domingo, 22 de fevereiro de 2009

Entrevista - Rafael Estrela

Fechar presídio não resolve problemas penitenciários

Quando há um presídio com péssimas condições, não adianta mandar fechá-lo. Ao fazer isso, o juiz da Vara de Execuções Penais (VEP), que cuida dos processos quando os presos já estão cumprindo a pena imposta e é responsável pela fiscalização dos presídios, pode piorar a situação dos presidiários. Isso porque, no Brasil, não há presídio sobrando. Pelo contrário. Há falta de vagas. “É preciso ter um pouco de serenidade”, afirma o juiz da VEP do Rio de Janeiro, Rafael Estrela.

O juiz contou à revista Consultor Jurídico como é o trabalho de execução penal no estado do Rio. Ele explicou que o maior problema é em relação à concessão de benefícios a que os presos têm direito. Segundo o juiz, quando o preso cumpre toda a pena, o alvará de soltura é expedido quase que automaticamente. Já uma progressão de regime, do fechado para o semiaberto, por exemplo, depende de outros atores. “O benefício depende da equipe técnica da secretaria de administração penitenciária, de parecer do Ministério Público, visita periódica ao lar, entrevista com a família.”

A fiscalização dos presídios também está sob sua responsabilidade. Para o juiz, é preciso dar condições de trabalho aos presos. Embora não considere a situação dos presídios do Rio tão grave — dadas as condições, inclusive, orçamentárias —, Estrela considera importante a construção de mais dois no estado. Assim, com a redução do número de presos no mesmo lugar, o espaço nos presídios poderia ser melhor distribuído. Por exemplo, "destruir uma galeria e implantar uma oficina de arte".

Questionado se a VEP cede à pressão da mídia para que o juiz negue concessão de um benefício a algum preso, Estrela é incisivo: não. Ele explica que casos de grande repercussão já chamam mais a atenção do juiz pelas circunstâncias em que ocorreu o crime, mas isso não afeta a decisão sobre a concessão de benefício.

Rafael Estrela acredita que não é evitando as punições, com medo de que as pessoas se tornem piores nos presídios, que o problema da criminalidade será resolvido. “A oportunidade que a pessoa não teve antes do cárcere, não vai ter depois que sair dele.” O problema é social, considera.

O juiz está há um ano na Vara de Execução Penal do Rio. Antes disso, atuou na Vara Cível de Belford Roxo, na Baixada fluminense.

Leia a entrevista

ConJur — Uma pesquisa recente nos Estados Unidos revelou que lá, a cada 100 pessoas, uma está presa. Parece que o alto índice de encarceramento tem ajudado a diminuir a criminalidade. No Brasil, costuma-se dizer que a pessoa que bateu carteira vai para a prisão e, de lá, sai um traficante. O que o senhor acha disso?
Rafael Estrela — A resposta pode ser encontrada desde o dia em que a pessoa nasce. Eu, particularmente, acredito que uma grande solução para o país seria um controle sério de natalidade. Escuto pouquíssimas pessoas falarem disso. A partir do momento em que se tem um controle de natalidade, há mais opções de trabalho, de estudo, de saúde, uma melhor estrutura familiar. Nos setores mais carentes da sociedade, é onde ocorre a maior quantidade de crimes ou, pelo menos, as maiores condenações e punições. E são exatamente nesses setores em que há um considerável aumento da população. As dificuldades que essas pessoas carentes encontram as empurram para a criminalidade.

ConJur — Mas há pessoas que tiveram todas as oportunidades e, mesmo assim, foram para o mundo da criminalidade.
Rafael Estrela — Claro. Mas isso está longe de ser a regra. Antes de pensar em Direito Penal Máximo ou em Direito Penal Mínimo, é preciso fazer uma leitura da sociedade. O que o Estado está fazendo pelo seu povo desde a concepção? Infelizmente, nosso Estado, em sentido amplo, é omisso. Existe uma ordem jurídica que tem de ser obedecida. Nós todos vivemos em sociedade. A violação de uma norma tem sua conseqüência, sua punição. É um ônus social que todos nós carregamos. A meu ver, hoje, a Lei Penal é benéfica.

