quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Artigo: Do Interrogatório por Videoconferência segundo a Lei 11.690/08 e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo divulgar a forma como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal vêm tratando a possibilidade ou não da utilização da videoconferência para a realização de interrogatórios. Para tanto, nos deteremos, à análise dos julgados e das leis mais recentes sobre a matéria, incluindo a nova lei 11.690/08 que alterou o artigo 217 do CPP.

PALAVRAS-CHAVE

Interrogatório. Videoconferência. Jurisprudência. Tribunais. Superiores.

1 – A JURISPRUDÊNCIA SOBRE A VIDEOCONFERÊNCIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

O interrogatório por videoconferência não tem previsão legal expressa no direito brasileiro. No entanto, pode ser extraído do ordenamento, em virtude de uma interpretação sistemática, sobretudo, com fundamento no princípio da instrumentalidade das formas.

Pela literalidade do artigo 792 do CPP, extrai-se que os atos processuais devem ser realizados na sede dos juízos e tribunais, nos termos seguintes:

Art.792.As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.

Quer tendo em vista a literalidade deste artigo acima descrito, quer em razão de não haver dispositivo legal expresso que se refira ao interrogatório por videoconferência, a jurisprudência mais atual caminha no sentido de não admitir a videoconferência como meio para se realizar interrogatórios na esfera penal. Vejamos recente julgado da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido:

Data do julgamento: 05/06/08

Data da publicação: DJ 23.06.2008 p. 1

Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (8145)

T6 - SEXTA TURMA
HC 102440 / SP
HABEAS CORPUS
2008/0060320-6

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ROUBO CIRCUNSTANCIADO – INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE – VÍCIO INSANÁVEL – NULIDADE – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – LESÃO PARCIAL AO DIREITO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA – ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O PROCESSO DESDE O INTERROGATÓRIO, INCLUSIVE, PERMITINDO AO PACIENTE RESPONDER SOLTO À SUA RENOVAÇÃO. PREJUDICADOS OS DEMAIS PEDIDOS.

1- O interrogatório é a peça mais importante do processo penal, pois constitui a oportunidade que o réu tem de expor àquele que irá julgá-lo a sua versão dos fatos, pessoalmente, se autodefendendo. Daí, não se poder afastar o homem-acusado dos Tribunais.

2- O interrogatório realizado por meio de videoconferência é um limite à garantia constitucional da ampla defesa.

3- O nosso ordenamento jurídico não contempla a modalidade de interrogatório por meio de videoconferência.

4- Ordem concedida para anular o processo desde o interrogatório, inclusive, permitindo ao paciente responder solto à sua renovação. Prejudicados os demais pedidos.

Os fundamentos para a decisão acima, como se observa são basicamente dois, a saber: por primeiro, a falta de previsão legal do interrogatório por videoconferência, conforme item 3 da decisão e em segundo lugar, que o interrogatório realizado desta forma levaria a uma limitação ao direito de autodefesa, em desacordo com a norma contida no artigo 5º, inciso LV e XXXVIII, ‘a’ da CF, conforme transcritos abaixo:

“LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa[2], com os meios e recursos a ela inerentes;”

No âmbito do Tribunal do Júri o direito de defesa é ainda maior, conforme definições em nota de roda-pé, pois a Constituição garante a plenitude de defesa:

“Art. 5º, inciso XXXVIII, CF: é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude[3] de defesa”;

A autodefesa, conforme a doutrina autorizada, engloba a defesa técnica e a autodefesa.

A defesa técnica é aquela desempenhada no processo por meio de advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB, seja por profissional constituído (advogado contratado pelo acusado) ou nomeado (defensor público ou advogado dativo).

A seu turno, a autodefesa é aquela desenvolvida pelo acusado, fundamentalmente através do interrogatório, momento em que o mesmo apresenta sua versão sobre os fatos que lhe são imputados, defendendo-se.

Neste sentido, destacamos trecho da obra do ilustre Procurador da República, Eugênio Pacelli de Oliveira, em seu Curso de Processo Penal, ed. Del Rey, 5ª edição, página 31:

“Pode-se, portanto, afirmar que a ampla defesa se realiza por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado”.

Mais adiante, no seu livro o autor acrescenta que a ampla defesa exige a participação efetiva e que provas ilícitas poderão ser usadas no processo, desde que em benefício do réu, para provar-lhe a inocência. Para quem desejar aprofundar sofre o tema da ampla defesa, remetemos o leitor para a obra aqui citada.

Limitando-nos neste singelo estudo apenas ao tema em questão da videoconferência no âmbito do processo penal e sua interpretação jurisprudencial, registramos que a autodefesa vai um pouco além, a abranger, no entendimento dos nossos Tribunais Superiores, o direito de presença e de audiência do acusado conforme noticiado no informativo de nº 476 da Corte Suprema. Abaixo, transcrevemos o julgado:

Interrogatório por Videoconferência - 1

PROCESSO HC - 88914

Ementa

A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de paciente cujo interrogatório fora realizado por videoconferência, no estabelecimento prisional em que recolhido, sem que o magistrado declinasse as razões para a escolha desse sistema. Na espécie, o paciente não fora citado ou requisitado para se defender, mas apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no mesmo dia em que o interrogatório acontecera. Por ocasião da defesa prévia, pleiteara-se a nulidade do interrogatório e, em conseqüência, a realização de outro, na presença do juiz. O pedido restara indeferido e o paciente, condenado, apelara da sentença e, em preliminar, reiterara a nulidade do feito. Sem sucesso, a defesa impetrara idêntica medida no STJ, denegada, ao fundamento de que o interrogatório mediante teleconferência, em tempo real, não ofenderia o princípio do devido processo legal e seus consectários, bem como de que não demonstrado o prejuízo. Entendeu-se que o interrogatório do paciente, realizado — ainda na vigência da redação original do art. 185 do CPP — por teleaudiência, estaria eivado de nulidade, porque violado o seu direito de estar, no ato, perante o juiz. HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2007. (HC-88914)

Interrogatório por Videoconferência - 2

PROCESSO HC - 88914

Ementa: Inicialmente, aduziu-se que a defesa pode ser exercitada na conjugação da defesa técnica e da autodefesa, esta, consubstanciada nos direitos de audiência e de presença/participação, sobretudo no ato do interrogatório, o qual deve ser tratado como meio de defesa. Nesse sentido, asseverou-se que o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV) pressupõe a regularidade do procedimento, a qual nasce da observância das leis processuais penais. Assim, nos termos do Código de Processo Penal, a regra é a realização de audiências, sessões e atos processuais na sede do juízo ou no tribunal onde atua o órgão jurisdicional (CPP, art. 792), não estando a videoconferência prevista no ordenamento. E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-la deveria ser motivada, com demonstração de sua excepcional necessidade no caso concreto, o que não ocorrera na espécie. Ressaltou-se, ademais, que o projeto de lei que possibilitava o interrogatório por meio de tal sistema (PL 5.073/2001) fora rejeitado e que, de acordo com a lei vigente (CPP, art. 185), o acusado, ainda que preso, deve comparecer perante a autoridade judiciária para ser interrogado. Entendeu-se, no ponto, que em termos de garantia individual, o virtual não valeria como se real ou atual fosse, haja vista que a expressão “perante” não contemplaria a possibilidade de que esse ato seja realizado on-line. Afastaram-se, ademais, as invocações de celeridade, redução dos custos e segurança referidas pelos favoráveis à adoção desse sistema. Considerou-se, pois, que o interrogatório por meio de teleconferência viola a publicidade dos atos processuais e que o prejuízo advindo de sua ocorrência seria intuitivo, embora de demonstração impossível. Concluiu-se que a inteireza do processo penal exige defesa efetiva, por força da Constituição que a garante em plenitude, e que, quando impedido o regular exercício da autodefesa, em virtude da adoção de procedimento sequer previsto em lei, restringir-se-ia a defesa penal. HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2007. (HC-88914).

Como se demonstra os Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) em recentes julgados estão entendendo que o interrogatório no processo penal exige a presença física do acusado, pois o mesmo teria o direito de presença e de audiência inserido no âmbito da autodefesa, que a seu turno integra a ampla defesa, prevista constitucionalmente.

Vale dizer, para esta corrente jurisprudencial, a realização do interrogatório por videoconferência implicaria na ausência do acusado ao ato processual, violando o seu direito de defesa e de presença. Por via de conseqüência, violado estaria o devido processo legal, por falta de previsão expressa da videoconferência no ordenamento jurídico e por lesão ao direito de presença (autodefesa).

Esta interpretação gera um retrocesso na hermenêutica da questão, visto que os julgados anteriores admitiam a videoconferência no interrogatório.

O formalismo exagerado das decisões acima transcritas atinge frontalmente:

1) o direito do acusado à razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII da CF);

2) o direito à segurança da sociedade porque algumas vezes os acusados acabam fugindo no deslocamento ao fórum, por falta de escolta adequada e, ainda, porque esses agentes de polícia, ocupados no traslado de presos até o fórum (e em cidades como São Paulo e outras grandes capitais, os agentes passam inúmeras horas em operações desta natureza), deveriam ser oportunamente utilizados em ações constantes de combate à criminalidade;

3) o direito de segurança dos próprios policias, pois se trata de um trabalho de alto risco e desnecessário, em face da possibilidade da audiência virtual;

4) viola o princípio constitucional da eficiência (artigo 37 caput da CF), segundo o qual a Administração Pública deve produzir o máximo com o mínimo de custo possível.

Por fim e, apesar de tantos inconvenientes acima apontados, a presença física do acusado não traz qualquer benefício prático ao seu direito de defesa.

É que o direito de presença, como qualquer outro direito, não é absoluto, ou seja, deve ser abalizado com outros direitos e neste ponto, verifica-se facilmente que o direito de defesa pode ser exercido em perfeita harmonia no interrogatório virtual, o que gera uma maior celeridade no processo, dando uma resposta mais rápida à sociedade e ao próprio acusado, que não pode se ver processado por longos anos sem ter uma resposta do Estado.

O acusado, interrogado virtualmente, poderá oferecer a mesma defesa que ofereceria se presente fisicamente e, desde que garantido o direito de entrevistar-se reservadamente com o seu advogado, não haveria nulidade ou prejuízo, nos termos do § 2º do artigo 185 do CPP :“antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor”.

E mais, para o acusado preso preventivamente para a garantia da instrução criminal, por exemplo, a realização de seu interrogatório por meio virtual lhe traria amplos benefícios, podendo ser requerido até mesmo pela defesa, pois levaria à rápida realização do ato, pois o réu não dependeria da disponibilidade de agentes e de veículos estatais, para levá-lo à audiência e, acabando a instrução processual mais rapidamente, o mesmo retomaria sua liberdade, se não houvesse outros motivos para manter sua prisão, concretamente demonstrado (artigo 312 do CPP).

Abaixo, transcrevemos julgados do STJ, sensíveis às benesses da videoconferência, admitindo interrogatórios judiciais realizados por meio eletrônico. Nesses casos, o Tribunal só admitia a decretação de nulidade, desde demonstrado efetivo prejuízo, nos termos do artigo 563 do CPP: “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Veja:

RHC 15558 / SP

RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

2004/0006328-1

Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106)

Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento 14/09/2004

Data da Publicação/Fonte

DJ 11.10.2004 p. 351

Ementa

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE SISTEMA DE VÍDEOCONFERÊNCIA OU TELEAUDIÊNCIA EM REAL TIME. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE, PARA CUJO RECONHECIMENTO FAZ-SE NECESSÁRIA A OCORRÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO, NÃO DEMONSTRADO, NO CASO.

Recurso desprovido.

Outro Julgado do STJ no mesmo sentido da inteligência do artigo 563 do CPP:

T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento 10/05/2007

Data da Publicação/Fonte DJ 28.05.2007 p. 380

Ementa

HABEAS CORPUS. ROUBO TENTADO. INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA. NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. A estipulação do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais do réu, o qual, na hipótese, conta com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio.

2. A declaração de nulidade, na presente hipótese, depende da demonstração do efetivo prejuízo, o qual não restou evidenciado.

3. Ordem denegada.

Agora transcrevemos um julgado do STJ, no qual ficou assentado que a realização do interrogatório por videoconferência não viola o princípio do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV da CF: “ninguém será privado se sua liberdade ou se seus bens sem o devido processo legal”):

AgRg no HC 90603 / SP

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

2007/0217381-0

Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133)

T5 - QUINTA TURMA

28/11/2007

DJ 17.12.2007 p. 280

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DO WRIT.IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU O PEDIDO DE TUTELA LIMINAR.SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE INEQUÍVOCA DE ILEGALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Não se admite a impetração de Habeas Corpus neste STJ contra decisão monocrática denegatória de liminar em writ anterior, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade no ato atacado, beirando a teratologia jurídica, sob pena de supressão de instância, (Súmula 691/STF), salvo em hipóteses excepcionais, em que emergir dos autos situação de flagrante ilegalidade ou ofensa de direito subjetivo.

2. Sobre o tema em questão, esta Corte já decidiu, em casos análogos, que o interrogatório realizado via videoconferência não viola o princípio do devido processo legal, e seus consectários.

