sábado, 25 de outubro de 2008

Sem infra-estrutura, cadeias de Curitiba voltam a receber presos

A falta de vagas no sistema penitenciário forçou o governo estadual a voltar atrás na política de erradicar presos nos distritos policiais. A situação foi anunciada em mensagem de e-mail recebida pelos 13 delegados dos DPs da capital no dia 9 deste mês, que traz a ordem sem rodeios em letras maiúsculas: “REATIVAR TODAS AS UNIDADES CARCERÁRIAS DA DPCAP [Divisão Policial da Capital]”. A resolução faz com que a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) contrarie determinações da Justiça, Vigilância Sanitária e Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Sem contar nas indignação dos policiais, que passam a exercer a função de carcereiro em infra-estruturas precárias.

“Cada um que se vire com seus presos”, foi o entendimento de três funcionários da Sesp que tiveram acesso ao que foi discutido em reunião no DPCAP sobre a reativação. Em resposta a circular, assinada pelo delegado chefe do DPCAP Walter Baruffi Júnior, foram enviados pelo menos quatro ofícios assinados por autoridades policiais – os quais a reportagem teve acesso – atestando as condições ruins.

Em um deles, José* relata aceitar até três vezes a capacidade de sua delegacia – o que por si só vai em contra a lei. Se forçado a acomodar mais presos, promete se colocar em desobediência civil e institucional, mas diz que não aceitará. O delegado divisional adjunto da DPCAP Wilson Alves de Toledo, espécie de braço-direito de Baruffi, compara a situação com dirigir uma ferrari e depois passar para um fusca. “As coisas boas eles [policiais civis] se acostumam rápido. Já as ruins...”, opina.

Nas delegacias não está sendo possível prover visitação, banho, minutos ao ar livre, tratamento adequado para enfermos, entre outras diretrizes previstas na Lei de Execução Penal. O 3º DP (Mercês) é um dos que se enquadram nessa situação. O superintendente da delegacia, Omar Bastos, desabafa: “A pena é perder a liberdade. Não sofrer desse jeito”.

Desde o final de 2007, apenas o 11º (CIC), 12º (Santa Felicidade) e 9º (Santa Quitéria) tinham carceragem, sendo que este último é apenas para mulheres infratoras. A Vigilância Sanitária de Curitiba considera esses distritos sem condições para manter seres humanos e pediu, há mais de um ano, a interdição deles. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão municipal afirma trabalhar em parceria com a Sesp, mas que não foi informado sobre as reativações.

Isabel Kugler Mendes, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR, também afirma não ter sido avisada da circular. “A situação está insustentável. Há tempos que os policiais civis sofrem um desvio de função”, comenta Isabel, sobre a necessidade dos investigadores e plantonistas acumularem a função de carceireiros. Ninguém do Sinclapol, sindicato que representa os policiais civis de Curitiba, foi localizado para comentar o caso.

"Se vira como pode"

As delegacias regionais que deverão voltar a acomodar presos têm, em geral, pequenas celas que deveriam servir para manter os presos por algumas horas até o encaminhamento ao sistema penitenciário. Exceções são o 2º e 4º DPs (Rebouças e Boa Vista), que não tem carceragem. No 6º, 10º e 13º, as celas estão desativadas por determinação da Justiça, porém, no dia 11 deste mês – 48 horas depois da nova ordem – um preso foi mantido na cela insalubre. “Ele ficava desmaiando, estava doente. Três dias depois conseguimos um lugar no [Complexo] Médico [Penitenciário]”, conta Paulo*, policial com experiência em outras delegacias.

Considerado até mesmo por Baruffi como o de situação “mais delicada”, o plantonista Mateus* se vira como pode no 1º DP (Centro). Equilibra em uma mão junto ao corpo dois tubos, uma caixa e uma embalagem de cápsulas, enquanto a outra abre e tranca uma pesada porta de metal que dá acesso ao xadrez. Afirma desconhecer a serventia dos remédios ou qual a doença de três enfermos alojados na delegacia. Para vigiar as duas celas individuais, conta com um televisor de menos de dez polegadas, que ainda por cima tem a tela dividida em quatro quadrados. Em duas das áreas estão imagens em preto e branco e desfocadas dos 17 detentos, dos quais alguns completam mais de dez dias sem banho. “Pelo menos dá para ter uma noção do que eles estão fazendo. Se bobear muito, é fácil de nos render e fazer uma rebelião”, diz Mateus.

Na delegacia do Portão, se tivesse pelo menos uma câmera já estaria “de bom tamanho”, diz o experiente policial Pedro*. O 8º DP, assim como o 1º, tem apenas duas celas individuais, mas já extrapolou o limite em quatro vezes. O plantão, onde se concentram os investigadores, fica a 30 metros da entrada da carceragem – considerado longe por Pedro. O distrito está localizado a uma quadra de um grande shopping. As portas de vidro da entrada da delegacia, exaltadas pelo delegado Toledo como melhoria arquitetônica, agora facilitam uma possível fuga.

Tranqüilidade

Baruffi ressalta que, desde 2006, quando assumiu o DPCAP, não houve fuga de presos em Curitiba. Segundo o delegado chefe, a situação estava “muito pior” antes dele assumir. “A população deve ficar tranqüila. Em breve serão feitas mais vagas [para acomodar os presos]”, diz Baruffi, sem determinar datas. “Claro que não é ideal, mas um policial deve estar sempre de prontidão. Até mesmo fora de serviço”, declara o comandante dos distritos policiais da capital paranaense ao ser questionado sobre a falta de capacitação dos policiais em termos de carceragem. A respeito das condições dos presos, Baruffi também declara que é "temporário".

A Sesp anunciou por meio de nota que recebeu o aval do governador Roberto Requião para licitar a construção de "quantas celas modulares forem necessárias para acabar com os problemas de superlotação nas delegacias de Curitiba e Região Metropolitana".

Gazeta do Povo.

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