terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Entrevista - Alvino Augusto de Sá




Junto com o Dr. Salomão Shecaira, Alvino Augusto de Sá organizou a obra “Criminologia e os Problemas da Atualidade", a partir de trabalhos apresentados pelos alunos de pós-graduação da matéria Perspectivas Sociológica e Clínica da Criminologia na Legislação Penal, da Faculdade de Direito Penal da USP. Nesta entrevista, exclusiva para o PORTAL IBCCRIM, o professor fala do desafio de incentivar uma geração de novos “pensadores”.


PORTAL IBCCRIM - O livro foi resultado de trabalhos apresentados pelos alunos de pós-graduação da disciplina Perspectivas Sociológica e Clínica da Criminologia na Legislação Penal da Faculdade de Direito Penal da USP. Quais os critérios para a seleção desses trabalhos?

ALVINO AUGUSTO DE SÁ - Os organizadores levaram em conta os seguintes critérios: novas contribuições que o texto trouxe para o debate sobre o problema em foco, solidez dos argumentos, solidez do embasamento na literatura (referências bibliográficas), clareza das idéias, qualidade da redação.

PORTAL IBCCRIM - O Dr. Salomão Shecaira, que participou da organização do livro, destaca o excelente nível dos textos dos alunos. Alguns temas foram abordados por duas ópticas diferentes (como o da Violência Doméstica, por exemplo). Dá para dizer que há uma geração de novos “pensadores” em formação, com alto nível de abstração de análise?

ALVINO AUGUSTO DE SÁ - Pensamos que o Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, como um todo, tem como objetivo incentivar uma geração de novos “pensadores”. Alguns deles se destacam e ingressam no que poderíamos chamar de “carreira de comunicadores científicos”. A organização e publicação do livro Criminologia e os problemas da atualidade apresentam-se como oportunidade para a revelação de pensadores dessa nova geração.

Há uma história muito interessante sobre um convite que o senhor recebeu da Dra. Flávia Frangetto para participar de um painel sobre crimes ambientais. Sendo um professor de Criminologia Clínica, parece que o senhor estranhou o convite. Como esse assunto foi resolvido?

Sim, estranhei porque minha experiência na área da Criminologia Clínica sempre esteve vinculada à execução penal, especificamente à execução da pena privativa de liberdade. Em meus 33 anos de experiência, jamais me deparei com alguém que tivesse sido condenado por crime ambiental. Resolvi abordar o assunto, não propriamente (ou especificamente) sob o enfoque do autor, mas sob o enfoque da reação social diante desse tipo de crime, da compreensão que a sociedade em geral tem dele, da forma como as pessoas o “sentem”.

No seu artigo, o senhor faz uma reflexão a respeito da abstração e do grau de desenvolvimento do julgamento moral aplicados aos crimes ambientais. O senhor acha que o cidadão comum tem a percepção correta do que a constituição define como “meio ambiente ecologicamente equilibrado”?

Como eu digo no texto, é pouco provável que o cidadão comum tenha uma percepção correta do que seja “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Se bem que, temos de reconhecer, a consciência geral da população sobre a importância do meio ambiente tem avançado significativamente. Entretanto, entre ter consciência sobre a importância do meio ambiente para a sobrevivência da humanidade e o entendimento correto do que seja “meio ambiente ecologicamente equilibrado” existe uma razoável distância. E a reta compreensão dos conceitos é muito importante em sede formação moral e ética, para o desenvolvimento da autonomia e de uma consciência profunda do indivíduo diante da norma.

O senhor afirma que o poder de sedução dos crimes ambientais é baixo e que há um baixo clamor popular com relação a eles. Qual o papel da mídia na formação dessa situação? Pode haver uma mudança, no futuro?

A mídia é como que uma “caixa de ressonância” do clamor popular. Porém, uma “caixa de ressonância” que, por sua vez, serve para realimentar esse clamor e dar-lhe um selo de legitimidade. Quanto a mudanças no futuro, temos que ser otimistas e acreditar que sim. Por certo, além de um papel construtivo da mídia para essa mudança, temos que contar com o papel da escola, do turismo ecológico, entre outros.

Como será possível aumentar a sintonia afetivo-emocional da sociedade com meio ambiente?

Uma das condições básicas para o incremento de sintonia afetivo-emocional com o ambiente é a experiência construtiva, consciente e, preferivelmente, monitorada com o ambiente. Para esse tipo de experiência, assume um papel relevante o turismo ecológico. É de se reconhecer, porém, que esse turismo não é acessível a grande parte da população urbana, por falta de condições econômicas. Por outro lado, as escolas têm um papel importante para o desenvolvimento desse tipo de turismo. Há que se reconhecer também a importância das reportagens, sobretudo televisivas, que a mídia faz a respeito de regiões atrativas do planeta, particularmente do Brasil.

Crime ambiental não apaixona. Logo não rende manchete nos jornais. Por sua vez, o Estado não é cobrado, em termos de medidas preventivas e punitivas. Como quebrar esse círculo vicioso?

Lamentavelmente, o rigor do sistema punitivo (incluindo o Direito Penal e todo o sistema de aplicação da justiça), em suas medidas punitivas, é proporcional, não tanto à importância e magnitude do bem tutelado pela norma, mas, em grande parte, à reação social diante da infração à norma, uma reação permeada de emoções e paixões. Em sede de academia, de congressos, enfim, de construção da ciência criminal, tem exercido papel importante a vertente crítica da Criminologia, quando justamente busca mudar o foco tradicional que tem orientado a definição das normas penais. Para se quebrar esse círculo vicioso, há que se atacar em diversas frentes: academia (na conscientização dos futuros operados do direito), construção da ciência, construção da norma, construção da política criminal, conscientização dos políticos. Tudo isso, evidentemente, sem nos esquecermos do que talvez seja o mais importante: conscientização da população e alimentação de sua sintonia afetivo-emocional com o ambiente, na linha do que dissemos nas repostas às duas questões anteriores.

O senhor acha que a divisão do meio ambiente em natural, artificial e cultural contribui para uma melhor percepção da Lei do Meio Ambiente? Ou, por ser tão ampla, acaba desfocando a importância do problema abordado?

É provável que sim. De fato, com essa divisão, quase que tudo passa a ser meio ambiente. A preservação da natureza, do meio ambiente do qual “extraímos” a vida, com o qual nossa pulsão vital, biológica mantém uma relação contínua e simbiótica, deve ser tratada como um problema especial, sem que corramos qualquer risco de desfocá-lo.

Alvino Augusto de Sá
Professor Doutor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia, da Faculdade de Direito da USP; Psicólogo aposentado da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e Membro do Conselho Direito da Revista Brasileira de Ciências Criminais, do IBCCRIM

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