3. Destarte, o entendimento proferido pelo Juízo de primeiro grau, e pelo Tribunal a quo não se mostra, de forma alguma, flagrantemente ilegal, abusivo ou teratológico, a ponto de autorizar a mitigação da orientação já sumulada pelo Pretório Excelso de que não cabe Habeas Corpus contra decisão que indefere pedido liminar.

4. Agravo Regimental a que se nega provimento.

Outro julgado, no sentido dos anteriores, que se transcreve para fixar melhor o entendimento anteriormente adotado pelo STJ da admissibilidade do interrogatório por videoconferência:

HC 34020 / SP

HABEAS CORPUS

2004/0026250-4

Relator(a) Ministro PAULO MEDINA (1121)

Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA

Data do Julgamento 15/09/2005

Data da Publicação/Fonte DJ 03.10.2005 p. 334 RIOBDPPP vol. 39 p. 24

Ementa

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO. VIDEOCONFERÊNCIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO.

O interrogatório realizado por videoconferência, em tempo real, não viola o princípio do devido processo legal e seus consectários. Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demonstração do prejuízo nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal. Ordem DENEGADA.

Este, contudo, não é o entendimento atual do STJ e do STF, como já dito, ao fundamento de que a realização do interrogatório por videoconferência violaria o devido processo legal e a norma do artigo 792 do CPP, bem como o direito de presença do acusado.

Não obstante o entendimento contrário do STJ e STF, o ordenamento jurídico, possui normas no sentido da possibilidade da realização do interrogatório por videoconferência. Vejamos o que diz o artigo 9º, § 1º da lei 11.419/06, quando trata das citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, por meio eletrônico:

Art. 9o No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei.

§ 1o As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais.

A nova lei diz que a intimação e mesmo a citação no meio virtual que atenda aos preceitos do artigo 9º § 1º será pessoal. Assim, não obstante tenha sido realizada por meio eletrônico, a lei considera como pessoalmente realizada.

Em sendo assim, podemos aplicar este dispositivo na sede do direito processual penal para, numa interpretação teleológica, possibilitar a realização da videoconferência, pois pelo espírito da lei, este ato implicaria na presença virtual do acusado, gerando o mesmo efeito da presença física, sem violar, portanto o seu direito de presença.

Este entendimento, não prejudica o que já era assentado pelos Tribunais Superiores no sentido de que poder-se ia declarar a nulidade do ato se concretamente demonstrado prejuízo.

Assim, balizar-se-ia corretamente os direito envolvidos, garantido-se a razoável duração do processo, o direito de defesa do acusado e o princípio da eficiência do Estado na prestação da tutela jurisdicional, sem prejuízo das normas mais recentes de realização dos atos processuais por meio eletrônico e das normas do CPP do sistema de nulidades.

Outra norma de 2001, relacionada ao Juizado Especial Federal Cível, já admitia a realização de ato processual por meio eletrônico falando em reunião conjunta das Turma em conflito, para fins de uniformização de jurisprudência nos Juizados Especiais Federais, senão vejamos o que diz a lei 10.259/01:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1o O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2o O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

§ 3o A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.

Neste ponto destaco que o sentido da expressão “reunião conjunta” exige a presença física, como se dá nos julgamentos colegiados de nossos Tribunais de Justiça. No entanto, na era digital, o legislador prevê que se o os juízes forem domiciliados em cidades diferentes a “reunião conjunta”, outrora feita apenas pela presença física dos julgadores, será feita, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, para fins de uniformização de jurisprudência, por via eletrônica § 3º do artigo 14 da lei.

Ainda como fundamento legal para a realização de interrogatório por videoconferência, transcreve-se abaixo a redação atual do artigo 217 do CPP, recentemente alterado pela lei 11.690 de 2008:

Art.217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.(Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Este dispositivo prevê expressamente a possibilidade de se realizar o interrogatório por videoconferência no processo penal brasileiro.

A norma autoriza que o interrogatório seja realizado por videoconferência, em decisão motivada, nos termos no § único, desde que o juiz verifique que a presença do réu possa causar humilhação, temor, constrangimento sério à testemunha ou ao ofendido, prejudicando a veracidade do depoimento.

Mais adiante o artigo permite que o juiz faça o réu se retirar da sala, se não for possível realizar o interrogatório por videoconferência nos casos disciplinados pelo dispositivo.

Deste modo, a lei evidencia o que aqui se expõe: que o direito de presença não é um direito absoluto, podendo ser relativizado, quando se faz o interrogatório por videoconferência do réu que intimida testemunhas e vítimas na audiência de instrução, e que, não sendo possível adotar esta medida, então a presença do acusado será suprimida, assegurando-lhe a presença de seu defensor no ato. Sempre por decisão motivada.

