sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Deficiente não pode ser delegado e nem perito da PF


Os cargos de delegado, perito, escrivão e agente de Polícia Federal não são compatíveis com nenhum tipo de deficiência física. A conclusão é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao confirmar decisão que negou ao Ministério Público Federal o pedido para que a PF reservasse vagas em concurso para deficientes.
“Todos os titulares desses cargos estarão sujeitos a atuar em campo, durante atividades de investigação, podendo ser expostos a situações de conflito armado que demandam o pleno domínio dos sentidos e das funções motoras e intelectuais”, entendeu o desembargador Fagundes de Deus, relator no TRF-1.
Para a Turma, o edital do concurso não violou o artigo 37, inciso VIII, da Constituição. Segundo o dispositivo, “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. No entendimento dos desembargadores, o edital também não afrontou a Lei 8.112/1990 ou o Decreto 3.298/1999, que tratam da reserva de vagas para os candidatos com deficiência física nos concursos.
Para o desembargador, o Decreto assegura a participação de deficientes em concursos em que os cargos disputados possam ser exercidos por pessoas que têm algum tipo de deficiência. Para ele, todos os cargos mencionados na Ação Civil Pública proposta pelo MPF exigem o “pleno domínio de todos os sentidos e funções motoras e intelectuais”. “É sabido que todos os integrantes da carreira policial possuem porte de arma e são treinados para o seu uso durante a segunda fase do certame, que consiste no curso eliminatório ministrado pela Academia de Polícia”, disse o relator.
O desembargador afirmou que, seja perito ou escrivão, todo policial tem o dever de atuar ao se deparar com um delito. “Não existe regra que limite suas atividades às dependências de uma delegacia, sendo eventualmente compelido a colher depoimentos em outros locais (residências, hospitais, etc.), em que não se pode descartar a possibilidade de exposição do escrivão a conflito armado”, disse em relação ao cargo de escrivão.
“Não raras vezes será ele [o perito] obrigado a colher elementos e dados para o seu trabalho (digitais, documentos, substâncias químicas e/ou biológicas, etc.) diretamente no local em que se deu a cena do crime, até porque é ele o profissional mais gabaritado para identificar e preservar as pistas e provas a serem analisadas. Também em tais casos estará ele na contingência de se deparar com confrontos e perseguições que exigirão a sua plena aptidão física e mental”, disse em relação à função de perito.
O MPF em Minas Gerais ajuizou a ação em 2002 para obrigar os concursos da PF para provimento de cargos de delegado, escrivão, agente e perito a reservar vagas para deficientes. Em primeira instância, o pedido foi rejeitado. O MPF recorreu e, no início de dezembro de 2009, o recurso foi negado pelo TRF-1.
Leia a decisão
Apelação Cível 2002.38.03.000070-8/MG
Relator: Desembargador Federal Fagundes de Deus
Julgamento: 9/12/2009
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGOS DE DELEGADO, PERITO, ESCRIVÃO E AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL. RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA.
I. As atribuições afetas aos cargos de Delegado, Escrivão, Perito e Agente de Polícia Federal não são compatíveis com nenhum tipo de deficiência física, pois todos os titulares desses cargos estarão sujeitos a atuar em campo, durante atividades de investigação, podendo ser expostos a situações de conflito armado que demandam o pleno domínio dos sentidos e das funções motoras e intelectuais, no intuito de defender não só a sua vida, mas, também, a de seus parceiros e dos cidadãos.
II. Não se pode olvidar, ainda, que, nos termos do art. 301 do CPP, os membros da carreira policial, sem distinção de cargo, têm o dever legal de agir e prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
III. Assim sendo, é desnecessária a reserva de vagas para portadores de deficiência nos concursos públicos destinados ao provimento de cargos de Delegado, Perito, Escrivão e Agente de Polícia Federal.
IV. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Decide a Quinta Turma do TRF – 1ª Região, por maioria, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal.
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal para que fosse declarada inconstitucional toda norma que dispõe sobre o ingresso e o exercício da atividade policial que implique em obstáculo ao acesso de pessoas portadoras de deficiência aos cargos de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Escrivão de Polícia Federal e Agente de Polícia Federal, condenando a Requerida a não mais tornar pública a abertura de concursos públicos para a carreira policial sem promover a devida e necessária reserva de vagas para pessoas portadoras de deficiência.
