quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Artigo: Segurança pública não é espetáculo, por Eduardo Lima Silva*

Um rapaz armado mantém refém sua ex-namorada em uma grande cidade do interior de São Paulo. As câmeras só conseguem focar o local do cativeiro de longe. Mesmo assim, esse conflito é a razão de horas ininterruptas de cobertura jornalística em mais de um canal. Um drama tratado como um outro programa televisivo qualquer. No centro dos acontecimentos, os refletores estão todos sobre a segurança pública.

Hoje é o caso Eloá. Ontem, foi Isabella Nardoni. Amanhã, haverá outro enredo, mas não será a última trama a receber essa atenção. São os lares brasileiros sendo invadidos por fragmentos da criminalidade e por toda sensação de insegurança que eles proporcionam. Nos meios de comunicação, a qualquer hora, é possível saber da última barbárie perpetrada. Certo mesmo é a chacina, o seqüestro, o latrocínio que será sensacionalmente divulgado no jornal das oito.

Não se pode brigar com as notícias. Elas precisam chegar aos espectadores. Há a liberdade de imprensa e o direito à informação. Necessita-se saber em que mundo se vive. É seguro sair de casa? É preciso proteger a família e a propriedade? Alienar-se ou ser alienado pelos outros é sempre pior. O conhecimento da realidade também é uma questão de segurança pública.

No entanto, junto com a difusão dos fatos tem vindo todo um circo. De horrores. A ausência de contextualização faz com que medos e inquietações se espalhem, atingindo aqueles que estão distantes dos focos da crise. Por vezes, há o reforço de preconceitos e a elaboração de pré-julgamentos. Um episódio como o que resultou na morte trágica de Eloá gera intranqüilidade em todas as latitudes. Se a violência é a principal convergência do noticiário, ela se torna o mais importante mesmo que haja registros de outra natureza.

Por mais mórbido que pareça, sabe-se que crimes e brutalidades mexem com a curiosidade humana. Suas implicações com a segurança pública são de interesse popular. Os problemas começam quando a notícia vira espetáculo. O show não pode parar, mas também não deveria gerar mais insegurança do que a sociedade já é obrigada a conviver. E após espremer o mundo até sair sangue, os apresentadores dos telejornais não poderiam dizer boa noite.

*Jornalista e perito criminalístico

Zero Hora.

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