terça-feira, 15 de setembro de 2009

Artigo: Direito-dever de voto do cidadão eleitor preso

A base para a efetivação do Estado Democrático de Direito em prol de uma sociedade livre, justa e solidária que respeite à dignidade da pessoa humana (arts. 1.º e 3.º, inc.I CF/88) é o exercício da soberania popular concretizada através do direito-dever político de alistamento e de elegibilidade (art. 14 e sgts CF/88), sem distinção de qualquer natureza (art. 5.º "caput" inc. I e II CF/88), para homens e mulheres, materializado por meio do sufrágio universal, direito dever de voto como contribuição individual de cada cidadãos para a organização do Estado.

Os instrumentos internacionais de Direitos Humanos garantem a todos os cidadãos o direito de expressar mediante eleições livres, por meio de voto secreto, sua opinião a respeito da gestão dos governos, municipais, estaduais e federal, bem como sobre a aplicação correta de verbas públicas ante o desejo maior por uma administração democrática, transparente e proba; assim assegura a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU/1948, art. 21.3); o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU/9166, art.25, letras "a", "b" e "c"); a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA/1969, art. 23.1 letras "a", "b" e "c", e 2.)

Estabelece a Carta Magna federal a obrigatoriedade do voto aos maiores de dezoito anos, e a faculdade aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos de idade (art. 14 parágrafo 1.º, i, ii, "c" CF).

Por sua vez, o artigo 15, inciso III do Diploma Maior, reza que é "vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III -condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos".

Trata-se de respeito ao princípio da presunção de inocência (art. 5.º, lvii CF/88), posto que somente com decisão condenatória irrecorrível se considera a culpabilidade; ademais, a todo os acusados em geral é assegurado o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5.º, lv CF/88).

Interpretando-se restritiva e literalmente os mandamentos constitucionais, é lícito argumentar de maneira tranquila e pacífica que o dispositivo (art. 15, III CF/88) não alcança os presos provisórios; portanto, deve ser garantido, obrigatoriamente, na prática o direito-dever de voto de todas as pessoas encarceradas (imputáveis, maiores de 18 anos de idade); bem como dos inimputáveis, maiores de 16 e menores de 18 anos de idade, ou seja, todos os jovens infratores que estiverem apreendidos, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que desejarem facultativamente exercer o direito-dever cívico de participar de eleição.

Assim sendo, os eleitores que vivem intra-muros, isto é, aqueles que estão recolhidos em cadeias públicas e presídios deste país, por força de flagrante delito, por prisão preventiva ou temporária, em razão de decretação de pronúncia e sentença condenatória recorrível, por não possuírem contra si condenação criminal firme, na época dos pleitos eleitorais possuem direito constitucional consagrado e fundamental, de votar, por ser cláusula pétrea.

Expressa, ainda, o artigo 38 do Código Penal (Lei n.º 7.209/84), "o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade...".

"Deve-se garantir aos presos a efetiva concretização dos direitos civis e políticos essenciais ao pleno exercício da cidadania, especificamente, o direito-dever de voto, em eleições livres e democráticas, para escolha dos representantes da administração pública municipal, estadual e federal, forma e sistema de governo".

A Justiça Eleitoral por meio dos Tribunais Regionais está obrigada a proporcionar as condições necessárias para o estrito cumprimento da norma vigente, "qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto", dos presos provisórios, configura crime de abuso de autoridade (Lei n.º 4.989/65, art. 3 "g").

Também caracteriza excesso ou desvio de execução da prisão provisória ou definitiva qualquer ato contrário às disposições constitucionais, à lei ou à decisão judicial (art. 185 LEP), devendo o Ministério Público suscitar o incidente, o interessado (preso) ou qualquer órgão de execução penal (art. 61 LEP); pois o direito de voto dos presos provisórios é líquido e certo (inc. Lxix, art. 5º CF/88). Com a interpretação prevalente das garantias fundamentais expressas na Carta Magna, têm-se o mandado de segurança (Lei n.º 12.016/2009 e PLS n.º 156/09, artigo 653 e segts. CPP), individual ou coletivo (por associação ou grupo de presos), para a devida, necessária e urgente instalação de urnas eleitorais no interior dos estabelecimentos penais, bem como para a permissão de saída, mediante escolta, e ainda o amparo do habeas corpus (inc. lxviii, art. 5.º CF/88), por abuso de poder ou de autoridade, ante o cerceamento do exercício político maior da cidadania. São vários os remédios e institutos jurídicos existentes na legislação nacional positiva para efetivar o direito de voto dos presos, assim resta concluir que na verdade falta evidente vontade política.
Por sua vez, o crime de abuso de autoridade, em que pese o quantum da sanção cominada, por ser categoria de delito contra os Direitos Humanos, não mais se encontra no rol de competência do Juizado Especial Criminal (Lei n.º 9.099/95), em face ao contido no § 5.º do artigo 109 EC 45/2004, visto que o texto supremo determina: "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" (art. 5.º, xli CF/88); e os Direitos Humanos são prevalentes, e qualquer violação configura crime de lesa democracia e de lesa cidadania.

Todavia, as autoridades poderão ser isentadas de responsabilidade administrativa, civil e penal com o cumprimento da lex fundamentalis.

Portanto, possuem os juízes das zonas eleitorais e varas criminais do País a obrigação de efetivar, e o Ministério Público exigir (ante a incumbência de tutela dos interesses indisponíveis individuais ou coletivos art. 127 CF/88) os meios adequados à instalação de urnas no interior dos estabelecimentos penais, ou para se conceder liberdade especial aos presos, com ou sem escolta, para que exercitem o direito-dever de voto, seja através de saídas temporárias, progressão de regime, do fechado para o semi-aberto ou aberto, livramento condicional antecipado ou concessão de indulto.

Hoje, autoridades públicas, instituições classistas e organizações não governamentais de Direitos Humanos, dentre elas a Associação de Juízes para a Democracia (AJD), dos Magistrados do Brasil (AMB), Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) e outras, estão se mobilizando em prol das pessoas que não desfrutam o ius libertatis, para possam exercitar livremente o direito de voto, em base as Resoluções 20.471/99, 20.997/02 e 21.804/04 do TSE, que condiciona o voto do preso à possibilidade de levar urnas aos locais de detenção.

O direito à cidadania eleitoral dos presos é garantido também pelo Código Penal Brasileiro (artigos 40 e 64), e pela Lei de Execução Penal nos seus princípios fundamentais de direito penitenciário.
Mas ressaltamos que desde o ano de 1986, na qualidade de Promotor de Justiça Substituto do Estado do Paraná, quando do recadastramento eleitoral, já nos preocupava esta questão humanitária, onde requeremos ao juízo eleitoral de Apucarana-PR para que fosse viabilizado aos presos provisórios recolhidos na cadeia pública daquela comarca, o que foi deferido e feito, sendo designado pessoal do serviço eleitoral para o recadastramento, de maneira inédita no País, onde o Professor René Ariel Dotti, na época membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, propôs voto de louvor, sendo encaminhada resolução por intermédio de seu presidente Prof. Evandro Lins e Silva, recomendando que todos os TREs Tribunais Regionais Eleitorais do Brasil, efetivassem a medida e o direito eleitoral dos presos, posto que dele não estão privado (conforme registro oficial em Ata no MJ).

Ainda, nas eleições de 1986, por nossa iniciativa, no município de Imbituva e Ivaí-PR, efetivamos o direito de voto dos presos provisórios, mediante escolta policial sob acompanhamento do Ministério Público (deste Promotor de Justiça, na época), onde foram conduzidos às suas respectivas zonas eleitorais, na jurisdição daquela comarca. Também trabalho inédito no Brasil.

Nesta oportunidade sobre o tema do direito de voto dos presos provisórios, apresentamos duas Propostas (encaminhadas ao Tribunal Superior Eleitoral) que reputamos de extrema e salutar importância, a saber:

1.ª Proposta: considerando o disposto no artigo 227 da Carta Magna cc. art. 4.º ECA, referente ao principio da absoluta prioridade, se faz necessário efetivar o amplo funcionamento e participação conjunta dos juízes e promotores de justiça da infância e juventude, nas eleições, em forma de plantão judicial-ministerial, visto que aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos de idade, faculta-se o exercício do direito de voto, e ao mesmo tempo, estes adolescentes, poderão, no período que antecede e no dia da eleição (em campanha política) praticar infrações penais, de acordo com código eleitoral e penal.

2.ª Proposta: através de emenda constitucional se revogaria o inciso III do artigo 15 CF/88, para efetivar, de uma vez por todas, de maneira ampla e irrestrita direito (facultativo e não dever) de voto das pessoas encarceradas, sejam presos provisórios ou definitivos; onde em todos os estabelecimentos penais poderiam ser instaladas, por lei ordinária e/ou via resolução do TSE "zonas eleitorais especiais", facilitando deste modo o controle e a dificuldade de fiscalização eleitoral, desburocratizando a questão do direito de voto dos presos em reconhecimento a dignidade da pessoa humana, em cumprimento a Constituição federal e a Lei nº 7.210/84 onde determina no artigo 1º que "a execução penal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, internado ou preso". E ainda, poder-se-ia, buscar outra alternativa legal, para esta questão, de não ser a cassação dos direitos políticos efeito automático, devendo ser declarada em sentença penal condenatória transitada em julgado restrita e taxativa apenas para alguns crimes (à definir).

Se a sociedade e as autoridades públicas exigem dos detentos responsabilidade para que cumpram com os deveres determinados na legislação carcerária positiva, por outro lado, aos presos, não se poderá negar um dos seus direitos fundamentais, o de votar livremente.

As Nações Unidas por intermédio do Instituto Latino-Americano para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Lanud), vem pleiteado aos governos dos Países membros a necessidade de tornar a vida reclusa mais idêntica possível a da comunidade livre, por isso, o respeito dos direitos dos presos, em especial, a participação nas eleições gerais, é fator primordial à humanização do cumprimento da pena de prisão, de modo que ela não produza outros sofrimentos além daqueles inerentes à perda da liberdade.

Rogamos pelo asseguramento do direito-dever de voto de todos os presos provisórios e dos menores infratores internados em centros sociais de reeducação, em nome do prestigio da justiça e Estado Democrático de Direito instituído pela República Federativa do Brasil.

Somente com o respeito ao direito constitucional de voto dos presos provisórios se assegurará e beneficiará cerca de 200 mil cidadãos-eleitores, ou mais, vez que a população prisional atual do Brasil oscila em torno de 500 mil presos, sendo que 50% a 60% se constitui de presos provisórios, números expressivos de eleitores e decisivo em qualquer eleição.

Artigo atualizado, publicado na Revista da Escola do Serviço Penitenciário do Rio Grande do Sul, Ano I - n.º 1, out./dez, 1989, Porto Alegre, órgão oficial da Secretaria de Justiça; Revista Penitenciarismo e Criminalidade do Centro de Pesquisas Criminológicas de Curitiba, 3.º trimestre, 1987.

Cândido Furtado Maia Neto é professor pesquisador e de pós-graduação (especialização e mestrado). Associado ao Conselho Nac. de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi). Pós doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (consultor internacional das Nações Unidas Missão Minugua 1995-96). candidomaia@uol.com.br www.direitoshumanos.pro.br

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 14/09/2009.


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