domingo, 23 de agosto de 2009

''Um jornal não pode ficar sob censura''

Walter Maierovitch, desembargador aposentado do TJ-SP; ele defende uma emenda constitucional que garanta via rápida para chegar ao STF e garantir direito à liberdade de expressão.

O jurista Walter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, defendeu uma emenda constitucional que garanta à imprensa sob censura uma via rápida para chegar ao Supremo Tribunal Federal - evitando agressões à cláusula pétrea, no caso o artigo 5º da Constituição, que assegura o direito à liberdade de expressão.

Maierovitch, de 62 anos, condena com veemência o fato de o País se preocupar com foro privilegiado para autoridades e políticos sob investigação perante os tribunais superiores, "ao passo que não dispõe de instrumento eficaz contra ofensas e violações à democracia, como a censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo".

"Como já ocorre em todos os países civilizados, o Brasil tem de adotar um mecanismo de proteção de cláusula pétrea, um meio célere e eficaz de se chegar ao Supremo Tribunal Federal, porque estamos tratando, nesse caso da censura ao Estado, de um sustentáculo da democracia que é a liberdade de imprensa", alerta o jurista.

Presidente do Instituto Giovanni Falcone e consultor internacional para questões de direito penal e combate à criminalidade organizada, Maierovitch exerceu a magistratura durante 30 anos. É com indignação, ele diz, que vê "um Brasil atrasado, de mentalidade cartorial".

Por que ainda se impõe censura à imprensa?

O Brasil mantém e convive com essa excrescência chamada foro privilegiado, um benefício para determinadas autoridades sob suspeita. É o caso de deputados e senadores que têm foro perante o STF em questões criminais. É curioso como a preocupação do Brasil diz respeito à pessoa. Cria-se o foro privilegiado para cargos, mas não há foro privilegiado quando ocorrem atentados a cláusulas pétreas da Constituição. Não existem mais pessoas acima de qualquer suspeita. Precisamos de um Estado atento. Essa a grande diferença do modelo europeu, em que uma violência contra a liberdade de expressão é imediatamente rechaçada.

Como os países avançados tratam a questão?

Na Itália, uma consequência da Operação Mãos Limpas foi a criação do Tribunal da Liberdade, que está em pleno funcionamento. Mas aqui, no Brasil, não existe uma solução de via rápida contra essa violência. É uma situação que reputo de extrema gravidade. Porque está em jogo a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito de todo cidadão brasileiro à informação. E não há um único remédio que possa ser aplicado diretamente ao Supremo. Esse é o grande problema. O Supremo é o guardião maior da Constituição, cabe à corte preservar a integridade de cláusulas pétreas. É inadmissível que não tenhamos um instrumento que garanta a via direta ao STF em episódios como esse que atinge o Estadão.

Vê saída?

Precisamos imediatamente de uma emenda à Constituição que crie ação judicial destinada a conter esse tipo de agressão a preceito relativo a direitos e garantias individuais. O artigo 5º é o pilar de sustentação do Estado democrático. A emenda não seria para qualquer coisa, mas para preservar o artigo 5º. Se acaba a liberdade de imprensa, acaba o Estado democrático.

Acredita que o Legislativo adote iniciativa dessa natureza?

Devemos aproveitar essa oportunidade. Se o Congresso não se ergue contra a censura, a emenda pode partir constitucionalmente de várias instituições, a OAB, sindicatos. Com uma forte pressão popular sairia a emenda. Os parlamentares estão preocupados com o bolso, com a família e com o nepotismo. Com censura, não. O Brasil é um país difícil, atrasado, com mentalidade cartorial, onde o foro privilegiado existe, mas não para proteger cláusula pétrea. O Brasil criou o mandado de segurança, é uma construção nossa. Precisamos agora construir um mecanismo para ser empregado toda vez que houver violação ao artigo 5º da Constituição.

Na prática, como funcionaria?

Qualquer medida contra uma violência extraordinária como a censura seria apresentada diretamente ao STF, que é o tribunal constitucional. Todas as causas constitucionais chegam ao Supremo. Por que não se cria, por emenda, uma ação direta ao STF, sem outros caminhos, sem outras veredas tortuosas? Não precisaria mais ficar pulando etapas, percorrendo morosamente instâncias judiciais, o que agrava o dano. É exatamente isso que está ocorrendo com relação ao Estado a partir de uma decisão de alguém que está manifestamente impedido de apreciar a causa. A suspeição (do desembargador Dácio Vieira) é de clareza solar. Estamos tratando da democracia, do pilar do Estado de direito, do pilar de apoio ao sistema democrático, contra o qual não se pode criar empecilhos. Um jornal não pode ficar sob censura. Qualquer estudante de direito fica envergonhado. Tem foro privilegiado, mas não tem proteção contra censura a um veículo de comunicação.

Quem é Walter Maierovitch: Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de SP, Presidente do Instituto Giovanni Falcone, Consultor em direito penal e combate ao crime organizado.


Fonte: Estadão. Nacional. Domingo, 23 de Agosto de 2009.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog