sábado, 10 de janeiro de 2009

Artigo: A defensoria pública do estado de São Paulo: desafiando velhas mentalidades

Os entraves postos à Defensoria Pública Paulista na concretização dos objetivos para os quais foi criada confirmam, uma vez mais, a lentidão nas conquistas democráticas ao longo da história brasileira. De fato, embora a assistência jurídica integral e gratuita aos cidadãos de baixa renda e a instituição das Defensorias Públicas tenham sido garantidas na Constituição Cidadã de 1988, em São Paulo, a efetivação desses direitos se arrastou por quase duas décadas.

A possibilidade de criação da Defensoria Pública em São Paulo, ainda que somente em 2006, resultou de um processo diferenciado no que tange à criação de órgãos públicos no país, que privilegia critérios técnico-jurídicos em detrimento da participação dos segmentos sociais aos quais o serviço público se destina. Aqui, a consciência de que uma assistência integral no acesso à justiça deveria ser desempenhada para além da atuação até então dispensada pela Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ), selou a forte parceria entre alguns procuradores atuantes na própria PAJ e mais de 300 entidades da sociedade civil, algumas das quais, antes mesmo da constituição da Assembléia Nacional Constituinte em 1987, já reivindicavam a criação de defensorias públicas em todos os estados brasileiros. Em 2002, no Ato de Lançamento do Movimento pela Criação da Defensoria Pública de São Paulo, o salão nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco foi ocupado por novas personagens, ou seja, por representantes de centenas de organizações que, somados a dezenas de personalidades públicas, demonstravam a força do Movimento pela criação de uma Defensoria Pública democrática, autônoma, descentralizada e transparente. Assim, o projeto de lei prevendo a criação deste órgão essencial à Justiça nasceu comprometido com as necessidades dos segmentos sociais alvo, comprometimento materializado na Lei 988/06, em que pesem as alterações sofridas ao longo da tramitação na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Concebendo os usuários como objetos de favor e não como sujeitos de direitos, historicamente, as políticas sociais no Brasil destinadas aos segmentos de baixa renda têm se caracterizado por práticas assistenciais reprodutoras das injustiças sociais. A Defensoria Pública se propõe a romper com a tradição de “justiça pobre para os pobres”, a superar o universo simbólico do direito formal através de uma prática inovadora. Comprometida com a construção do Estado Democrático de Direito, tem por finalidade oferecer ao cidadão de baixa renda a tradução das complexidades do sistema jurídico, maior possibilidade de acesso ao Judiciário, oportunidade de soluções extrajudiciais dos conflitos, defesa dos direitos difusos e coletivos, ampliando seus serviços através dos Centros de Integração da Cidadania (CICs), do Centro de Referência e Apoio à Vítima (Cravi) e dos Centros de Cidadania e Referência à Mulher. Importante ressaltar que a Defensoria Pública Paulista estruturou um órgão de ligação permanente com a sociedade civil, a Ouvidoria da Defensoria Pública, e já realizou uma Conferência Regional aberta, com direito a voz e voto dos participantes, no sentido de alimentar os planos anuais de trabalho. Em pouco tempo de existência, a Defensoria Pública Paulista ampliou o espectro de atuação do Estado, embora ainda não disponha de infra-estrutura e recursos condizentes com a magnitude dos seus propósitos.

Paradoxalmente, seus esforços não são bem acolhidos. A diferença entre o número de membros do Ministério Público, da Magistratura e da Defensoria Pública é injustificável. Da mesma forma, a remuneração dos defensores públicos é inexplicavelmente muito inferior àquela dos juízes e promotores. Indaga-se até que ponto os serviços dispensados à população de baixa renda continuarão desvalorizados em decorrência da nossa cultura ter incorporado as injustiças sociais como legítimas e reproduzindo os estigmas contra a pobreza e contra os que defendem seus direitos.

Neste momento, os parceiros que apoia­ram e deram visibilidade à criação da Defensoria Pública Paulista voltam novamente à cena, integrando o Movimento pelo Fortalecimento da Defensoria Pública. Em 1º de setembro deste ano, no centro da cidade de São Paulo, a Marcha pela Valorização da Defensoria contou com a presença de, aproximadamente, duas mil e duzentas pessoas, cobrando do governo do Estado a valorização dessa Instituição. Três semanas após, dia 24 de setembro, teve lugar um fórum de discussão para definir as estratégias para a continuidade da mobilização permanente pela completa estruturação desse serviço público de acesso à justiça para a população carente. As decisões sobre a condução do Movimento têm sido tomadas conjuntamente entre os membros da Defensoria Pública e os representantes de entidades e movimentos sociais envolvidos nessa luta. Evidencia-se neste processo, uma vez mais, o clamor dos segmentos comprometidos com a efetivação dos direitos fundamentais no Estado, pela adequada estruturação da Defensoria Pública à importância e amplitude dos seus fins, na tentativa de superação do atraso e da discriminação que desde sempre se perpetrou aos mais pobres.

Fortalecer a Defensoria Pública significa, dentro desse contexto, o fortalecimento da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do processo rumo à construção, ainda por se fazer, do pleno Estado Democrático de Direito.


Andréa C. Oliveira Gozetto, Cibele C. Baldassa Muniz, Eneida G. de Macedo Haddad e Thaís A. Soares Docentes e pesquisadoras, Direito (Uninove). Projeto de pesquisa em andamento: “A história da criação da Defensoria Pública no Estado de São Paulo”

GOZETTO, Andréa C. Oliveira et al. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo: desafiando velhas mentalidades. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 193, p. 10, dez. 2008.

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