segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A vida das primeiras-damas do crime

A estudante Juliana, de 26 anos, já se sentiu uma heroína. Tinha dinheiro, status, poder e um marido bem-sucedido, romântico e fiel. Sentia medo de poucas coisas, como se estivesse blindada. "Era um sonho. Fui muito feliz. Ele me esperava cheio de amor para dar em todos os domingos de visita", disse ao Estado, sobre o homem forte na hierarquia do Primeiro Comando da Capital (PCC) que foi o grande amor de sua vida. Até o dia em que, do céu, ele a levou ao inferno - ela foi presa, separada da filha e abandonada pelo homem que jurou amá-la e respeitá-la. "Fui visitá-lo na prisão todo domingo, por cinco anos. Ele, no primeiro obstáculo, disse que ?não me amava mais?. Fiquei deprimida, tentei me matar na cadeia..." Hoje, de vida refeita, ela não faz campanha contra o relacionamento de mulheres com presos, mas quer poupar a todas de aprender, na marra, que a mulher não pode perder a dignidade. "Essa é a lição que eu quero passar com a minha história."

Os relatos das primeiras-damas do crime organizado paulista e de mulheres que sofreram todas as humilhações por amarem presos nada importantes ganharam vida no livro Casadas com o Crime, do repórter Josmar Jozino, do Jornal da Tarde, que a Editora Letras do Brasil lança nesta semana.

A obra não glamouriza a vida das poderosas nem vitimiza as pobres coitadas - expõe a força, a fraqueza, a carência e a generosidade da alma feminina. O texto simples consegue aliar as gírias da cadeia a pontos altos de sensibilidade. "Naquele dia, ele ficou doidão e foi dormir já de madrugada, com a cachola repleta de fumaça e o coração cheio de alegria", escreveu Josmar sobre um preso que acabara de se tornar pai.

Na opinião da advogada Alessandra Teixeira, coordenadora da Comissão de Prisões do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), é importante que um livro jogue luz sobre o tema, que ganha importância na mesma medida em que cresce o número de mulheres encarceradas. Nas últimas décadas, de acordo com levantamento do repórter, o número de mulheres presas aumentou 2.597% no Estado.

A conseqüente superlotação das cadeias afronta direitos individuais e desafia a capacidade estatal de tratar a todas com dignidade. "A sociedade tem tolerância com esse desrespeito aos direitos individuais, que acaba sendo uma forma de tortura. O Estado reflete isso. Esse livro certamente terá impacto. O grande desafio é sustentar as discussões e promover mudanças concretas."

Estadão.

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