sábado, 4 de outubro de 2008

Conheça o trabalho vencedor do "1º Concurso IBCCRIM de Súmulas de Ciências Criminais" -

Conheça o trabalho vencedor do "1º Concurso IBCCRIM de Súmulas de Ciências Criminais" - "ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A PRIMARIEDADE NO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES"

Ivan de Carvalho Junqueira,Bacharel em Direito; - Educador na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA/SP) e Autor dos livros "Dos direitos humanos do preso" e "ABC dos Direitos Humanos" foi o vencedor do 1º Concurso IBCCRIM de Súmulas de Ciências Criminais, realizadodurante o14º Seminário Internacional de Ciências Criminais, entre os dias 26 e 29 de agosto deste ano, peloIBCCRIM. Para conhecer os detalhes desse trabalho, que tem como título "ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A PRIMARIEDADE NO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES", leia abaixo.

1.º CONCURSO DE SÚMULAS DO IBCCRIM

TÍTULO: ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A PRIMARIEDADE NO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES

Diante do adolescente em conflito com a lei, faz-se incabível a imposição de internação em estabelecimento educacional por ato infracional equiparado a tráfico ilícito de entorpecentes, comprovada a primariedade do jovem, por ausência de fundamentação legal.

1. Ao advento da Constituição Federal, de 1988, retomou o país seu viés democrático, após anos de totalitarismo. Tal perspectiva, por assim dizer, representou uma verdadeira mudança de paradigma à seara jurídica brasileira, estabelecendo, por conseguinte, um leque de direitos e de garantias não mais direcionados a este ou aquele indivíduo, mas a todos, indistintamente. No que tange, em especial, à infância e juventude, angariou, de forma expressa, a doutrina da proteção integral, pautada no efetivo reconhecimento, de cada criança e adolescente, como legítimo sujeito de direito, vale dizer, protagonista de sua história.

Em consonância à Magna Carta de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (CF, artigo 227, caput). Destarte, antecipou-se o legislador à própria Convenção sobre os Direitos da Criança, em âmbito das Nações Unidas, de 1989. Em meio a mudanças enfim substanciais, preceitos inovadores acabaram incorporados pelo ordenamento pátrio, em se partindo de uma ética e respeito universais. De acrescentar, também, a ratificação pelo Brasil de importantes documentos: as Regras Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e Juventude (Regras de Beijing), as Diretrizes para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad), bem como, as Regras Mínimas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade.

Como qualquer indivíduo, carecem da devida atenção por parte do Estado, com máxima primazia e dignidade. Ademais da peculiaridade inerente a esta especial condição, qual seja, de pessoa em desenvolvimento, in concreto, direitos outros devem ser observados fazendo jus, crianças e adolescentes, autores ou não de atos infracionais, à plataforma emancipatória dos direitos humanos. Com efeito, é sempre oportuno lembrar: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 1.º).

Quando da promulgação da Lei n.º 8.069/90, passou-se a cuidar de uma só infância, de maneira integral, abandonando-se, em contrapartida, o apregoado pelos antigos Códigos de Menores, de 1927 e 1979, sustentados na doutrina da situação irregular. Ao curso deste período, arbitrariedades sucederam-se, ao cerceamento de inúmeras prerrogativas à adoção de uma política de natureza excludente, centralizadora e assistencialista, não se concebendo sobre devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Ao presente, é fato, “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (ECA, art. 3.º).

Diversamente do usualmente difundido pelos porta-vozes do sensacionalismo, não se presta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) à proteção de “bandidos mirins”. Promove, ao contrário, legítima transformação, não apenas formal, mas, sim, conceitual, à (re)construção político-social do atendimento infanto-juvenil. Introduz, ademais disso, consistente sistema de responsabilização, direcionado não só ao adolescente, quando do conflito com a lei, como à família, comunidade, sociedade e poder público enquanto co-responsáveis.

2. De há muito, infelizmente, dissemina-se no país uma cultura punitiva. À recepção dos deletérios ideários da law and order, patrocinam-se inflamados discursos a clamar, de modo insistente, por maior reprimenda estatal em se tendo por objetivo, não raro, triste abrandamento para com uma série de direitos e garantias, a duras penas, conquistados. Condenações mais severas, tipificação de novas condutas, adoção de prisões perpétuas, quando não, capitais, acabam alardeados a cada esquina, bastando a divulgação dos assim denominados “fatos de sangue”, à expressão de Eugenio Raúl Zaffaroni, para que, uma vez mais, retrógrados pontos de vista venham à tona.

No que se refere à adolescência, como um todo e, muito especialmente, ao adolescente a quem se atribui conduta previamente descrita como crime, faz-se notório, supracitados posicionamentos parecem adquirir ainda mais fôlego. Ilusoriamente, criou-se uma espécie de misticismo ao redor da juventude cujas atuações, invariavelmente, assumem maior repercussão. Tempos depois, temas como redução da idade penal são novamente apresentados, não obstante afirmar-se que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (CF, artigo 228), consistindo, sem embargo, em cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º, IV). Diante deste quadro, tendem a associar inimputabilidade a impunidade. Sob referida ótica, militam que ao adolescente autor de ato infracional não haveria, por suposto, qualquer responsabilização.

Noutra vertente, confrontados os índices de violência e criminalidade no país, ver-se-á, desde logo, que o número total de adolescentes envolvidos é infinitamente inferior ao de adultos autores de delitos.

Mais que isso. Em se analisando quais os bens jurídicos mais ofendidos, cerca de 60% recaem sobre o patrimônio das vítimas à égide de uma sociedade capitalista em que o Ter sobrepõe-se ao Ser. Já os crimes dolosos contra a vida ocupam posição secundária, embora despertem, com desmedido vigor, grandioso clamor social.

Hoje, adolescentes são muito mais vítimas de violência que vitimizadores.

3. É a internação, das medidas socioeducativas disciplinadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a mais drástica delas, retirando o jovem de seu habitual convívio social.

Sem desprezo à natureza jurídica, de caráter sancionatório e conteúdo prevalentemente pedagógico, não há que se supor ser, por isso, menos tormentosa. Sentimentos de medo, ansiedade, angústia, tristeza e desespero caminham juntos, em maior ou menor grau de intensidade, ao curso desta medida, tal como a um adulto. Como em uma penitenciária, referida experiência mostra-se única e intransferível, às palavras de Ana Messuti.

Com relação à internação, propriamente dita, sendo uma medida privativa de liberdade, deve-se sujeitar aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (ECA, artigo 121, caput). De observar que “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada” (ECA, artigo 122, § 2.º).

Ao disciplinar o legislador, no artigo 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente, quais as medidas socioeducativas previstas, não o fez, por evidente, de forma aleatória. Assim sendo, começa na advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade para, somente ao final, dispor acerca da internação em estabelecimento educacional (incisos I a VI).

Como a pena privativa de liberdade, direcionada ao imputável, aplicar-se-á a internação, indissociavelmente, sob o prisma da imprescindibilidade, como ultima ratio, quando da impossibilidade, in concreto, à imposição de medida menos gravosa.

À prática, entretanto, são largamente implementadas. De exceção tornou-se regra. Já em 29 de outubro de 1996, afirmara a Resolução n.º 46, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) que “medidas de internação vêm sendo aplicadas em desobediência ao disposto no art. 122, incisos e parágrafos, tendo como conseqüência, em alguns Estados, um exorbitante número de adolescentes internados”.

4. À letra do artigo 122 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990:

“A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta”.

Fácil denotar-se a não recepção pelo ordenamento pátrio juvenil do episódio aventado, vez que não se enquadra a quaisquer dos incisos anteriormente citados, configurando, in casu, constrangimento ilegal. As supramencionadas hipóteses apresentam-se taxativas e não meramente exemplificativas, tratando-se de numerus clausus, não admitindo, por decorrência, uma única exceção em face do princípio da legalidade, constitucionalmente assegurado.

É cediço, o tráfico ilícito de entorpecentes não implica em grave ameaça ou violência a pessoa, tornando incabível a incidência do inciso I;

Em se tratando de adolescente primário, ou seja, ausente passagem anterior por entidade executora de medida socioeducativa, não há que se cogitar do inciso II;

Finalmente, inconcebível falar-se em eventual descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (inciso III), não configurando internação-sanção.

Toda pretensão assim tendente ao estabelecimento de medida de internação à hipótese ora comentada carece de fundamentação legal, não se fazendo presente às circunstâncias do rol elencado pela legislação especial.[1]

Em que pese enquadrar-se o tráfico ilícito de entorpecentes ao disciplinado pela Lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), ressalvada, deveras, edição da Lei n.º 11.464/07 reparando nítida inconstitucionalidade frente à individualização da sanção, subtraindo a obrigatoriedade, inerente àquela, do cumprimento de pena ao adulto, integralmente, em regime fechado, não se dá por legitimada a imposição de medida privativa de liberdade ao jovem.

Sendo inaplicável a internação, nada obsta, porém, imposição de medida socioeducativa de natureza diversa, como mecanismo bastante à responsabilização dos adolescentes às voltas com a lei.

5. Doravante, a pensar sobre as condições de cumprimento de medida socioeducativa de internação em entidades executoras no país, cujos resquícios irregulares ainda permeiam todo o sistema, em meio a procedimentos obscuros e pouco transparentes, é por demais relevante reduzir-se ao máximo, assim como o disposto em lei, o encaminhamento de adolescentes às suas respectivas dependências que, n’alguns lugares, longe de serem ambientes de caráter pedagógico assemelham-se, ao contrário, às nossas malfadadas e falidas prisões. Ainda hoje, século XXI, mostra-se de preciosa valia a superação de uma verdadeira cultura “menorista”, banindo-se elevada carga de estigmas e preconceitos, os quais, há tempos, persistem no seio da sociedade à terrível desconsideração dos direitos humanos de que são titulares todos os adolescentes.

Ivan de Carvalho Junqueira
Bacharel em Direito
Educador na Fundação CASA/SP
Autor dos livros “Dos direitos humanos do preso” e “ABC dos Direitos Humanos”
ivanjunqueira@yahoo.com.br

[1]Conforme já se decidiu:

“Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional análogo aos crimes previstos nos artigos 12 e 14, ambos da Lei 6.368/76. Medida socioeducativa de internação. Constrangimento ilegal evidenciado” (HC 30.959/RJ, Rel. Min. Paulo Medina, DJ, 24.05.2004).

“Habeas corpus. Pacientes internados. Concedida a ordem para aplicar aos adolescentes a medida socioeducativa de liberdade assistida” (HC 94.334/SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJ, 12.02.2008).

Da lavra do Pretório Excelso:

“Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Tráfico de entorpecentes. Julgamento em liberdade. Matéria não submetida a exame da Corte Estadual. Não conhecimento pelo STJ. Condenação superveniente. Medida socioeducativa de internação pelo prazo mínimo de um ano. Ausência de previsão legal. Constrangimento ilegal” (HC 89.326-1/SP, Rel. Min. Eros Grau, DJ, 06.11.2006).

IBCCRIM.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog