quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Artigo: Súmula: a multa alternativa e a transação penal

Os crimes que têm cominada pena de multa alternativa também devem ser considerados de menor potencial ofensivo e, portanto, passíveis de transação penal” (artigo 76, caput, da Lei n° 9.099/95).
Justificativa
Com o advento da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, foi inaugurada uma nova fase do Direito Penal pátrio com a criação da figura de crimes de menor potencial ofensivo, atendendo, assim, aos anseios da sociedade, que clamava pelo fim dos encarceramentos por curto período de tempo, sabidamente nefastos, em prol de soluções não estigmatizantes para as lides criminais de pequena importância.
Destaca-se que uma das mais relevantes inovações trazidas por este novel sistema foi a transação penal, a qual consiste, nas palavras de Damásio Evangelista de Jesus, em “ato jurídico que extingue obrigações através de concessões recíprocas das partes interessadas (Aurélio). Não se trata de um negócio entre o Ministério Público e a defesa: cuida-se de um instituto que permite ao juiz, de imediato, aplicar uma pena alternativa ao autuado, justa para acusação e defesa, encerrando o procedimento” (1).
Inicialmente, consoante a original redação do artigo 61 de tal Estatuto, eram considerados delitos passíveis de tal benefício aqueles que tinham pena máxima não superior a um ano, salvo nos casos em que existisse procedimento especial.
No entanto, com a promulgação da Lei n° 10.259/01, que criou os Juizados Especiais no âmbito federal, estabeleceu-se, após grande celeuma doutrinária e jurisprudencial, novo marco para a aplicação do rito penal sumaríssimo, com sua extensão aos crimes com pena máxima cominada não superior a dois anos, cumulado ou não com multa.
Naquela época, era discutido se a mencionada modificação valia apenas para os delitos de competência daquela Justiça Especializada ou, caso contrário, se era aplicável indiscriminadamente a todos os crimes.
Esta última orientação, salienta-se, foi a que se consolidou, pois não poderiam as regras sobre competência material impor tratamento mais benéfico a alguns agentes em detrimento de outros, mesmo tendo eles praticado delitos semelhantes; exemplo disso seria o crime de desacato (artigo 331 do Código Penal): caso fosse praticado contra funcionário público federal seria passível de transação penal, enquanto que, sendo o desacatado servidor público estadual ou municipal, o delinquente não poderia usufruir da transação penal.
A Lei nº 11.313/06 pôs fim a qualquer discussão que porventura ainda existisse sobre esse tema, alterando a redação do artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais, consoante aquele entendimento que se havia firmado.
Entretanto, existem alguns tipos penais que, apesar de terem em seu preceito secundário pena máxima cominada superior ao limite estabelecido no aludido dispositivo, também devem ser considerados de menor potencial ofensivo e, portanto, passíveis de transação penal, desde que, obviamente, estejam presentes os demais requisitos legais (artigo 76, § 3º, da Lei n.º 9.099/1995).
Trata-se das infrações que têm antevista a multa como sanção alternativa, ou seja, pode o julgador fixá-la isoladamente, não porque o quantum de prisão imposto é irrisório (artigo 60, § 2º, do Código Penal), mas devido à própria cominação legal. Podem-se citar, como grandes exemplos dessas infrações, o furto privilegiado (artigo 155, § 2º), a apropriação indébita privilegiada (artigo 170) e o estelionato privilegiado (artigo 177, § 1º).
Frise-se: é notório que a quantidade e a modalidade de pena antevista no tipo estão intrinsecamente ligados ao grau de reprovação atribuído à correspondente conduta, sendo que, quanto maior for este, terá mais intensidade e gravidade a reprimenda estipulada.
Por ser assim, entendeu-se que, como consequência da prática daquelas condutas, o infrator poderia ficar somente à mercê de uma reprimenda exclusivamente patrimonial, a qual obviamente é mais branda que qualquer castigo corporal.
Aliás, isto “é o que se tira do art. 32 do Código Penal, onde as penas privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa são capituladas na ordem decrescente de gravidade” (2).
Pois bem, como se estabeleceu para estes crimes a possibilidade da aplicação isolada da multa, significa dizer que lhes foi atribuído um desvalor muito menor do que aquele conferido aos tipos penais em que existe a cominação exclusiva de privação da liberdade, não importando a respectiva duração; afinal, a pena pecuniária, como destacado alhures, é muito mais branda que qualquer outra sanção penal.
Com base nesta premissa, é evidente que os delitos, com multa prevista como sanção alternativa, também deverão ser considerados de menor potencial ofensivo, porque são claramente “menos graves” do que aqueles que têm apenas o encarceramento estipulado como sanção aplicável.
Ademais, destaca-se, um dos requisitos para que o autor do fato faça jus à transação penal é “não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida” (artigo 76, § 2º, inciso III, da Lei n° 9.099/95); em outras palavras, as circunstâncias previstas no caput do artigo 59 do Código Penal terão que ser favoráveis a ele. Da mesma maneira, para que o delinquente que cometa delitos em que a multa seja prevista como sanção alternativa receba tal reprimenda, também terão que estar presentes todas aquelas circunstâncias favoráveis.
Por ser assim, é inquestionável que a interpretação proposta é a que melhor se afeiçoa aos princípios da equi­dade, da razoabilidade e, até mesmo, da proporcionalidade, todos preconizados na Constituição Federal, porque estende o alcance da transação penal aos infratores que, mesmo tendo praticado crimes com menor grau de reprovação, viam-se privados de tal benefício, evitando, assim, a aplicação de um tratamento obviamente contraditório e desigual entre estas pessoas.
Tal afirmação, ressalta-se, é ainda mais inquestionável se for observada a hipótese do crime de frustração de direitos assegurados por lei trabalhista (artigo 203, caput, do Código Penal), cujo agente, em princípio, terá direito à transação penal, tendo em vista que para este delito é cominada sanção de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção e multa. Porém, caso ele não cumpra os requisitos para gozar de tal benevolência, ou não a aceite, além de também não poder ou não querer usufruir da suspensão condicional do processo (artigo 89, caput, da Lei n° 9.099/95), se condenado, ficará sujeito, na melhor das hipóteses, a uma pena de multa substitutiva (artigo 44, § 2º, primeira parte, da Lei Penal), além da multa já cominada no tipo (conforme o artigo 58, parágrafo único do mesmo Estatuto), ou seja, o agente ficará à mercê de duas sanções patrimoniais.
Por outro lado, o agente, que pratica a conduta prevista no artigo 155, § 2º, do Código Penal, e que, por isso, não pode beneficiar-se da transação penal; todavia, se receber a mais branda sanção possível para esse delito, ficaria sujeito apenas e tão-somente a uma multa.
Ora, com base nestas hipóteses, é ainda mais evidente o absurdo lógico de não se conceder a transação penal nos crimes com pena pecuniária fixada como sanção alternativa, pois, como se percebe, a estes crimes pode ser imposta punição mais branda do que a destinada aos crimes de menor potencial ofensivo.
E não só. Observe-se, também, que, segundo o § 4º do artigo 76 da Lei dos Juizados Especiais, caso o agente aceite a proposta do Ministério Público, ser-lhe-á aplicada imediatamente uma “pena restritiva de direitos ou multa”.
Sendo assim, ganha ainda mais força a tese acima levantada. Afinal, com base em tal dispositivo, o autor de crimes de menor potencial ofensivo, que aceite o aludido benefício, poderá sofrer uma reprimenda até de maior impacto do que a da sanção aplicável aos praticantes dos crimes sob análise.
Destarte, fica ainda mais evidente que as infrações, nas quais há cominação de multa alternativa, equivalem, em última análise, aos crimes de menor potencial ofensivo, podendo, pois, igualmente permitir transação penal.
* Trabalho apresentado no Concurso de Súmulas do 14º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM (2º lugar).
NOTAS
(1) DE JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos Juizados Especiais Anotada. 9ª edição. Editora Saraiva, 2004, página 66.
(2) Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n° 83.962-6-RJ, 2ª Turma, relator ministro Cezar Peluzo, votação unânime, julgado em 07 de agosto de 2007; em www.stf.gov.br, pesquisado em 15 de junho de 2008.

Matheus Silveira Pupo, Advogado.

PUPO, Matheus Silveira. Súmula: a multa alternativa e a transação penal. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 203, p. 10-11 , out., 2009.

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