sábado, 29 de novembro de 2008

Artigo: Aids - tratamento e prevenção

A prevenção, no caso da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), é necessariamente ligada à assistência médica. Em artigo publicado no jornal The New York Times anos atrás, Bill Clinton, ao elogiar o programa brasileiro que permite o acesso de todos os que precisam aos anti-retrovirais, deixou claro que a identificação dos acometidos pelo vírus é mínima em locais que não lhes dão a possibilidade de tratamento; e mostrou a enorme diferença que isso trouxe em comparação com lugares onde ele não era disponibilizado. Sem a identificação dos infectados, atividades de prevenção são prejudicadas - ou têm de ser estendidas a toda a população, o que as torna mais difíceis de implantar e claramente menos efetivas.

Estudos recentes demonstraram que pessoas com baixa carga viral - e o número mágico é algo como menos que 1.500 a 1.000 genomas por milímetro cúbico de sangue - são pouco influentes como contaminantes, ou seja, o tratamento efetivo tem efeito valioso quanto ao risco de transmissão do HIV. Uma parte da explicação da estabilização da epidemia no Brasil, onde a quantidade de contaminados está estável no nível de 0,5% a 0,6% da população, e assim se mantém há algum tempo, deve ser o amplo e irrestrito acesso aos anti-retrovirais; se testássemos mais pessoas poderíamos intervir melhor neste aspecto e prevenir algumas das novas infecções.

A testagem ampla e repetida envolve problemas, alguns dos quais não são claramente entendidos por grande parte da comunidade, inclusive por vários de nossos sanitaristas encravados em órgãos públicos. Assim, em populações de baixas prevalência da HIV-virose, teste para diagnóstico, executado por um único método, é muito capaz de ser falso positivo, ainda que os métodos sorológicos sejam excelentes, comparáveis aos melhores conhecidos em doenças infecciosas, contando com sensibilidade de 99,9% e especificidade da ordem de 99,5%. Já ouvimos críticas pesadas a possíveis falsos positivos por autoridades que deveriam entender de estatística e do fato de que o valor preditivo positivo de qualquer exame depende da prevalência do agente na população estudada.

A testificação ampla, portanto, precisa ser cuidadosamente preparada e os investigados, conscientes dos riscos da falsa positividade; também, é essencial que as técnicas confirmatórias sejam disponíveis e rapidamente utilizadas: não é correto, decente nem adequado deixar uma pessoa avaliada como positiva aguardando por semanas ou mais pelas provas certificadoras, como sucede com lamentável freqüência em serviços públicos. Também é difícil, mas não impossível, conceder o apoio psicológico necessário aos que se encontram sob avaliação, tanto na fase inicial do procedimento como após o resultado dos testes decisivos. Essencialmente, um exame confirmatório negativo significa que a pessoa não tem a infecção - mas, e o susto decorrente da primeira informação, quem é que agüenta sem apoio?

Dito isto, é evidente que prevenção e tratamento se completam. Então, impõe-se maior eficácia na profilaxia. Do custo do tratamento de mais e mais pessoas, levando em conta que a expectativa de vida dos examinados vai melhorando paulatinamente, só há uma projeção, que é o aumento progressivo. Logicamente, vale a pena tratar - e se for feito um estudo econométrico com as vantagens dessa conduta e manter produtivos os infectados, o custo-benefício é evidentemente positivo. Os remédios, no entanto, não são baratos, os novos são mais caros e se tornarão necessários à medida que a resistência aos fármacos for aumentando. Uma ênfase à aderência ao tratamento, que evita e posterga o aparecimento das resistências, é essencial. Este é um problema muito sério, particularmente em populações muito pobres ou com problemas comportamentais - explicitamente nos drogadictos.

A prevenção é bem conhecida e ainda dependemos, no momento, do uso do preservativo masculino. O feminino não é facilmente disponível. Ao custo maior se associa o incômodo quando usado, embora tenha a enorme vantagem de permitir na negociação sexual que a mulher controle sua utilidade; o preservativo masculino dá a primazia no entendimento ao parceiro com, pelo menos em geral, maior poder, incluindo o de recusar a utilização. Ficou patente nos últimos anos que fazer propaganda da castidade não leva à eficiência na profilaxia da infecção. Não somos contra quem quiser ser casto - que o seja quanto quiser e contando com nosso louvor -, porém não é viável prescrever castidade à população geral, porque, definitivamente, não vai funcionar. Essa é a experiência norte-americana. No Brasil, determinadas autoridades sanitárias nunca partiram para essa linha, julgando-se realísticas.

Esperanças para métodos de melhor controle da disseminação da infecção, como drogas que a preveniriam, de emprego tópico vaginal, não se confirmaram por enquanto. E quanto às vacinas, em recente conferência Antony Faucci, do Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH-USA), foi enfático: presentemente não temos vacinas, nem conseguimos elaborar uma eficiente com o que conhecemos. O único caminho é entender melhor como fazê-la, ou seja, necessitamos de mais pesquisa básica para tentar ver se uma vacina anti-HIV é possível.

Persiste um sonho: contar com antiviral que debele a infecção, indo bem além da benéfica e parcial capacidade de controlá-la. Lembremo-nos da sífilis, agora menos terrível e curável com a disponibilidade de diversos medicamentos, totalmente ativos. Não imploraremos por mudanças de comportamentos. O HIV sofrerá derrota. O agente motivador da sífilis perdeu feio, se bem que os mecanismos de transmissão continuaram em foco.

Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak são médicos e professores universitários

Estadão.

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