O MM. Juiz sentenciante entendeu que a pessoa portadora de deficiência deve estar habilitada e capacitada para o desempenho da atividade pretendida, para que possa pleitear a incidência da regra isonômica. Não pode pretender desempenhar funções incompatíveis com a sua deficiência e/ou para as quais não esteja capacitada, como são os cargos objeto do presente feito, que exigem para seu desempenho plena aptidão física e mental.
Na hipótese dos autos, questiona-se se o Departamento de Polícia Federal deve, obrigatoriamente, reservar vagas para pessoas portadoras de deficiência física quando promover concursos para os cargos de Delegado de Polícia, Escrivão, Perito e Agente de Polícia.
Para o deslinde da controvérsia, é preciso verificar se as atribuições afetas a tais cargos são compatíveis com algum tipo de deficiência física, já que, em consonância com o princípio da razoabilidade, o artigo 37 do Decreto 3.298/1999 somente assegura a participação do portador de deficiência em concursos para o provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.
No caso concreto, o primeiro empecilho relaciona-se ao fato de que o policial é obrigado, legalmente, a prender quem quer que encontre praticando um crime.
Nesse sentido determina o artigo 301 do Código de Processo Penal que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
É sabido que todos os integrantes da carreira policial possuem porte de arma e são treinados para o seu uso durante a segunda fase do certame que consiste no curso eliminatório ministrado pela Academia de Polícia.
Assim sendo, mesmo que fora do horário de trabalho, o policial pode levar consigo uma arma e tem o dever de atuar, usando-a ou não, diante de um delito em que se veja envolvido ou que testemunhe. É razoável imaginar, também, que tal policial pode se deparar com situação em que seja necessária a perseguição dos atores vistos na cena de um crime.
Independentemente de ser Perito, Escrivão, Delegado ou Agente de Polícia, o dever do integrante da carreira policial é o mesmo: agir no sentido de reprimir o cometimento de um delito e de proteger o cidadão.
Outra das atribuições precípuas dos cargos de Agente e de Delegado de Polícia é atuar em procedimentos de investigação, o que pode levar o policial a deparar-se com conflitos armados, ocasiões em que o bom desempenho de suas funções motoras e intelectuais garantirá não só a segurança de sua vida, como a de seus parceiros e de terceiros. Não raro, esses profissionais são designados para fazer a segurança de dignitários, seja dizer, de agentes estatais brasileiros e estrangeiros que ocupam importantes cargos públicos, e, nessa condição, têm o dever de proteger a vida e a incolumidade física de tais autoridades.
O Escrivão de polícia federal tem como uma de suas funções atuar nos procedimentos policiais de investigação, conforme o disposto no Anexo I da Portaria 523/MJ, de 28/7/1989, que descreve as atividades afetas aos cargos de nível superior e médio da Carreira Policial Federal. A principal tarefa do Escrivão, seja dizer a de registrar depoimentos, não existe regra que limite suas atividades às dependências de uma delegacia, sendo eventualmente, compelido a colher depoimentos em outros locais (residências, hospitais etc.), em que não se pode descartar a possibilidade de exposição do escrivão a conflito armado.
Por fim, quanto ao Perito, é forçoso admitir que não raras vezes será ele obrigado a colher elementos e dados para o seu trabalho (digitais, documentos, substâncias químicas e/ou biológicas etc.) diretamente no local em que se deu a cena do crime, até porque é ele o profissional mais gabaritado para identificar e preservar as pistas e provas a serem analisadas. Também em tais casos estará ele na contingência de se deparar com confrontos e perseguições que exigirão a sua plena aptidão física e mental.
Desse modo é possível que tais membros da carreira policial deparem-se e sejam obrigados a atuar em situações que lhes exijam redobrada atenção, cautela, precisão de movimentos, assim como agilidade em suas ações e decisões o que torna indispensável o pleno domínio de todos os sentidos e funções motoras e intelectuais, razão pela qual, no entendimento do Órgão Julgador, as atribuições dos cargos de Delegado, Escrivão, Perito e Agente de Polícia Federal, integrantes da carreira policial federal, não se coadunam com nenhum tipo de deficiência física.
Não houve violação, pelo edital do concurso, da norma constitucional (CF, art. 37, VIII) e infraconstitucionais (Lei 8.112/1990, art. 5º, e Decreto 3.298/1999, art. 37), que versam sobre a reserva de vagas em concursos públicos para candidatos portadores de deficiência física.
Com esses fundamentos, a Turma, por maioria, negou provimento ao apelo do Ministério Público Federal.

Revista Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2010

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