É certo que o artigo 217 do CPP admite a videoconferência, não como regra, mas como exceção. No entanto, a citada lei 11.690/08 faz um importante juízo de proporcionalidade, envolvendo, de um lado, o direito de presença do acusado ao interrogatório e de outro, o princípio da verdade real no processo penal. Neste conflito, a lei faz prevalecer o direito da coletividade, assegurando a realização de uma persecução penal idônea e comprometida com a veracidade dos fatos, nos temos em que expõe-se acima.

Valendo-nos deste juízo de proporcionalidade expresso na lei 11.690/08 e que constitui um princípio de interpretação constitucional[4], podemos afirmar que em outros casos, o juiz poderá se valer da videoconferência para a realização do interrogatório judicial amparado em farta argumentação, inclusive legislativa, conforme aqui citado (art. 217 do CPP, 9º, § 1º da lei 11.419/06, art. 14, §1 e § 3º da lei 10.259/01).

E por estar hoje, previsto em lei, no artigo 217 do CPP de forma expressa, o fundamento de ausência de autorização legal e de violação ao devido processo legal não pode mais prevalecer. Assim o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não poderão, data a máxima vênia, embasar suas decisões na ausência de disposição legal, como outrora diante da inovação trazida pelo Poder Legislativo, ratificando as primeiras decisões das cortes superiores, citadas no início deste trabalho, que admitiam o interrogatório por videoconferência.

Conclui-se, então, que o Processo Penal Brasileiro deve evoluir para admitir a realização da videoconferência de uma forma segura e amplamente aceita pela jurisprudência, como outrora se admitia, de modo a garantir segurança jurídica à matéria e impedir que inúmeros julgados sejam anulados pela falta de presença física do acusado interrogado por videoconferência, sem que se demonstre, concretamente, a ocorrência de prejuízo.

Tudo em perfeita harmonia com a nova era em que vivemos e com as recentes inovações legislativas, atentas à evolução da informática e das utilidades que ela pode trazer para a realização da justiça.

Ademais, o fato de o interrogatório ser ou não realizado na presença física do juiz, não trará qualquer prejuízo ao acusado, se o magistrado sempre ter em mente, no sublime exercício de seu ofício, que o processo, seja ele qual for não se resume a um amontoado de autos e papéis. Muito pelo contrário, o processo é um instrumento de pacificação social. Traz em seu interior, a vida de alguém, que seja quem for e qual for o seu reclame, confia no trabalho judicante daquele que apreciará a sua queixa e clama por justiça.

BIBLIOGRAFIA

AURÉLIO, Mini Dicionário, Editora Nova Fronteira, 4ª edição, páginas 40 e 540.

BRASIL, Código de Processo Penal, www.planalto.gov.br, Códigos.

BRASIL, Constituição da República Federativa, www.planalto.gov.br, legislação, Constituições.

BRASIL, lei 10.259/01, www.planalto.gov.br, leis ordinários, 2001.

BRASIL, lei 11.419/06, www.planalto.gov.br, leis ordinárias, 2006.

Oliveira, Eugênio Pacelli, Curso de Processo Penal, Editora, Del Rey, 5ª edição, página 31.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, www.stj.gov.br, consulta de jurisprudência.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, www.stf.gov.br, consulta de jurisprudência.

[1] Advogado em Goiânia-GO, especialista em Direito Penal pela Faculdade de Rio Verde/Axioma Jurídico, email: castroadvocacia@yahoo.com.br.

[2] Amplo: Muito extenso, vasto. Muito Grande.

[3] Pleno: Cheio, repleto. Completo, absoluto. Perfeito, acabado. (definições retiradas do Dicionário Mini Aurélio, Editora Nova Fronteira, 4ª edição, páginas 40 e 540).

[4] Para aprofundar no assunto da interpretação constitucional, remetemos ao leitor à obra de Kildare Gonçalves Carvalho, Direito Constitucional, 12ª edição, ed. Del Rey, págs. 308-314.


Vinícius de Castro Borges[1], Advogado/GO, Especialista em Direito Penal pela Faculdade de Rio Verde/Axioma Jurídico.

BORGES, Vinícius de Castro. Do Interrogatório por Videoconferência segundo a Lei 11.690/08 e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores. Disponível em: www.ibccrim.org.br. Acesso em: 27 nov. 2008.

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