terça-feira, 4 de agosto de 2009

Propostas para enfrentar a questão das drogas

Uma política de drogas baseada no respeito absoluto aos direitos humanos, articulada a partir de um enfoque de saúde pública e que privilegie a investigação científica e a prevenção à dependência de drogas é a proposta que formularam os presentes no Seminário Temático "Política de drogas: avanços e retrocessos", realizado no Rio de Janeiro pelo Viva Rio e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A proposta articulada pelos presentes no encontro através de uma oficina participativa será apresentada durante a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), que será realizada em Brasília em agosto. A Conseg será a primeira conferência que se realiza no Brasil em um esforço pela democratização das discussões sobre políticas relacionadas à segurança pública do país.

Compareceram ao seminário diversas pessoas diretamente envolvidas na investigação, desenho e execução de políticas de drogas. Entre elas, o secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, e o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério de Justiça, Pedro Abramovay, que ressaltaram a importância do encontro como uma maneia de participação da sociedade civil no desenho da política de drogas.

O ministro Vanucchi destacou o consenso que já existe entre o Ministério da Justiça, o Ministério abramovay_vanucchi_drogas.jpgda Saúde e a Secretaria de Direitos Humanos sobre a importância de abordar nacionalmente o tema como um assunto de saúde pública, dentro da estratégia de redução de danos. Mas o ministro advertiu que, para avançar no debate com outros setores, é preciso quebrar tabus mas com uma atitude sempre conciliadora.

"Pessoalmente, creio que o melhor é evitar estratégias de ruptura e tentar manter um diálogo amplo com todas as posturas... tudo tem que ser discutido sem posições rígidas, mas sem subestimar o conservadorismo que ainda persiste em setores da sociedade brasileira", reconheceu.

Os demais integrantes do Executivo que estiveram presentes durante o evento concordaram que a atual legislação sobre drogas é insuficiente e declararam seu compromisso em buscar soluções no curto prazo. "A nova lei de drogas' de 2006 representa alguns avanços, como o não encarceramento do usuário, mas ainda é incompleta e ambígua", afirmou Paulina Duarte, secretária-adjunta de Política sobre Drogas, que receberá o conjunto de princípios e diretrizes esboçados pelos participantes do seminário e os levará à Conseg.

Frente a frente

Por outro lado, os pesquisadores do tema e os ativistas que trabalharam lado a lado com as comunidades manifestaram sua enorme preocupação com a lentidão dos avanços e pediram ações concretas, especialmente no que concerne à violência desencadeada a partir da luta contra o tráfico de drogas.

"Todos os dias vem uma mãe chorar a morte do seu filho. Só venho fazer uma pergunta: a venda de drogas na banca de jornal da esquina acabaria coma morte dos jovens? A legislação vem evoluindo no Brasil, na prática, não. A cada dia aumenta o consumo de crack por menores cada vez mais jovens, a legalização resolveria? Até que ponto?", perguntou abertamente Margarida Pressburger, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

luciana_boiteux.jpgA advogada e professora da URFJ, Luciana Boiteux, destacou a disparidade existente entre a descriminalização do consumo e o endurecimento da penalização da venda de drogas, que estabeleceu a lei de 2006. Ainda que tenha destacado como avanço o fato de o consumo ter deixado de ser delito, considerou desproporcional que se estabeleçam penas de até cinco anos de prisão pela venda de pequenas quantidades. "A venda de drogas está catalogada como crime hediondo pela legislação brasileira, ou seja, como um crime pior que o furto", disse.

Boiteux, autora de uma pesquisa sobre as características das pessoas condenadas por tráfico de drogas, encomendada pelo Ministério da Justiça e que será lançada em breve, disse que 66,4% dos presos por tráfico de drogas não têm antecedentes criminais; 91,9% são capturados em flagrante; 60,8% atuam sozinhos, ou seja, independente de grupos criminosos; 14,1% portavam armas e 83,9% são homens.

Sua pesquisa assinalou ainda que 58% dos capturados por esse delito são sentenciados a penas de cinco anos e que em muitos casos a pena máxima se aplica mais por preconceito dos juízes que por motivos justificados.

"É necessário estudar quem são estes jovens. Não se está dando a eles a opção de uma pena alternativa ou uma via para que se reinsiram no mercado de trabalho. Ao contrário, eles saem da prisão com pós-graduação em criminalidade e totalmente estigmatizados", afirmou Boiteux.

Graziela Touze, representante da ONG argentina Intercambios, destacou a semelhança com o caso argentino, em que a maioria das pessoas presas por tráfico de drogas são homens jovens que não tinham nenhum antecedente criminal, autuados em vias públicas em posse de doses mínimas de drogas, desarmados e a quem é aplicada a lei de maneira mais severa.

Outros convidados internacionais falaram de medidas inovadoras que estão sendo implantadas em outros lugares. O jornalista norte-americano Glenn Greenwald expôs o caso da descriminalização do consumo de drogas que já completa oito anos em Portugal, com bons resultados tanto para a diminuição do número de consumidores, como para os índices de segurança.

O advogado peruano Ricardo Soberón apresentou várias iniciativas da região andina, entre elas, o indulto a cerca de três mil pequenos vendedores de droga que recuperaram a liberdade no Equador, como parte de uma política de perseguição aos grandes traficantes em vez de prender os responsáveis pela distribuição de pequenas quantidades.

Mãos à obra

oficina_drogas.jpgCom o objetivo de converter essas discussões em propostas concretas que possam alcançar uma órbita maior, a segunda parte do seminário foi uma oficina em que os participantes discutiram uma série de idéias para propor uma lista de princípios e diretrizes para apresentar à Conseg.
O primeiro princípio proposto é uma visão sistêmica da política de drogas: uma visão que aborde o fenômeno a partir de uma perspectiva interdisciplinar e que os setores de saúde, educação, justiça e polícia participem da sua implementação de maneira articulada.

Outro princípio destacado foi o respeito e a promoção aos direitos humanos. Todos os participantes concordaram que este enfoque deve ser destacado na política de drogas. A pesquisa científica é parte importante da proposta para retirar o debate do âmbito puramente especulativo e elevá-lo a um terreno mais informativo e racional.

Para os participantes da oficina, a prevenção deve ser peça fundamental da política de drogas, entendendo-se que "um mundo livre de drogas", segundo a premissa da ONU, é utópico e que, em seu lugar, deve haver uma eficiente mobilização de recursos e esforços para prevenir o abuso de substâncias estupefacentes.

Entre as diretrizes para implementar esses princípios, o grupo recomendou, entre outras, as seguintes: valorizar saberes locais na construção das políticas sobre drogas; capacitar e qualificar profissionais que trabalham com drogas; respeitar a diversidade cultural; promover um debate amplo na sociedade; desmilitarizar as ações e metodologias; ampliar as possibilidades de penas alternativas e de liberdade condicional, reduzindo as opções de prisão; ampliar as estratégias de redução de danos e criar organismos que fomentem a investigação do problema e a inserção social dos dependentes.

As propostas chegam em um momento propício a mudanças. Segundo explica Rubem Cesar Fernandes, diretor executivo do Viva Rio, o debate no nível internacional está aberto e prova disso foi a ruptura do consenso na Comissão de Drogas da ONU. "No nível regional", disse Fernandes, "estão sendo apresentadas várias mudanças segmentadas, tanto em temas como em regiões, que pouco a pouco irão se articulando. No Brasil, parte dessa articulação começa com o seminário e suas propostas para a Conseg", afirmou.


Comunidade Segura, 03/08/2009.

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