domingo, 13 de setembro de 2009

Perguntaram disto e decidi colocar no coletivo..

Apelação Criminal n. 228, de Joinville. (5a Turma de Recursos SC)
Relator: Juiz Alexandre Morais da Rosa.

CONTRAVENÇÃO PENAL - PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO - RELATOR VENCIDO -ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS.
A conduta descrita na acusação baliza os limites do caso penal, cabendo a cada uma das partes o ônus da comprovação, em decorrência do processo acusatório. Inexistindo prova de que no dia e hora imputados houve violação da regra penal, a absolvição é medida de rigor.
O relator restou vencido por entender que o direito penal constitucional é mínimo e latido de cachorro é questão civil, direito de vizinhança, na âmbito do abuso de direito, dada a ausência de relevância penal (Ferrajoli), razão pela qual absolvia também por ausência de tipicidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 228, da Comarca de Joinville (JECr), onde figura como apelante JORGE DE SOUZA e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO:
ACORDAM, em Quinta Turma de Recursos, à unanimidade rejeitar preliminar suscitada pelo representante do Ministério Público. Por maioria, vencido o relator, conhecer e dar provimento ao recurso para absolver o denunciado diante da ausência de crime ou contravenção penal.
Sem custas.

I - RELATÓRIO:
Trato de denúncia ofertada pelo representante do Ministério Público em face de J S, em razão da perturbação do sossego causada pelo cachorro do denunciado.
Proposta suspensão condicional do processo pelo representante do Ministério Público, a qual não foi aceita.
Apraza audiência de instrução e julgamento, na qual foi recebida a denúncia, bem como foi colhido o depoimento das testemunhas da acusação, uma da defesa e realizado o interrogatório do acusado.
Alegações finais apresentada pelo Ministério Público, postulando pelo procedência da peça acusatória (fls. 39/40).
O denunciado apresentou alegações finais de fls. 44/45.
Sobreveio sentença julgando procedente a denúncia, condenando o autor do fato pela prática do descrito no art. 42, inciso IV da Lei de Contravenções Penais, a 15 (quinze) dias de prisão simples, a qual foi substituída por prestação pecuniária no valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais), convertido em cesta básica em favor da Casa Marta e Maria - Cadeia Pública (fls. 46/49).
Irresignado, a parte vencida interpôs recurso de apelação alegando, em suma, ausência de tipificação do tipo penal.
Contra-arrazoado, subiram os autos a esta Quinta Turma Recursal.
O representante do Ministério Público manifestou-se pela incompetência constitucional e legal desta Turma de Recursos.
É o breve relatório.
II - VOTO:
(...)
2) Fiquei vencido por ententer, no caso, que a questão é eminentemente civil. O vizinho, insatisfeito com o uso da propriedade por parte de proprietário próximo, deve, nos termos do art. 1.277 do Código Civil, promover a ação respectiva para restringir os abusos do vizinho, naquilo que Atienza e Manero denominam como ilícitos atípicos (ATIENZA, Manoel; MANERO, Juan Ruiz. Ilícitos atípicos. Madrid: Trotta, 2000, págs. 32-66). Isto porque, o Direito Penal, em uma sociedade democrática, deve ser a exceção, de caráter fragmentário (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Trad. Ana Paula Zomer, et. ali. São Paulo: RT, 2000). O que de fato acontece, na espécie, é que se busca resolver penalmente questões que são da esfera civil. Decerto por ausência de acesso à Justiça (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Rumo à praia dos juizados especiais criminais: sem garantias, nem pudor. In: WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo de. Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, págs. 57-73). Todavia, o direito penal não pode ser usado com tal finalidade. Partindo-se do Direito Penal como última ratio (princípios da lesividade, necessidade e materialidade), a regulamentação de condutas deve se ater à realização dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito, construindo-se, dessa forma, um modelo minimalista de atuação estatal que promova, de um lado, a realização destes Princípios e, de outro, impeça suas violações, como de fato ocorre com a explosão legislativa penal contemporânea (Chourk), quer pelas motivações de manutenção do status quo, como pela 'Esquerda Punitiva' (KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 1, págs. 79-92, 1996). Por isto votei no sentido de absolver o acusado, declarando a inexistência da contravenção em face da Constituição da República.
3) No mérito, a acusação é certa: "na data de 06 de setembro de 2002, por volta das 23 horas, na Rua Independência, o mesmo não procurou impedir o barulho (latido) produizo pelo cachorro de sua propriedade." (fl. 02). Nos autos da Apelação Criminal n. 196, de Joinville, que fui relator, constou da ementa: "O processo penal possui a função de acertamento do 'caso penal', consoante assevera Miranda Coutinho: Cometido o crime, a sanção só será executada a partir da decisão jurisdicional, presa a um pressuposto: a reconstituição de um fato pretérito, o crime, na medida de uma verdade processualmente válida. Essa verdade processual (deflacionada, Rorty) será construída nos limites da acusação em face do "Princípio da Congruência". Sustenta Binder que: Se debe tener en cuenta que detrás de este principio de 'congruencia' no se halla nínguna cuestión de simetría sino la preservación del derecho de defensa: el imputado debe saber de qué y sobre qué há de defenderse. Garante a certeza acerca do 'caso penal', evitando surpresas anti-democráticas, dado que o Juiz fica vinculado aos termos e limites da acusação. É verdade que poderá ocorrer a ampliação da acusação, todavia, sempre a cargo do órgão com competência para tanto - acusador -, descabendo ao Juiz esta função, dado que o Sistema Processual Brasileiro é eminentemente acusatório. Em síntese, a acusação preliminar fixa os limites inquebrantáveis da acusação, descabendo a condenação por conduta não descrita na exordial acusatória."

4) A prova testemunhal colhida, na fase da inferência indutiva, ou seja, os depoimentos de L (fl. 32), Mi (fl. 35) e das pretensas vítimas, (fl. 33) (fl. 34), em nenhum momento se referem especificamente ao dia imputado na denúncia. Logo, se a prova produzida impede a inferência indutiva dos fatos. Resta a absolvição.
III - DECISÃO:
À unanimidade rejeitar preliminar suscitada pelo representante do Ministério Público. Por maioria, vencido o relator, conhecer e dar provimento ao recurso para absolver o denunciado diante da ausência de crime ou contravenção penal. Sem custas.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Juiz Otávio José Minatto.
Joinville, 29 de junho de 2005.
ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA
Presidente c/ voto
ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Relator

Fonte: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/

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