai além desse fato. O país é dono da quarta maior população carcerária do mundo. Dos mais de 400 mil presos, 44% estão em regime de prisão provisória. Por outro lado, muitos condenados não chegam às celas. O Ministério de Justiça estima que há mais de 300 mil mandados de prisão contra condenados não cumpridos. Para a instituição, só vontade política pode dar um fim à crise do Judiciário e desafia CNJ a se manter duro e eficaz. O relatório será apresentando na sexta-feira (26/2) na Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp).
O estudo A Crise nas prisões e no sistema de Justiça criminal Brasileiro, divulgado em primeira mão pela Consultor Jurídico, foi elaborado pela IBA, uma associação mundial de advogados, especializada em estudos jurídicos. Segundo a entidade, as causas para esse resultado são a lentidão da Justiça e o fato de os tribunais estarem violando o princípio da presunção da inocência. Dados colhidos concluem que a opinião da população é de que “a polícia prende os criminosos e os juízes os deixam ir” e que o uso crescente da prisão provisória por parte de alguns juízes pode, em parte, ser uma resposta a esta pressa. A Justiça brasileira também pouco aplica a progressão de regime, que resultaria na liberdade de boa parte dos condenados.
Segundo relato do ex-procurador-geral do Distrito Federal Rogério Schietti Machado Cruz à entidade, os juízes estão fazendo uso excessivo da prisão provisória porque o sistema de Justiça criminal é inapto para processar casos de forma eficiente. “A grande e desnecessária morosidade dos julgamentos em primeira e segunda instâncias no Brasil têm gerado um aumento da pressão pública para o encarceramento de indivíduos suspeitos de atividades criminosas, mesmo antes de que eles tenham sido julgados e condenados”, afirma.
O relatório também acusa o sistema de elitista por dar privilégios aos mais ricos e estudados, que são aqueles que conseguem pagar os melhores advogados e, assim, garantir uma boa defesa. O mesmo ocorre com os menores, já que todos os detentos da Fundação Casa, por exemplo, têm origem humilde. Estudos também mostram que os juízes estão usando os amplos poderes discricionários, previstos em lei, para decretar a prisão provisória de certas classes de pessoas, em resposta a ansiedades e preconceitos da sociedade acerca de certos tipos de crimes.
A entidade também relata as condições das prisões já divulgadas por meio dos mutirões do CNJ e o crescente número de prisões de pessoas acusadas de delitos menores e inocentes. É considerado grave ainda o fato de as detenções gerarem facções criminosas.
Déjà Vu
Em mais de 70 páginas, o relatório traça a história do Brasil e busca entender o porquê da crise nos sistemas judiciário e prisional brasileiro. Ao analisar os dados, a entidade cita expressões como “para inglês ver” e “jeitinho brasileiro” para explicar a sensação de déjà vu causada pelo estudo. “O governo federal tem afirmado, repetidamente, que aceita muitas de suas conclusões e pretende tomar medidas para lidar com os problemas identificados, porém, os relatórios subsequentes mostram poucos avanços na prática”, denuncia o relatório. Duas entidades que acompanham a aplicação dos Direitos Humanos no Brasil, a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, observaram que, embora a falta de recursos possa ter sido a causa de algumas falhas do sistema, a ausência de vontade política é o problema mais significativo.
Parte da culpa  é atribuída ao legado da ditadura militar, que continua prejudicando o Brasil a conseguir pôr em prática sua Constituição e suas leis de direitos humanos. “As instituições que deveriam zelar por esses direitos continuam corporativistas, como na era ditatorial. A solução é fazer o sistema que já existe funcionar melhor, porque criar novas soluções ou institucionais apenas burocratizaria ainda mais.”
Maus tratos na prisão, violência policial, má gestão de recursos nos tribunais também são causas da crise vivida no país. De acordo com o relatório, muitas vezes os juízes não conseguem oferecer supervisão judicial eficaz do sistema como um todo pela carga de trabalho. “Existem ainda vários relatos críveis de que, por vezes, eles são coniventes com violações de direitos fundamentais. Um relatório da Anistia Internacional, por exemplo, têm casos documentados nos quais agentes prisionais disferiam agressões aos presos enquanto um juiz assistia.”
A falta de acesso à Justiça também é bastante relatada pelo estudo, já que 80% dos presos não têm como pagar um advogado e, quando dependem da Defensoria, o profissional nem sempre é presente e atuante. De acordo com o relatório, fortalecer a Defensoria é uma medida imediata. Em outubro do ano passado, a ConJur publicou reportagem relatando a nova Lei Orgânica da Defensoria. Para especialistas, a mudança nas normas do órgão é apenas um primeiro passo para a reestruturação.
Soluções possíveis
A maior conclusão do relatório é que a reforma do Judiciário deve ocorrer, mas sem criar novas entidades ou burocracias. A ideia é que o sistema, que já existe, funcione. O problema em implementar essas novas práticas é conseguir mobilizar a vontade política necessária para vencer lobbies e interesses de “diversas partes do Estado corporativista brasileiro”. Segundo a IBA, o CNJ já é considerado forte, mas deve estar preparado para “tomar medidas duras para provar que é um órgão de monitoramento eficaz”.
Outro desafio-chave apontado é a reforma da estrutura legal, constitucional e institucional, já que o sistema é regido federalmente e a prestação efetiva da Justiça é responsabilidade dos estados. “Embora seja necessário um conjunto de batalhas políticas para uma reforma política ou legislativa, outro conjunto é necessário no nível estadual para implementá-la.” Segundo o relatório, no caso da Justiça criminal, essa mudança envolve tratar de um conjunto amplo de preocupações de segurança pública e coordenar a reforma com o setor da Justiça e a polícia. “Isto também significa relacionar-se com um público que é esmagadoramente hostil ao conceito de defender os direitos de pessoas na prisão.”

Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2010

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