ConJur — Benéfica como?
Rafael Estrela — Se uma pessoa é condenada até quatro anos de prisão, pode substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Acho que quatro anos é uma quantidade alta de pena. Até dois anos, o caso vai para o Juizado Especial Criminal em que pode se aceitar uma transação penal para não se submeter a um processo. Ou seja, sequer vai ser condenado. Quando a pessoa cumpre uma pena, imagina-se que algo ela fez. Não é evitando ainda mais as punições, com receio de no cárcere a pessoa se tornar mais agressiva, que o problema será resolvido. A oportunidade que a pessoa não teve antes do cárcere, não vai ter depois que sair dele. O problema todo passa pela estrutura da sociedade. A questão da prisão ou não, para mim, é indiferente. Se a prisão é a escola do crime, a culpa é do Estado. Se o Estado não faz nada para melhorar, o Estado-juiz também não pode deixar de punir. O Estado-juiz cumpre o seu papel, previsto na Constituição.

ConJur — O juiz não tem culpa, então?
Rafael Estrela — Se o Estado não faz nada para impedir que a pessoa entre no mundo da criminalidade ou para ressocializar o preso, não é culpa do Estado-juiz. Hoje, para alguém ser condenado no Brasil é difícil. A Polícia já não investiga tanto. É difícil ter o investigador que observa o dia-a-dia do investigado, vai até a lata de lixo ver o que a pessoa jogou fora, faz um trabalho inteligente. Hoje, é tudo por interceptação telefônica. Quando se consegue levar alguém a julgamento, ou a pessoa foi presa em flagrante ou há testemunha, alguém que tenha visto. Se começar a não punir essas pessoas com medo do que elas possam se tornar depois que saírem do cárcere, ao invés de construir presídio, é melhor destruir os que já têm.

ConJur — Como o senhor avalia a decisão do STF que proibiu a execução provisória da pena?
Rafael Estrela — O Supremo sempre teve a orientação — e ao meu ver não está errada, porque se baseia na Constituição Federal — de garantir o princípio da presunção de inocência. Enquanto o processo não transita em julgado, a regra é que a pessoa é inocente e tem que ficar solta. Mas sempre há a possibilidade de o juiz, caso a caso, analisar pela manutenção da prisão desde que a decisão seja fundamentada. E isso também está na Constituição.

ConJur — A decisão do Supremo pode representar um impacto no número de presos?
Rafael Estrela — Se partirmos da premissa que o Supremo decidiu que aquele que responde ao processo tem de estar solto, não precisa nem mais de delegacia de polícia ou casa de custódia. O Supremo não quis dizer isso. Talvez, o Supremo tenha fortalecido a orientação da presunção de inocência. Uma vez, fiz um júri em que o preso era acusado de ter matado um homem a mando da viúva, interessada no seguro de vida. Os jurados o condenaram por sete a zero. Na aplicação da pena, estabeleci 17 anos de prisão. O acusado chegou solto ao julgamento. Eu mandei prendê-lo depois do resultado.

ConJur — Por quê?
Rafael Estrela — Não é lógico que uma pessoa saia solto de um júri, condenado a 17 anos de prisão por decisão unânime dos jurados, com provas robustas no processo. Ainda mais ao lado da família da vítima. É uma situação um pouco esdrúxula. Determinei a prisão preventiva e fundamentei com a possibilidade de fuga. Alguém condenado a 17 anos não vai ficar em casa aguardando o resultado do recurso para, confirmada a sentença, comparecer à delegacia e dizer que quer cumprir a pena. Soube, depois, que o tribunal confirmou a condenação.

ConJur — Hoje, são quase 190 mil presos provisórios no Brasil. Como o senhor vê esse número?
Rafael Estrela — Dados no Brasil é algo complicado. É difícil encontrar fontes seguras. O Rio de Janeiro tem, no total, cerca de 24 mil presos. Quatro ou cinco mil são presos provisórios. Se multiplicarmos este número pela quantidade de estados da federação, não chegamos à 190 mil presos provisórios.

ConJur — A informática permite contabilizar o número de presos?
Rafael Estrela — Pelo Tribunal de Justiça, não dá para saber porque não tem nenhum programa que me dê a quantidade de presos. Tem que pesquisar no sistema da Secretaria de Segurança Pública.

ConJur — Mas quem entra para cumprir pena em presídio, não passa a ter um processo na VEP?
Rafael Estrela — Sim. Mas a pessoa pode estar em livramento condicional, fugir, ter morrido. Esse número pode não ser confiável. A alimentação desses dados é complicada.

