terça-feira, 1 de dezembro de 2009

STF se manifesta sobre a ação penal em crimes contra a dignidade sexual

Ministro arquiva HC de acusado por crime contra os costumes que pedia suspensão de ação penal
Com fundamento na Súmula 691, do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Eros Grau arquivou Habeas Corpus (HC) 101228 de V.B., acusado de crime contra os costumes. Ele pedia, liminarmente, a suspensão de ação penal em trâmite contra ele na 1ª Vara Criminal de Itaquaquecetuba (SP) e, no mérito, o trancamento da ação.
A defesa alegava ilegitimidade do Ministério Público (MP) para promover a ação penal, visto que a representante legal da menor vitimada pelo ato de V.M. desistiu expressamente de representar contra ele, por entender que perpetuar ação penal seria mais danoso à própria vítima. Por consequência, seriam também ilegítimos e nulos de pleno direito todos os atos do Ministério Público, porquanto lhe faltaria a condição de procedibilidade para atuar na ação penal.
O ministro Eros Grau citou trecho do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por meio de recurso em sentido estrito. Nele, o TJ considerou que a manifestação da representante da vítima ocorrida após o recebimento da denúncia não pode ter a finalidade de trancar a ação penal, nem de definir a ilegitimidade do Ministério Público, “vez que havia a devida representação, antes da decadência, juntada com a peça inicial, que, assim, estava em termos e foi corretamente recebida”.
Conforme o relator, o artigo 25 do Código de Processo Penal estabelece que a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. “Não visualizo, no ato impugnado, situação teratológica ou consubstanciadora de flagrante constrangimento ilegal a justificar exceção à Súmula 691 desta Corte”, disse o ministro, ao arquivar o habeas corpus com base na Súmula 691/STF.
NOTAS DA REDAÇÃO
No tocante aos crimes contra os costumes, hoje denominados crimes contra a dignidade sexual, desde o advento da Lei 12.015/2009, com entrada em vigor em 10 de agosto de 2009, temos uma nova abordagem na temática da ação penal que merece ser apontada.
Antes do advento da Lei 12.015, as ações podiam ser de iniciativa privada, públicas condicionadas à representação ou ainda, públicas incondicionadas. Sendo assim, devemos observar o mandamento legal de cada hipótese para poder concluir as regras aplicáveis ao procedimento.
Quando a hipótese envolvia vítima menor de 14 anos, o representante legal é quem conferia a condição de procedibilidade necessária para que o parquet pudesse postular ação penal como exercício do poder de punir do Estado, o jus puniendi.
Ocorre que se dentro do prazo decadencial de 6 meses da ciência do fato o representante legal retratasse da representação ofertada, o Ministério Público deixaria de preencher um elemento fundamental à justa causa e consequente propositura da ação penal, não cabendo portanto o prosseguimento do feito.
Com o advento da Lei 12.015, mudanças significativas foram inseridas no ordenamento jurídico, tão significativas ao ponto de o Procurador Geral da República propor ADI (4.301), por entender que tais mudanças atariam o Ministério Público de tal monta que significaria tolerar a impunibilidade em massa, dentre outras razões.
Segundo o novo quadro sedimentado pela referida lei tem-se que:
As ações são em regra públicas condicionadas à representação. Excepcionalmente são públicas incondicionadas: vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. E não mais existe a figura da ação penal privada para crimes contra a dignidade sexual.
Na decisão em comento, tais elementos são todos colocados na mesa e considerados com vistas a conceder o pedido de Habeas Corpus impetrado em favor do acusado que tinha contra si a garantia de não se ver processado, já que ausentes as condições autorizadoras da propositura da ação.
Em que pese o entendimento demonstrado pelo Procurador Geral da República na ADI 4.301 corroborado parcialmente pelo Advogado Geral da União em ação ainda em andamento questionando a inconstitucionalidade das regras inseridas no ordenamento processual penal pátrio, entendemos que a norma foi razoável.
De fato, quando tratamos de crimes que afetam a dignidade sexual, ou seja, a esfera sexual como um todo, não existem apenas interesses relevantes para o Estado, mas principalmente para o indivíduo, posto que o mais diretamente afetado em sua integridade do que o Estado em si.
Como ensina Luiz Flávio Gomes, marcantes são os interesses privados, tais como o interesse de recato, de preservação da privacidade, da intimidade, entre outros.
Segundo estudos de Criminologia, apregoa-se a quase certa vitimização secundária em que o escândalo de processo ou a revivência de fatos durante o processo, pode intensificar uma ofensa já experimentada pela vítima, potencializando-a.
Como se tratam de crimes que ferem a privacidade e intimidade da mulher, não caberia ao Estado tomar do particular o direito de punir, pois nestes casos deve-se considerar se a vítima de fato deseja ver seu ofensor penalizado. Muitas vezes não irá se tratar de um querer ou não da vítima, mas de todo o complexo de sentimentos, relações e lembranças que novamente se submeteria a vítima e se a mesma conseguiria suportar o processo. Como dizem alguns, as vezes o melhor mesmo é esquecer.
Pautados por essa perspectiva é que consideramos que a questão de impunidade já levantada na ADI 4.301, deve ter valor menor que a da intimidade da vítima, no sopesamento de valores constitucionalmente garantidos, preservando-se a vontade da vítima, já brutalmente prejudicada pela fatalidade dos fatos. A tal exposição ao público pode ser infinitamente mais gravoso, cabendo somente à vítima averiguar se será ou não. Enfim, temos em verdade a garantia de proteção da dignidade da pessoa humana.
Contudo, nas hipóteses excepcionalmente supra citadas, valores outros devem preponderar, uma vez que envolve menor ou pessoa vulnerável, razão pela qual o Estado lança mão do valor privado para que promova a ação penal a despeito do interesse privado.
Ocorre que a decisão proferida pelo STF, ora em comento, não deixa de desconsiderar a nova lei, mas contempla princípio corolário do processo penal em que tempus regit actum, ou seja, o momento do ato é regido pela lei em vigor.
O caso em tela era regido pelo antigo sistema de ação penal, e, portanto a temática em relação comparada seria, antes do advento da Lei 12.015 (grifos nossos):

Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.
E após a Lei 12.015/09:

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Como se vê na redação anterior do artigo 225 do Código Penal sujeitava a hipótese de ação quanto ao menor à condição de representação, o que hoje não se verifica, como já dissemos, posto que hipótese de ação penal pública incondicionada.
Dessa forma, entendemos que a decisão em comento é eivada de sabedoria uma vez que não apenas sopesa a lei e sua orientação, mas considera os valores de ser humano, inclusive brindando a dignidade da pessoa humana.

(FONTE: www.stf.jus.br)

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