sábado, 10 de janeiro de 2009

Combate às milícias ganha projeção nacional

A luta pela desarticulação das milícias que atuam em comunidades do Rio de Janeiro e outros lugares do Brasil estará muito mais bem embasada em 2009.

Em 16 de dezembro, foi aprovado por unanimidade, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias no Rio de Janeiro, apresentado pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL).

O trabalho, feito ao longo de cinco meses, contou com um serviço de disque-milícia, que recebeu mais de 1.300 denúncias de atuação desses grupos no Rio de Janeiro.

O relatório denuncia 225 pessoas por envolvimento com milícias. Eram 226, mas um destaque do deputado Dica (PMDB) conseguiu a retirada do nome do vereador Chiquinho Grandão (PTB), de Duque de Caxias. Entre os vereadores denunciados estão Nadinho (DEM), Jerominho (PMDB) e os eleitos Cristiano Girão (PMN) e Carminha Jerominho (PTdoB). Os novos parlamentares investigados tomaram posse, apesar de o relatório sugerir o impedimento.

Segundo Marcelo Freixo, a CPI das Milícias não listou ninguém sem evidências confiáveis. “Se alguma injustiça foi feita, foi a de não termos conseguido incluir mais nomes, em virtude do prazo curto”, disse.

Freixo explicou que, aprovado, o relatório deixa de ser da CPI e passa a ser do poder Legislativo, cabendo ao Ministério Público investigar e possivelmente oferecer denúncia aos 225 investigados.

Desmilitarização dos bombeiros e tipificação do crime de "curral eleitoral"

"O relatório traz um conjunto de propostas que tocam no coração das milícias e precisam ser desdobradas”, acrescentou Freixo. Ele cita a desmilitarização do corpo de bombeiros, a tipificação do crime de milícia e “curral eleitoral” e a criação uma câmara de enfrentamento ao crime organizado.

“Isso pode ser feito no âmbito federal e municipal”, enfatizou. Ele defendeu a criação de corregedorias e conselhos de ética em todos as casas do Legislativo municipal.

A proposta de desmilitarização dos bombeiros causou polêmica, mas passou. “Sou a favor da desmilitarização do Estado. É uma concepção do Estado. Esse não é um projeto que vai contra a imagem dos bombeiros, muito pelo contrário, valoriza o bombeiro como instrumento de defesa civil”, defendeu Freixo. De acordo com ele, como esta é uma proposta de emenda constitucional, deputados federais como Chico Alencar, Fernando Gabeira e Raul Jungman vão defendê-la em conjunto.

Presente à votação na Alerj, o delegado Vinicius George, secretário-geral do Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro, disse que a importância do relatório é deixar claro para a sociedade o grave risco que as milícias representam à democracia e à liberdade. “As milícias são um fenômeno político, policial e criminal ao mesmo tempo”, afirmou o delegado.

CPI: evidências confiáveis

As comissões parlamentares de inquérito (CPI) são temporárias e têm o prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 60, para concluir seus trabalhos. As CPIs são criadas para investigar fatos de interesse da população e têm poderes de investigação semelhantes aos das autoridades judiciais. Elas podem determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas e requisitar informações e documentos de órgãos e entidades públicas mas não substituem o papel da polícia.

"O papel da CPI não é fazer investigação policial. Pelo contrário, tem que ser um trabalho de parceria, para que o resultado seja favorável, positivo", disse Freixo.

Mobilização em Brasília

No dia seguinte da votação, Freixo foi à Brasília apresentar o relatório ao Congresso Nacional. Entregou o relatório ao presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia, ao presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Raul Jungmann, ao secretário Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Ricardo Balestreri, e ao secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi.

Ricardo Balestreri disse que pretende pedir a convocação da Polícia Federal para organizar operações para desmantelar as milícias. O governo federal também vai incluir no programa de proteção as pessoas ameaçadas pelas milícias.

O relatório pode gerar uma série de alterações na legislação federal da área de segurança pública. Para Raul Jungmann, a questão diz respeito a todos os brasileiros, pois em todo o lugar onde não há presença do Estado e da polícia, há ameaça de milícias. Um dos autores do projeto que tipifica o crime de formação de milícias, em tramitação no Senado, ele disse que há informações sobre a atuação de milícias, de formas variadas, no Espírito Santo, em Pernambuco, em São Paulo, no Paraná e no Mato Grosso.

'Um mal menor'

Em entrevista recente aos antropólogos Vanessa Cortes e Daniel de Pádua, do Viva Rio, Marcelo Freixo afirmou que dentro da crise de segurança pública que vive o Rio de Janeiro, o fator novo mais ameaçador é o crescimento dos grupos milicianos.

“As milícias têm aproximadamente oito anos de existência da maneira como estão organizadas hoje. O 'braço político' cresceu muito nos últimos anos, em função da conivência do poder público, tanto municipal, quanto estadual. Ou seja, são grupos de poder cada vez mais viável, cada vez mais forte”, afirmou.

Para ele, a estrutura de segurança pública “absurdamente precária” favoreceu muito a formação das milícias. Ele destacou os salários baixos dos policiais e a fragilidade das ouvidorias, corregedorias e da formação policial. Além disso, culpou os governos estaduais e municipais:

“O crescimento das milícias decorre da irresponsabilidade política de governos que olharam para a milícia como 'um mal menor' e como um instrumento de enfrentamento ao tráfico. Trataram milícia ou como auto-defesa comunitária ou como um grupo de justiceiros. Não é uma coisa nem outra.”

De acordo com Freixo, a política de segurança pública calcada na lógica da guerra - que o governador chama de enfrentamento – leva a uma polícia que mata e morre em índices inaceitáveis e tem uma condição de trabalho absolutamente aviltante. “Isso é um fomento para os grupos milicianos. Se não forem enfrentados agora, daqui a pouco eles não estão elegendo vereador, eles estão elegendo senadores e prefeitos”, concluiu.

Comunidade Segura.

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