ConJur — Recentemente, o TJ do Rio assinou um acordo de cooperação técnica com o CNJ para virtualizar a Vara de Execução Penal. Como vai funcionar?
Rafael Estrela — O acordo visa trocar informações com relação à virtualização da VEP. O CNJ teve algumas ideias em cima do que tem sido feito em Sergipe, primeiro a adotar o modelo de VEP virtual. No Rio, vamos implementar o que for bom dessas ideias, mas o projeto ainda é um embrião. Estamos na dúvida em como será feito: se criaremos uma vara paralela ou apenas um núcleo, que seria um braço direito da VEP que já existe. Não tem como informatizar todos os processos.

ConJur — Por que não?
Rafael Estrela — A quantidade de processos na vara é imensa. Vai levar 20 anos para escanear tudo. A ideia é virtualizar os processos novos, ou seja, só aqueles que chegarem a partir de uma determinada data e cujo preso não seja reincidente. Se ele for reincidente, já existe o processo dele na vara. A princípio, tudo é ideia. Pode mudar.

ConJur — Como funciona a execução penal no Rio? Há quantas varas?
Rafael Estrela — A Vara de Execução Penal é uma só. Nós temos competência sobre todo o estado do Rio de Janeiro. A partir do momento em que o preso é condenado, tomba-se na VEP o que chamamos de carta de sentença. A partir daí, passamos a cuidar da execução da pena dele. Na vara, cuidamos apenas das penas privativas de liberdade e das restritivas de direito, quando a condenação vier da capital. No interior, a fiscalização do cumprimento da pena restritiva de direito é do juiz de lá. Caso haja descumprimento da pena restritiva de direito, o juiz tem de converter para pena privativa de liberdade e é a VEP que passará a controlar. Em alguns estados, há uma descentralização da Vara de Execução Penal.

ConJur — Sem a descentralização, o trabalho fica mais sobrecarregado?
Rafael Estrela — O trabalho fica um pouco sobrecarregado. Mas, a princípio, sou contra a descentralização da Vara de Execução Penal. O juiz da VEP tem contato direto com os diretores de presídios e uma boa relação com o secretário de administração penitenciária. É um canal único de comunicação. Se há a descentralização, com cinco ou seis juízes, esse canal se torna mais difícil. Além disso, a maioria dos presídios do Rio se concentra em Bangu. Não há presídio em Volta Redonda ou Angra dos Reis. Não se justifica criar outra Vara de Execução Penal como em outros estados. Em Minas Gerais, tem mais de uma. Mas, lá, há muitos presídios no interior. O presídio mais longe que temos no Rio é em Campos, com um total de 500 presos. Não justifica montar uma estrutura de uma VEP para atender essa quantidade de presos. A maior concentração de população carcerária é na capital.

ConJur — Uma estrutura maior para o que já existe ajudaria?
Rafael Estrela — Talvez a vara atenderia melhor se tivesse mais espaço físico e estrutura de cartório, computador e servidor. Ia melhorar muito. Hoje, somos quatro juízes. Mas, quando um entra de férias, não há reposição. Há a necessidade de aumentar o número de servidores. Mas, se aumentar significativamente o número de servidores, vai ter que aumentar o número de juízes. Do contrário, o processo chega para o juiz e para ali. A nova administração do tribunal já está olhando isso. Já vem sendo dada uma atenção maior à VEP.

ConJur — Uma única vara, ainda que com mais de um juiz, possibilita uma unificação do entendimento em relação, por exemplo, a benefícios?
Rafael Estrela — Sim. Facilita o entendimento jurídico. Suponhamos que um preso cumpra a mesma pena que outro. Eles têm os mesmos direitos. O mesmo entendimento adotado para um é adotado para o outro. Isso evita distorções. Imagina dois presos condenados pelo mesmo crime e com a mesma pena. Um está em Bangu e outro, em Campos. Suponhamos que o juiz em Campos entenda que esse preso precisa de 10 documentos para poder progredir de regime. Eu já entendo que precisa de apenas cinco. São distorções. A proximidade dos juízes, com apenas uma vara, facilita a adoção de entendimentos conjuntos. Nós estudamos essa questão do colegiado. Embora eu decida sozinho, os entendimentos sempre passam por uma análise de todos. Isso é muito importante.

ConJur — O juiz da VEP pode conceder um benefício sem a provocação do preso?
Rafael Estrela — Se o juiz analisou o processo de um preso, que já cumpriu a pena, basta expedir o alvará de soltura para que ele deixe a cadeia. O juiz não ficará aguardando que um advogado ou um defensor público postule a expedição de alvará de soltura para o término da pena. Tem o dever de soltar. Do contrário, é o próprio juiz que cometerá abuso de autoridade. Geralmente, o preso provoca o juiz para ter uma visita periódica ao lar, por exemplo. O mesmo ocorre com o trabalho extra-muro. Não sou eu que vou aos estabelecimentos empresariais perguntar quem quer empregar o preso. Mas com relação ao tempo de pena, o juiz pode conceder os benefícios de ofício.

