terça-feira, 24 de novembro de 2009

EUA revê posição sobre crack

Em outubro deste ano, o senador Richard Durbin introduziu um projeto de lei no Congresso dos Estados Unidos que elimina a disparidade entre as penas relativas ao crack e à cocaína. A U.S. Sentencing Commission (órgão que guia a execução das penas no país) já havia sugerido a abolição dessa diferença recentemente. Com a redução das taxas de criminalidade nos últimos anos e a nova abordagem para as penas relacionadas ao crack, uma questão permanece: até que ponto vai a ameaça representada pelo crack, em termos de danos sociais?

No auge da epidemia do crack, entre 1984 e 1990, de acordo com a Drug Enforcement Agency, a penalização adotada para sufocar a violência relacionada à droga fez com que o porte de algumas gramas fosse punido com cinco anos de cadeia – mesma pena para quem portava 500 gramas de cocaína –, ainda que o crack e a cocaína em pó sejam duas formas diferentes da mesma substância ilegal.

O professor Alfred Blumstein, um dos mais influentes criminologistas norte-americanos e que recebeu em 2007 o prêmio Stockholm em Criminologia, pesquisou a fundo a ligação entre drogas ilegais e violência. Blumstein acredita que a dinâmica do mercado de crack, que colocou nas ruas dinheiro e armas, se associou às massivas prisões e precipitou o súbito aumento nos índices de violência no fim dos anos 80.

Blumstein associa a onda de violência ao fato de o mercado do crack cair em mãos cada vez mais jovens - menos tímidos no uso das armas. A forte repressão ao mercado da droga fez com que jovens fossem recrutados para o tráfico como substitutos para traficantes mais velhos que eram sistematicamente presos. Blumstein ressalta essa guinada para uma cultura armada entre os jovens. "Além disso, seus amigos da rua, que não tinham envolvimento com o tráfico de drogas, também adquiriam armas para imitar todos aqueles envolvidos no tráfico – e também para se proteger deles".

O fim do super-predador

Blumstein não acha que as prisões serviram como obstáculo para a violência armada. "A legislação e as prisões nada mais fizeram que gerar mais substitutos enquanto ainda existia a demanda. Ao remover os traficantes de drogas das ruas, abre-se caminho para traficantes cada vez mais jovens, armados e mais propensos a praticar e disseminar a violência", explica.

A violência realmente caiu mais de 40% no período entre 1993 e 2000, mas o criminologista atribui essa redução a uma queda na demanda, que pode ser resultado de uma experiência direta. "As pessoas viram os horrores do crack causado aos seus irmãos, pais e amigos de longa data", afirma o especialista. Ele acredita que a baixa da demanda também coincidiu com uma economia mais forte e robusta, na qual os jovens que não eram mais necessários aos mercados de crack encontraram outras opções. Para  professor, "o efeito do cárcere foi muito mais limitado".

O boom do crack representou uma onda de crimes violentos que atingiu especialmente jovens afro-americanos entre 13 e 17 anos, o que pode ser ilustrado por uma taxa de homicídios que, de acordo com relatórios, quadruplicou entre essa população. O medo da violência jovem gerou um exagero da mídia, retratado com bastante eloquência através do conceito de "super-predador": jovens negligenciados, expostos à pobreza e às drogas ilegais foram apontados como uma ameaça à segurança. Blumstein, por sua vez, é categórico: "O super-predador foi uma explicação retórica para o aumento do crime no fim da década de 80, mas esse grupo distinto da população nunca existiu".

Consumo de crack ainda é alto nos EUA

A cobertura midiática em relação ao crack diminuiu bastante nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que as estatísticas sobre o consumo da droga são escassas. Em artigo publicado em 2005 no jornal The New York Times, os autores Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt discutem se o uso de crack diminuiu de fato no país. Observando a falta de dados, os pesquisadores argumentam que há indicações que o uso do crack ainda é significativo, citando uma queda nas prisões relativas à cocaína de somente 15% desde 2000. No mesmo ano, “norte-americanos ainda fumavam crack numa proporção de 70% do que era fumado na época do auge da droga”, afirmam.

Mas eles alegam que o perfil dos usuários de crack mudou, “o consumo do crack é três vezes mais comum entre pessoas perto dos 40 anos do que no fim da adolescência ou aos vinte e poucos anos”, revelam. Mas, mais importante que isso, os preços do crack caíram em torno de 75% desde seu auge, nos anos 80. "Como droga, ele produz menos dano social hoje", dizem os autores.

Mas quais são os danos causados pelo consumo do crack? O médico John C. M. Brust, professor de Neurologia Clínica na Universidade de Columbia e diretor do Serviço de Neurologia do Hospital Harlem, em Nova York, diz que, embora a substância ativa do crack seja levada mais rapidamente ao cérebro, os efeitos não se diferenciam muito dos provocados pela cocaína.

"Com relação à violência entre os usuários de cocaína, a droga é a psico-estimulante e produz hiperatividade, impulsividade e paranóia – efeitos comportamentais particularmente indesejados entre jovens do sexo masculino. Pode haver uma progressão para psicose alucinatória e para o delírio", explica.

O médico comenta, apesar disso, que a maior parte da violência associada à epidemia de crack, seja na América do Norte ou do Sul, foi um resultado da ilegalidade da droga e do potencial para alto lucro que sua comercialização gera. "A cocaína não é única nesse aspecto – vocês certamente devem estar acompanhando um virtual colapso social em partes do México, que resulta do tráfico de heroína", afirma.

As preocupações quanto aos efeitos a longo prazo do uso de crack foram especialmente grandes em relação ao medo do desenvolvimento dos “bebês-do-crack” – crianças geradas por mães usuárias de crack. Mas estes temores não foram confirmados na prática: Brust aponta que não é possível distinguir a exposição à cocaína na barriga da mãe de outros fatores.

"O medo manifestado pela mídia de que os "bebês-do-crack", com deficiências mentais, lotassem as escolas, se revelou exagerado, mas isso não significa que se deva excluir a possibilidade de haver ocorrência de efeitos comportamentais ou cognitivos sutis. É difícil determinar quais são os efeitos específicos, no útero, da cocaína (ou até mesmo de outras drogas) quando o contexto é de falta de cuidados pré-natais adequados, incompetência por parte dos pais e responsáveis, pobreza, e outras drogas, entre elas o álcool e o tabaco.”

Crack e AIDS

Uma vez que o dano causado pelo mercado de crack diminuiu e os efeitos da droga no corpo já são conhecidos e equivalentes àqueles decorrentes do uso de cocaína, outra ameaça à saúde pública vem à tona, quando se trata especificamente do consumo de crack: sua associação à disseminação do vírus HIV.

Um novo estudo publicado em outubro no Canadian Medical Association Journal (CMAJ) defende que “pessoas que fumam crack correm risco muito maior de contraírem o vírus HIV”. Além disso, o estudo propõe que “kits de uso seguro” de crack sejam distribuídos e quartos de inalação sejam adotados para minimizar a transmissão, apontando tanto inflamações na boca quanto o uso de charutos de crack como possíveis meios de transmissão do vírus.

Embora os críticos não estejam convencidos do vínculo entre uso de cachimbos de crack e a transmissão da doença, eles de fato se mostram preocupados com a associação entre o consumo de crack e o vírus HIV em virtude, isso sim, de comportamentos sexuais de alto risco, como, por exemplo,  a troca do sexo por pedras de crack mundo afora.




Leia Mais:

"Up In Smoke" (em inglês) by Dubner and Levitt, the New York Times.

Comunidade Segura. 19/11/2009.

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