quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Artigo: Com a palavra, o juiz

Tal como já mencionado em artigos anteriores e da lavra dos mais eminentes juristas, importantes mudanças no Código de Processo Penal foram feitas com a publicação de pelo menos três novas leis (Leis nºs 11.689/08, 11.690/08 e 11.719/08), com alterações significativas no que toca ao procedimento do júri, provas em geral e procedimentos.

Não seria justo de nossa parte criticar a novel legislação antes que seja verificada na prática forense eventual piora na tramitação do processo penal, o que não impede, entretanto, é bom dizer, sejam feitas ressalvas ao que vem sendo dito por parte da doutrina mais especializada acerca da correta interpretação a ser dada aos artigos de lei ora inseridos com nova redação no Código de Processo Penal.

Antes, porém, de ser feita a ressalva a um dos pontos que mais vêm chamando nossa atenção, cumpre asseverar ser a legislação acima mencionada fruto de trabalho levado a efeito por comissão formada no início da presente década, com os notáveis juristas Ada Pellegrini Grinover, Petrônio Calmon Filho, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rui Stoco, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti, havendo, segundo se sabe, pelo menos outros quatro projetos de lei em vias de serem aprovados, preocupando-nos e muito, em especial, o projeto de lei nº 4.206/01, que cuida de alterações no sistema recursal do processo penal, importando, v.g., do já retalhado Código de Processo Civil a figura do agravo de instrumento, como se tal fosse necessário no processo penal, já que, a bem da verdade, o sistema de preclusão e nulidades, que atua junto da sistemática recursal, opera sem maiores problemas no processo penal atual, não sendo crível que instituto inserido no Código de Processo Civil de 1973 e já substancialmente reformado por pelo menos três vezes em curto de espaço de tempo pelas Leis nºs 9.139/95, 10.352/2001 e 11.187/2005, tamanha a confusão criada pelo assustador número de recursos gerado, possa ser de alguma serventia.

Não é, entretanto, objeto de nossa discussão a sistemática recursal vigente ou a que está por vir, mas sim a nova redação dada ao art. 212, do CPP, e que vem sendo interpretada por grande parte da doutrina brasileira como sinal mais do que evidente quanto à abolição in totum do sistema presidencialista de inquirição de testemunhas até então vigente.

Ousamos discordar.

Com efeito, no sentido acima mencionado, no Boletim IBCCRIM, de julho de 2008, sustentou José Barcelos de Souza que a recente Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, relativa à prova, rompeu com o chamado sistema presidencial, adotando também para a instrução criminal a inquirição direta pelas partes, o mesmo se dizendo em relação a Rogério Schietti Machado Cruz, que, no mesmo Boletim, foi taxativo em suas palavras quanto ao fato de, doravante, dever assegurar o juiz às partes a iniciativa das perguntas.

Sem embargo do quanto aduzido, quanto à iniciativa das perguntas, não existe para nós diferença alguma entre a redação antiga do art. 212 e a redação dada pela Lei nº 11.690/08, diferença havendo tão-somente quanto à possibilidade de fazerem as partes suas perguntas diretamente às testemunhas, o que antes, é sabido, não se via.

Pensamos dessa forma porque na redação antiga do art. 212 do Código de Processo Penal (“As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida”) não havia qualquer linha ou nota que dissesse ser do juiz a iniciativa das perguntas, também não se vendo nos demais artigos referentes à colheita da prova qualquer indício de que assim o fosse, sendo em verdade a redação antiga do art. 212, do CPP indicativo tão-somente de ser necessário prévio controle judicial do que fosse perguntado pelas partes às testemunhas.

Houvesse na redação do antigo art. 212, do CPP alusão expressa à iniciativa de perguntas pelo juiz e poder-se-ia chegar à conclusão quanto ao fato de doravante não mais poder o juiz iniciar a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, dado não contemplar a nova redação do art. 212, do CPP, referida possibilidade. Não é o que se vê, entretanto, pois, repita-se, não cuidava o art. 212 do CPP de dizer ser do juiz ou das partes a iniciativa das perguntas, não podendo, portanto, a nosso ver, data máxima vênia, ser a nova redação do art. 212, do CPP interpretada como vedação peremptória quanto ao fato de não mais poder o juiz iniciar a inquirição de testemunhas quando assim igualmente não o fazia em sua antiga redação o art. 212, do CPP.

De fato, a nova redação do art. 212, do CPP (“As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”) apenas viabiliza a realização de perguntas pelas partes diretamente às testemunhas, o que antes expressamente não se admitia, podendo ainda o juiz complementar a inquirição, o que, muito embora não fosse previsto, já era de comum ocorrência, intocada, portanto, a iniciativa de inquirição da testemunha pelo juiz.

Como afirma Gustavo Badaró, juiz ativo não é sinônimo de juiz parcial. É um juiz atento aos fins sociais do processo e que busca exercer sua função de forma a dar ao jurisdicionado a melhor prestação jurisdicional possível(1), inadmissível que se possa ver o processo penal com feições absolutamente acusatórias, sem qualquer peculiaridade ou sinal distintivo, quando se denota da própria reforma levada a cabo pelo legislador, ser de interesse do Estado e, por conseguinte, da sociedade, permaneça em mãos do juiz algum poder instrutório(2), o que não se coaduna com o modelo acusatório propugnado pela doutrina mais garantista, mas que realça, por via oblíqua, não ser descabida a interpretação por nós dada ao art. 212, do CPP, segundo a qual remanesce a possibilidade de continuar o juiz a iniciar a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, as quais, em seguida, poderão fazer seus questionamentos diretamente às testemunhas, complementando o juiz, caso queira, a inquirição, esclarecendo ponto.

Notas

(1) BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 84.

(2) “Art. 156: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”


Fábio Aguiar Munhoz Soares, Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal de Guarulhos/SP, mestre em Direito e professor de Direito Penal e Processual em cursos de graduação, pós-graduação e preparatório a carreiras jurídicas.

SOARES, Fábio Aguiar Munhoz. Com a palavra o juiz. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 193, p. 14, dez. 2008.

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