ConJur — Como o juiz controla o término da pena?
Rafael Estrela — Há um relatório de controle de término de pena, que inclui RG, nome, data de nascimento, local onde está preso e término provável da pena. Com esse relatório periódico, o juiz pode separar os processos para expedir o alvará de soltura.

ConJur — Não há atraso em relação à soltura do preso?
Rafael Estrela — No Rio de Janeiro, pode haver atraso com relação à decisão que concede ao preso um benefício, como direito à progressão. Isso pode ocorrer pelo volume de processos que há. Mas é difícil um que já cumpriu a pena continuar preso. Quando a pena é cumprida, o juiz não depende de outros atores que participam da execução penal. Já o benefício depende da equipe técnica da Secretaria de Administração Penitenciária, de parecer do Ministério Público, visita periódica ao lar, entrevista com a família. O juiz, às vezes, não tem culpa. Nós agilizamos na medida do possível, mas dependemos também de outras pessoas que atuam no processo. Uma das finalidades do mutirão é, exatamente, apreciar de forma mais rápida o que teria uma demora maior diante do cumprimento da lei, da burocracia, de o processo ir de um lugar para outro.

ConJur — E como o senhor avalia os mutirões?
Rafael Estrela — Avalio de forma positiva. É claro que a existência do mutirão, por si só, já indica que algo não está bem. Ninguém vai pensar em mutirão se tudo estiver maravilhosamente bem. Os números do mutirão demonstram que há um atraso na entrega da prestação jurisdicional, mas esse atraso ainda é dentro do razoável diante das dificuldades, da quantidade de presos e da própria estrutura do processo de execução penal, ou seja, das fases que precisamos obedecer, personagens que temos de ouvir. O mutirão é para tentar dar agilidade ao processo, de modo que todos os envolvidos estejam no mesmo local e a decisão seja concedida em dois dias ao invés de duas, três semanas. Acho que é válido como forma paliativa, mas daqui a dez anos não dá para continuar a falar de mutirão. Se for eterno, é porque tem alguma coisa errada.

ConJur — Essas etapas para conceder benefícios não podem ser reduzidas?
Rafael Estrela — Tem que obedecer a lei. Às vezes, o promotor tem uma quantidade enorme de processos e apreciar um a um demora. Também atrasa porque o processo vai à secretaria, a assistente social chama o preso, depois chama a família, entrevista o preso, depois a família, faz um relatório, junta ao processo. Este vai à conclusão, o juiz manda para o Ministério Público. O processo segue ao MP, depois volta à conclusão, o juiz decide. Isso leva um tempo. Virtualizar a VEP é tentar reduzir um pouco esse período.

ConJur — De que maneira?
Rafael Estrela — O processo deixa de ir para lá e para cá. Quando eu recebo um “processo no meu computador”, imediatamente, meu cartório manda para o Ministério Público. Essa burocracia, aliada à quantidade de processos, atrasa o andamento. Só no prédio central, temos 40 varas criminais. Imagina o que não é despejado todos os dias na VEP. Se um juiz tem em média, por exemplo, 30, 40 sentenças por mês, 20 serão sentenças condenatórias. Só na VEP são 80 processos novos todo mês. Imagina o estado todo. Alguma coisa vai ter que melhorar, mas os números mostram que não está tudo parado.

ConJur — A estrutura da defensoria do Rio é boa?
Rafael Estrela — Sim. Isso é muito importante. Há defensores públicos em quase todos os presídios, senão em todos. Isso faz com que o preso não fique esquecido. Pode ter um que não teve defensor público nem dinheiro para ter advogado e está esquecido. Mas, no momento em que o defensor público vai semanalmente ao presídio, a situação do preso, pelo menos, vai ser analisada.

ConJur — A VEP também é responsável por fiscalizar os presídios. Como está a situação dos que ficam no Rio?
Rafael Estrela — Recentemente, recebi um e-mail com fotos de um presídio na Áustria, com presos jogando ping-pong. Não é isso. O Brasil não é a Áustria e os presos brasileiros não são os austríacos. A situação não é das melhores, mas dentro da nossa possibilidade financeira, é uma situação razoável. Nós, constantemente, fazemos inspeções. É elaborado um relatório, que relata se naquele presídio há medicamento, assistência médica, assistência jurídica pela Defensoria Pública, capacidade do presídio, quantos presos há nele. Quem diz a quantidade dos presos é o diretor do presídio. Eu não tenho como mandar contar 600 presos, mas analisamos se é um diretor atuante. Quando eu vou inspecionar, escuto muita reclamação de presos. É um pouco da cultura do sistema. Depois de um tempo, já dá para separar o que é mera reclamação do que é verdade.

ConJur — Esse contato do juiz com o preso é importante?
Rafael Estrela — Sim. É para saber o que acontece no dia-a-dia da unidade prisional. Muitas vezes, os presos estão mais preocupados com o processo do que com o dia-a-dia da unidade. Às vezes, digo que se eu for cuidar do processo de cada um no dia da inspeção, não faço mais nada. O que eu quero saber é como está a comida, a visita íntima, o banho de sol. Tenho escutado que seus direitos têm sido respeitados. Às vezes, há uma punição, um problema ou outro. Mas dentro do que se apresenta, também considero razoável. Claro que não é o ideal.

ConJur — O que seria o ideal?
Rafael Estrela — O ideal é que tivesse, em cada presídio, possibilidades de trabalho. Não tem. Por exemplo, Bangu 1, presídio de segurança máxima, não tem trabalho. Está errado. Tem que abrir uma oportunidade de trabalho mesmo que eles sejam presos ditos de alta periculosidade. Ao inspecionar um presídio, eu assino um relatório e encaminho a Corregedoria-Geral de Justiça para que possa acompanhar e enviar ao Conselho Nacional de Justiça. Tento passar o que eu enxerguei. Não tenho como adotar a postura de dizer que há direitos sendo desrespeitados e mandar fechar o presídio.

ConJur — Por que não?
Rafael Estrela — Por causa da conseqüência prática de uma decisão nesse sentido. Vou colocar o preso na rua ou superlotar o outro presídio? O complexo Frei Caneca, por exemplo, foi sendo desativado. Ficou um único prédio, que está muito ruim. É um presídio que nos preocupa. A solução que encontrei foi interditar o presídio de forma parcial. Foi interditado o primeiro andar para que obras fossem feitas. Depois de reformado, liberei e interditei a galeria B, que está em obras. Eles estão fazendo intervenções aos poucos. Removem os presos e reformam as galerias. É a medida encontrada para não soltar os presos, pois não é o caso, e também não prejudicar outros presídios que já estão no limite de sua capacidade. Não adianta o juiz chegar no presídio e mandar fechar. É preciso ter um pouco de serenidade.

ConJur — Faltam presídios no Rio?
Rafael Estrela — Seria interessante que se construíssem dois presídios. Poderia diminuir um pouco o efetivo e com essa redução, destruir uma galeria e implantar uma oficina de arte. Isso possibilita o trabalho, uma atividade externa, um campo de futebol, até para tirar um pouco a agressividade dos presos.

ConJur — A resolução 29 do CNJ manda entregar o atestado de pena a cumprir para o preso. Isso tem sido feito no Rio?
Rafael Estrela — Sim. Todo final de ano, enviamos um atestado de pena a cumprir onde há o tempo que o preso já cumpriu, o que ainda falta ser cumprido, as condenações que tem. A VEP entrega o atestado para os diretores do presídio, que repassam aos presos. Isso já ocorre há muito tempo. Houve uma resolução antiga do CNJ que determinava aos juízes inspecionar, mensal e pessoalmente, os presídios.

ConJur — Há essa inspeção no Rio?
Rafael Estrela — Não. O Rio tem cerca de 40 presídios. Se eu for em cada um, uma vez por mês, fazer a inspeção, não terei tempo para fazer outra coisa. Teria que ir a mais de um presídio por dia, trabalhando 30 dias no mês. Nós devolvemos para o CNJ e expusemos a condição no Rio. Se há estado com um ou dois presídio, é ótimo. O CNJ está elaborando uma nova recomendação, mas até agora não saiu nada.

ConJur — Os juízes da Vara de Execução Penal no Rio sofrem ameaças?
Rafael Estrela — O preso sabe que está no presídio porque foi condenado. O juiz não quer prejudicar a vida do preso, mas aplicar a lei. O preso sabe que se há alguém olhando para a situação dele de maneira imparcial é o juiz. O juiz é uma garantia. Às vezes, surgem algumas ameaças com relação ao juiz do processo que vai analisar se é culpado ou não, mas como uma forma de intimidá-lo a não condenar. Na Vara de Execução Penal, o preso já está condenado.

Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2009

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