terça-feira, 14 de outubro de 2008

Varas da infância e juventude

A simples vigência de leis penais generosas, em suas intenções, não significa que elas sejam eficazes no plano social. O caso mais ilustrativo é o da Lei de Execução Penal (LEP), que entrou em vigor em 1984 com o objetivo de oferecer aos condenados as condições socioeducativas que permitam sua reinserção na sociedade. A lei prevê celas individuais, atendimento médico, educação profissional e consagra o "princípio da remissão", pelo qual o preso desconta um dia da pena a cada três de trabalho.

O problema é que o Executivo não dispõe de recursos suficientes para investir no sistema prisional do modo como ele foi concebido pelo Legislativo. Por causa das limitações financeiras dos Estados, a maioria das prisões vive uma realidade oposta à que foi prevista pela LEP. Elas estão superlotadas, a assistência médico-odontológica é precária, não há treinamento profissional nem fábricas suficientes onde os presos possam trabalhar.

O complexo penitenciário paulista, por exemplo, tem 96,5 mil vagas, mas abriga mais de 145 mil presos. Ou seja, opera com uma população encarcerada 50% acima de sua capacidade. Além de dificultar a atuação dos juízes criminais, que não têm para onde enviar os réus que condenam, isso gera um clima de crônica insatisfação entre os presos, uma vez que os direitos que a lei lhes assegura não são respeitados.

O que ocorre com a Lei de Execuções Penais também acontece com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Aprovado em 1990, uma das suas principais inovações foi substituir as medidas punitivo-repressivas previstas pelo antigo Código de Menores para crianças e adolescentes infratores por medidas socioeducativas. Mas, para que possa produzir os resultados almejados, ele depende de investimentos do Executivo em conselhos tutelares e unidades de acolhimento e exige do Judiciário a criação de Varas da Infância e Juventude em número suficiente para atender crianças que se encontram no que o ECA chama de "situação de vulnerabilidade social".

Infelizmente, há um abismo entre essa lei e a realidade. Das 2.643 comarcas existentes no País, apenas 92 - 3,4% do total - têm varas especializadas para aplicar o ECA. O balanço foi feito pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), com o objetivo de pressionar o Judiciário a aumentar o número de Varas da Infância.

No País, a média é de 1 juiz da Infância e Juventude para 438 mil cidadãos. A cidade de São Paulo, contudo, está bem abaixo do índice nacional. Na capital, a média é de 1 juiz especializado para 733 mil cidadãos. E em Santo Amaro, uma região com alto contingente de famílias pobres, existem apenas 2 magistrados para 3,3 milhões de pessoas - uma população equivalente à do Estado do Espírito Santo. Além de aplicar o ECA nos processos envolvendo crianças e adolescentes infratores, esses dois juízes têm de julgar processos de adoção, visitar abrigos, participar de reuniões de conselhos tutelares e atender pais separados que buscam autorização para as viagens de seus filhos.

Nas comarcas onde não há uma Vara de Infância e Juventude, os juízes estão ainda mais sobrecarregados, uma vez que acumulam o julgamento de processos relacionados com várias áreas do direito com casos de menores. "Ao mesmo tempo que estão lidando com um contrato, os magistrados têm de decidir sobre problemas das crianças e jovens. Ninguém consegue ter uma visão tão ampla", diz o juiz Eduardo Melo, presidente da ABMP. Em Ribeirão Pires, cidade de 150 mil habitantes da região metropolitana,o excesso de trabalho no fórum foi apontado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo como uma das causas do equívoco que resultou no caso dos irmãos Igor e João Victor, barbaramente assassinados pelo pai e pela madrasta.

De fato, não basta o Legislativo aprovar leis modernas e bem-intencionadas para beneficiar os segmentos mais carentes da sociedade. Se os poderes Executivo e Judiciário não fornecerem os recursos materiais e humanos que garantam a sua eficácia, as chamadas leis sociais "não pegam".

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