terça-feira, 6 de outubro de 2009

Braços da Justiça se unem por um Judiciário melhor

A Reforma do Judiciário, aprovada em 2004, parecia uma iniciativa inócua e seu fruto mais detestado era o Conselho Nacional de Justiça, o temido controle externo do Judiciário. Cinco anos depois, o CNJ está à frente do processo que tornou efetiva uma reforma do Judiciário muito mais abrangente do que a prevista na Emenda Constitucional 45/04. O movimento já tem a adesão do Conselho Nacional do Ministério Público, Defensoria Pública e de tribunais.
Esta semana, CNJ e CNMP firmaram uma parceria para dar mais gás aos já populares mutirões carcerários. Mais de 10 mil presos já foram beneficiados com a revisão dos seus processos e consequente concessão de benefícios a que tinham direito. “O CNJ é como uma locomotiva que vai puxando vagões. O CNJ nos estimula, nos obriga a dar resposta semelhante”, disse à Consultor Jurídico o conselheiro do CNMP, Bruno Dantas.
A Defensoria Pública também está mobilizada na campanha para tornar o Judiciário distribuidor de justiça. “Os mutirões carcerário surgiram de uma maneira muito positiva. As prisões são um caos e é preciso despertar a atenção de todos. O mutirão é importante para apontar a necessidade do fortalecimento da Defensoria, dentro de uma política permanente para resolver o problema dos presídios”, diz o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, André Castro.
Os órgãos que fazem parte do sistema de Justiça no país também estão caminhando — muitas vezes, a passos largos — para a transparência. Hoje, já é possível avaliar a produção de grande parte dos tribunais do país. O Justiça em Números, iniciativa do CNJ, há cinco anos procura mostrar, com números, onde estão os problemas e soluções da Justiça no país. De foram fica um ou outro tribunal avesso à ideia de abrir a sua caixa preta.
Há pouco tempo, o Conselho do MP também tentou fazer o mesmo. Aqui, o caminhar é mais lento. Os MPs ainda têm bastante resistência em prestar contas do seu serviço. Ainda assim, o CNMP insiste. Esta semana, decidiu que, se os MPs não informam como está o controle que fazem nos presídios, o próprio Conselho vai até cada estado fazer a inspeção necessária. “O CNMP teve dificuldades estruturais, principalmente no começo. Mas como o CNJ faz um trabalho formidável, é natural que os meios jurídicos cobrem da gente algo parecido”, afirma Bruno Dantas. “Ainda sofremos, pontualmente, algumas resistências. Mas, de forma geral, o MP reconhece que o Conselho Nacional é um fiscal e um instrumento importante para o aperfeiçoamento.”
O CNJ está liderando outro importante movimento: a padronização da Justiça no país. Só neste ano, foram tomadas medidas importantes como a definição de um padrão de numeração de processos no país e o estabelecimento de parâmetros para a informatização, que vai permitir que os tribunais, finalmente, possam se comunicar por meio eletrônico. “Mudou tudo, absolutamente tudo. O controle que era feito, se é que existia, era muito precário. Não havia uma padronização e um planejamento de forma integral”, elogia o conselheiro do CNJ Marcelo Nobre.
Via de mão dupla
Como era esperado, a movimentação do Judiciário ainda encontra barreiras e, vez ou outra, dá os seus tropeços. O CNJ, por exemplo, figura como parte em 519 processos no Supremo Tribunal Federal. Em pelo menos dois casos, o STF reverteu liminarmente atos do CNJ que não se atentaram ao amplo direito de defesa. Nos pedidos de Mandado de Segurança 27.571 e 27.981, servidores afastados pelo CNJ conseguiram de volta o cargo porque a decisão do órgão foi publicada por meio de edital.
No pedido de Mandando de Segurança 28.215, a Associação dos Magistrados Brasileiros quer dissolver uma resolução do CNJ que obriga os juízes a se justificarem a respeito dos casos de impedimento e suspeição. Para o presidente da AMB, Mozart Valadares, a resolução é um abuso. “A violação do foro íntimo pode trazer um constrangimento para o juiz, mas principalmente para a parte envolvida. O CNJ só tem competência administrativa e não pode modificar a lei”, diz.
A Meta 2, que tem como objetivo que os tribunais julguem até o final do ano todos os processos ajuizados até 2005, encontra os mais animados elogios e esforços e também os mais fervorosos críticos. No balanço geral, o resultado é bom. A maioria dos tribunais está se movimentando para zerar o estoque parado desde antes de 2005. Por outro lado, juízes têm reclamado da falta de estrutura para cumprir a meta e dos efeitos que isso poderá ter. Os processos novos vão ficar parados, afirmam. O presidente da AMB reforça o argumento da falta de estrutura. “Ninguém pode ser contra uma meta que tem como objetivo melhorar a prestação jurisdicional, mas é preciso saber se as condições de trabalho dos juízes permitem o cumprimento dessa meta. A grande maioria dos juízes não tem essa estrutura. Todos os magistrados estão imbuídos, mas nem todos conseguirão.”
No próprio STF, houve desconforto. O ministro Marco Aurélio reclamou da divulgação do desempenho do STF na página do CNJ. Para ele, isso pode representar uma submissão da suprema corte ao Conselho. “Reafirmo que o CNJ está surgindo como um super órgão. Um órgão que estaria numa concepção acima da própria Constituição e do Supremo. Essa corte jamais se submeterá a diabruras deste ou daquele órgão”, bradou. E disse mais: “Nós vivenciamos um quadro de perda de parâmetros. Parece vingar, em verdadeiro atropelo, um pragmatismo. Deparei-me com algo inimaginável, ao cogitar-se meta de julgamento, como se fosse algo tarifado”.
Para o conselheiro do CNJ Jorge Hélio, as críticas são normais. “O Judiciário é outro depois do CNJ. Isso é incontestável. Os tribunais estão sendo empurrados a fazer uma autoanálise. É normal que todas as inovações provoquem choques.”
Novo mercado
Os advogados não estão alheios à mudança que está acontecendo na Justiça do país. Os Conselhos — tanto da Justiça como do MP — já se mostram como um mercado promissor, onde escritórios de advocacia já apostam suas fichas. O escritório Barbosa, Müssnich & Aragão já enxergou a oportunidade. No escritório, o advogado André Macedo é o responsável pelo CNJ. “O mercado de Brasília ainda não descobriu o papel do CNJ. É um órgão novo e as soluções administrativas serão cada vez mais frequentes”, diz. Macedo cita uma lista enorme de discussões importantes para os advogados. “O controle administrativo do CNJ envolve empresas com licitações, sindicatos, entidades de classe, cartórios e concurseiros. E em todos esses casos os advogados podem atuar.”
Em toda sessão, com ou sem cliente, o escritório Barbosa, Müssnich & Aragão escala a estagiária Andréia D’Alessandro para acompanhar os trabalhos e produzir relatórios. “Mesmo quando não há nenhum processo interessante previsto na pauta, sempre surgem casos que valem para clientes em potencial”, diz Andréia. Mensalmente, o escritório produz um boletim exclusivo sobre o CNJ, com análises e resumos.
O advogado gaúcho Jeverton Lima estreou no CNJ na semana passada, defendendo o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário (Sindjus) do Rio Grande do Sul. O advogado reconhece o CNJ como uma nova frente de trabalho na Justiça. “O CNJ está preenchendo uma lacuna administrativa. Havia um deserto jurídico.”

Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2009

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog