sábado, 17 de janeiro de 2009

Juiz anula processo que demorou para ser julgado

A partir de quanto tempo a duração do processo deixa de ser razoável? Essa foi a questão levantada pelo juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto, da 2ª Vara Criminal de Nova Iguaçu (RJ), ao análisar processo contra um acusado de tráfico de drogas. O juiz considerou lamentável o fato de o processo tramitar por dois anos e meio só na primeira instância (o processo foi inicialmente distribuído à 5ª Vara, lá tramitou quase todo o tempo, e só no final veio redistribuído à 2ª Vara) e, neste tempo, não ter sido dada qualquer sentença. Durante os dois anos e meio, a ação voltou diversas vezes para que as partes pudessem fazer retificações.

Peixoto chamou a ação de injusta e inútil. Primeiro, por não apresentar provas concretas. Segundo, por não cumprir o princípio constitucional da razoável duração do processo. Para o juiz, é nulo o processo que ofende o princípio constitucional.

O acusado foi preso com 20 trouxas de cocaína. Disse que era para consumo próprio e que tinha essa quantidade consigo para não ter de sair com freqüência para comprar a droga. O Ministério Público o acusou de tráfico. A ação começou seu trâmite em março de 2006. Quando o réu já estava há seis meses e 25 dias preso, a prisão preventiva foi relaxada por excesso de prazo. Segundo o juiz, a decisão, contudo, não bastou para cumprir a razoável duração do processo.

Peixoto fez as contas de quanto tempo durou o processo — dois anos e meio, ou 910 dias, ou 30 meses (a decisão dele foi proferida em setembro do ano passado). Um dos motivos da demora, de acordo com o juiz, foi o fato de o acusado ter de comparecer 13 vezes ao fórum para acompanhar o depoimento das testemunhas e a burocracia que todo esse trâmite exige.

Para Peixoto, a Justiça seria rápida se a sentença saísse em três meses, contados a partir do recebimento de denúncia. Para ele, assim como processo é nulo por violar o princípio constitucional da duração razoável, a pena pretendida também é inútil pelos mais variados aspectos. Um deles é que o acusado, passados mais de dois anos desde pretensa prática do crime, não é mais a mesma pessoa que, em tese, cometeu o delito, “cujo mal em tese feito não mais passa do que uma mera reminiscência cartorária”.

“O estado já retribuiu ao acusado o mal que ele, em tese, perpetrou, submetendo-o a mais de seis meses de prisão cautelar cumprida em regime integralmente fechado, bem como à angústia e vergonha de se ver processado perante a Justiça Criminal ao longo de dois anos e seis meses”, afirmou o juiz.

Outra questão levantada por Marcos Augusto Peixoto é que, passado tanto tempo, o acusado já se redimiu moralmente pois não cometeu qualquer outro ilícito penal durante o período que respondeu o processo. “Pouca (ou nenhuma...) divulgação que teria uma sentença condenatória, somada ao tempo decorrido desde o pretenso fato criminoso, do qual poucos (ou ninguém... talvez somente nós mesmos, operadores de direito, que aqui estamos a trabalhar...) se lembram, desveste por completo a pena de seu caráter de prevenção geral ou intimidatório”, considerou Peixoto.

“Apenar o acusado em nada contribuiria para ressocializá-lo, pelo contrário: estaria a Justiça, em verdade, contribuindo para estigmatizá-lo, prejudicando suas condições e perspectivas de vida e de trabalho, levando-o a manter contato novamente com o mundo do crime, do qual se vê afastado (se é que nele se inseriu nalguma ocasião), ensejando perda de emprego, de contato familiar, de auto-estima, de esperança, da possibilidade de sobreviver condignamente sem ter de sequer pensar em cometer (de novo?) algum crime”, ressaltou Peixoto.

“Enfim, numa única palavra, mais abrangente, precisa e profunda do que todas aquelas que até aqui utilizamos: eventual sentença condenatória nestes autos seria, simplesmente, injusta. Repito: inútil a pena, inútil o processo que a persegue, e inútil o processo, ausente o interesse em agir”, concluiu. O juiz declarou o processo extinto sem análise do mérito.
Leia a decisão

Processo nº: 2006.038.004747-1

Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2009

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