sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Artigo: A validade da citação ficta no âmbito do juizado especial criminal

O art. 5.º, LV, da CF, consagrou o princípio do contraditório, o que implica na necessidade de se dar a conhecer a existência da ação de todos os atos do processo às partes, oferecendo, por outro lado, a possibilidade destas reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis, fundamentando a comunicação dos atos processuais, o que ocorre por meio da citação, intimação e da notificação.
Mas, sem dúvida, a citação é o ato de comunicação processual mais relevante, eis que é o momento em que o réu, formalmente, é cientificado do procedimento persecutório penal, sendo chamado a juízo para oferecer sua defesa, complementando assim, a relação jurídica processual. Este verdadeiro instrumento processual está a serviço da eficácia plena dos direitos fundamentais, não se podendo conceber qualquer diminuição das possibilidades dos acusados em geral de reagirem à acusação, resistindo à pretensão do acusador.
É neste sentido que ganha expressão o destaque de Aury Lopes Jr., citando Paulo Rangel, ao concordar que a citação “é direito e garantia fundamental do indivíduo, conforme consagrado na Constituição Federal e inerente ao postulado do devido processo legal (cf. art. 5.º, LIV c/c LV), pois não poderá haver processo judicial válido, privando o indivíduo da sua liberdade de locomoção, sem que se lhe dê o direito de defesa e de contraditar a acusação”(1).
Desse modo, qualquer violação à forma prescrita na legislação pátria para a citação, acarreta a invalidade processual por força do art. 564, III, e, do CPP.
Neste contexto, deve ser observado, no âmbito do Juizado Especial Criminal, a hipótese de citação ficta, realizada por edital, após esgotadas todas as possibilidades de encontrar o réu para a realização da citação real (pessoal).
Em que pese o Código de Processo Penal pátrio que determina, na forma do art. 361, a citação por edital, com o cumprimento de todas as exigências formais inerentes a esta espécie de citação ficta, a Lei 9.099/95, por força dos arts. 62 e 65, § 1º, mitigou a formalidade processual, nos crimes da competência do Juizado Especial, consagrando que os princípios da informalidade e da celeridade devem ser observados sempre que possível na execução dos atos processuais.
Todavia, “a efetividade dos diversos atos de comunicação processual representa condição indispensável ao pleno exercício dos direitos e faculdades conferidos às partes; sua falta ou imperfeição implica sempre prejuízo ao contraditório, comprometendo toda a atividade subseqüente”(2).
No que tange ao ato citatório, assevera Ada Pellegrini Grinover, que a citação é ato essencial (sem o qual estariam vulneradas as garantias do devido processo legal), do qual prescinde registro, não abarcados pelo princípio de informalidade e oralidade(3).
O cerne da questão é o paradoxo que surge entre a permissão da informalidade processual, no âmbito do Juizado, e as regras formais exigidas para a citação válida no juízo comum.
Neste sentido é que a previsão do parágrafo único, do art. 66(4), da Lei 9.099/95, dirime qualquer dúvida, ao prever, no caso de frustradas as diligências para citação do acusado, que sejam encaminhadas as peças ao juízo comum para que seja feita citação por edital, deslocando a competência para este, não permitindo, no que tange ao ato citatório, qualquer mitigação das garantias dos acusados em geral, quanto a ser cientificado da acusação (mesmo reconhecendo a ficção inerente à citação por edital), de que possui contra si um procedimento persecutório penal, em favor da menor exigência, admitida pela Lei 9.099/95 (informalidade, oralidade e celeridade).
Mesmo a modificação do art. 362 do CPP, introduzida pela Lei 11.719/2008, admitindo a citação por hora certa, o que implicou na transmissão de uma categoria do processo civil para o processo penal, minimiza a exigência da remessa das peças para o juízo comum para proceder à citação por edital.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “a não localização do acusado para ser citado opera declinatoria fori; embora a competência ratione materiae fosse do Juizado Especial, a não localização do acusado para o ato citatório tem o condão de alterar a competência, transferindo-a para o ‘juízo comum’”(5).
Na verdade, não há no âmbito do Juizado Especial a mínima possibilidade, sequer, de realizar a citação ficta (editalícia), exigência que não pode ser suprida – no âmbito do Juizado Especial – pela citação por hora certa. Desse modo, em caso de impossibilidade da citação pessoal as peças processuais devem ser remetidas para a Justiça comum na qual terá o seu trâmite normal, pois o art. 18, § 2.º, da Lei 9.099/95, veda a citação por edital no âmbito do Juizado Especial Criminal, já existindo inclusive precedentes neste sentido(6).
Portanto, nos casos em que não se respeite à expressa determinação legal, impondo a remessa das peças processuais para o juízo comum, ou mesmo admitindo a presunção da citação, ou qualquer outra hipótese que não aquela pessoal, ficarão comprometidos todos os atos processuais posteriores, inviabilizando o prosseguimento do processo.
Importa destacar que, mesmo ante aos princípios recepcionados pela Lei 9.099/95, a citação ficta deve ser a última hipótese que o juiz deverá lançar mão, esgotando todos os meios disponíveis para a realização da citação pessoal, e é justamente por esse fato, reconhecendo que a estrutura do Juizado Especial não é a mesma da Justiça comum que, na impossibilidade da citação pessoal, a competência é deslocada, visando cumprir as exigências legais do contraditório e da ampla defesa, que não podem ser mitigados em qualquer hipótese(7).

NOTAS

(1) Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Vol. II, Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2009, p. 8.
(2) GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6. ed. rev., ampl. e atual., 4.ª tir. São Paulo: RT, 2000, p. 100.
(3) GRINOVER, Ada Pellegrini [et al.]. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p. 94.
(4) “Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei”.
(5) BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais federais: análise comparativa das Leis 9.099/95 e 10.259/2001. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 82.
(6) Recurso Crime n. 71000914226, Turma Recursal Criminal do Estado do Rio Grande do Sul, relatora: Ângela Maria Silveira, Julgado em 06/11/2006; TAMG – 2.ª Câm. Crim. – AP 0341832-4 – rel. Alexandre Victor de Carvalho – j. 04.12.2001.
(7) “A ausência de qualquer declaração do oficial de Justiça quanto à entrega da contrafé não faz presumir que a tenha oferecido ao acusado. Muito ao contrário, a falta de menção explícita a essa formalidade essencial faz presumir que não tenha sido entregue àquele. A citação é um dos atos mais importantes do processo, porque através dela se inaugura apropria ação. Não pode, pois, haver a mais leve dúvida quanto à sua efetiva realização. Se incerteza há, a respeito, nulifica-se o feito, porque postergado o princípio básico do direito de defesa”. Apud, MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 10. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 883.


Walter Barbosa Bittar, Professor de Direito Penal e Criminologia da PUC/PR. Mestre em Direito e pós-graduado em processo penal (PUC/PR). Advogado criminalista.

Boletim IBCCRIM nº 204 - Novembro / 2009
 

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