terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Artigo - Caso Lindemberg: chocante despreparo da polícia

Mesmo quando você imagina que nada mais escabroso possa vir a acontecer, ainda assim a polícia brasileira, em alguns momentos, consegue nos surpreender. Não faz muito tempo, na reconstituição de um homicídio, a representação policial (em Rondonópolis) foi tão real que acabou matando uma outra pessoa (um adolescente de treze anos de idade)!

Esqueceram de avisar aos "atores" que aquilo tudo era só uma encenação para fins probatórios. Histórias desse tipo escancaram o absoluto despreparo de alguns setores da polícia. Estarrecem tanto que quase somos levados a não acreditar na sua veracidade. Só falta agora o legislador brasileiro, depois do precedente citado, proibir a reconstituição de crimes!

O fatídico sequestro de Eloá (Santo André-SP) constitui mais um chocante exemplo. Miséria pouca é bobagem. Para tentar ouvir os diálogos que eram mantidos dentro da casa onde o seqüestrador Lindemberg mantinha duas pessoas como reféns, os policiais passaram horas deslizando copos de vidro pelo lado externo das paredes da casa. A cena é dantesca!

Imagine: policiais de ouvidos grudados em copos de vidro tentando ouvir o que se falava lá dentro! Em lugar de "chips" eletrônicos, copos! Isso é totalmente inacreditável, mas vários jornalistas disseram que realmente aconteceu. Esse "avanço" tecnológico (tupiniquim) - utilização de copos de vidro - deixou o mundo todo estupefato!

Com tantos recursos técnicos já inventados para auxiliar nas investigações e aproximações aos locais de crime (ou locais suspeitos), como pode a polícia brasileira ainda usar copos para tentar captar sons de dentro de um ambiente?

Enquanto aqui se desenrolava, midiaticamente inclusive, o seqüestro de Santo André, em Madri (Espanha) acontecia as XIII Jornadas de Tecnologias para a Defesa e Segurança. Várias empresas do setor, membros do Governo e policiais de todas as instituições de segurança passaram três dias discutindo e vendo as novidades nessa área (El País de 7 de novembro de 2008, p. 20).

Eis algumas delas: um pequeno "chip", do tamanho de uma moeda, capta toda conversação em qualquer ambiente e ainda manda sinal sobre a exata localização dos interlocutores. Enquanto a polícia moderna usa "chip", a brasileira usa "copos". Os sons são processados automaticamente e graças à tecnologia descobre-se inclusive não só o idioma estrangeiro (quando o caso) senão também o conteúdo do que se fala (em virtude da utilização de um sistema de palavras-chave).

Naves de vigilância não tripuladas: um zepelin, sem tripulação, com câmera de alta resolução, é capaz de localizar a grande distância um pacote suspeito. Os policiais, a cinqüenta metros, projetam um laser e descobrem o conteúdo do pacote, podendo explodi-lo sem nenhum risco. É de se imaginar o quanto essas naves não tripuladas poderiam ser úteis na vigilância das estradas, ruas, estádios, etc.

Microfones e radares, de outro lado, são capazes de detectar a localização de franco-atiradores. Uma câmera descobre sua exata posição, a linha de tiro, etc. O mundo tecnologicamente avançado, como se vê, já dispõe de muitos aparatos modernos que poderiam evitar tragédias fatais como a de Santo André.

Que a polícia brasileira está longe de contar com essas tecnologias de ponta está mais do que evidente. De qualquer modo, ainda que dentro das nossas limitações, não se faz necessário exagerar -muitas vezes até o ridículo. Por exemplo: no seqüestro antes mencionado, divulgou-se que a escada da polícia (que mandaram para o local) não tinha altura suficiente sequer para alcançar o telhado da casa!
Num determinado momento (quase que por milagre), Nayara, a adolescente de 15 anos, foi liberada pelo seqüestrador. Mas lamentavelmente os policiais permitiram que ela retornasse para dentro da casa para ajudar nas negociações. É difícil imaginar o que uma adolescente pode contribuir para uma negociação complicadíssima, que beirava a esquizofrenia.

A televisão, sem nenhum controle, registrava tudo. O seqüestrador se julgava verdadeiro ator de novela. Isso acabou tendo influência nefasta no desfecho mortífero.

Como se nota, as técnicas de atuação assim como as tecnologias utilizadas por alguns setores da polícia brasileira continuam chocando o mundo todo. Mas isso é bom ou é ruim?

Do ponto de vista de quem necessita da segurança pública brasileira é muito ruim. Do ponto de vista de quem planeja o futuro da segurança pública no Brasil é bom. Por quê? Porque tudo está por ser feito. Há muito caminho a ser percorrido, há muito orçamento a ser investido, há toda uma nação civilizada a ser construída. Ainda que desgraçadamente contando cadáveres, avante Brasil!

Luiz Flávio Gomes é professor doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 11/01/2009.

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