sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Artigo: MP: parte e custus legis? crise de identidade?

Em primeiro lugar, uma ressalva: falaremos da forma mais simples possível, para que tanto advogados, colegas acadêmicos, quanto grande parte da população, que vê o Direito como uma “CAIXA MÁGICA”, leiam de maneira compreensível. Sabemos que muitas pessoas dirão que este tema está batido. Porém, quem te fizer esta afirmação está esquecendo que o Direito é uma grande fábrica de construções, de interpretações e discussões, isto é, se nem quando o STF fecha uma súmula sobre um determinado tema a discussão não acaba, porque temos que esquecer este tema tão importante para o nosso Direito Penal?

O mesmo é parte no processo que teria o direito subjetivo a invocar a prestação jurisdicional por parte do Estado para que visse seu direito subjetivo tutelado.

O MP busca, como “custus legis”, a convalidação do ordenamento jurídico violado pela ação típica ilícita e culpável de um agente submetido a este ordenamento. Havendo condenação, cumpriria a função supra e, além disso, reforçaria a idéia de prevenção penal no sentido de não tolerar a violação do direito.

Para tanto, seria necessário que ao recebimento da denúncia já fosse certa a ocorrência do delito e de que haveria elementos suficientes sobre a imputação do fato ao denunciado. (daí entra a função do 3º juiz). Com base nisso admitir-se-ia um processo onde o MP seria parte (mas no sentido de custus legis) para que litigue em favor de que seja reconhecida a validade da norma e sua não violação, para resguardar a segurança jurídica.

Todavia há a questão sobre a pretensão condenatória do MP. Buscando isto estaria por pleitear direito subjetivo de outrem configurado no Ius Puniendi. Este direito é exclusivo do Estado, pois proíbe que as vítimas diretas do delito (que, só restaria à elas a pretensão em juízo cível em face desta sistemática de processo penal) exerçam a auto tutela.(?)[1].

Diríamos que o MP está por agir em parte como fiscal da lei quando busca a convalidação da norma violada, todavia, por pleitear (usurpando do) direito do Estado agiria como parte.

Na primeira idéia faz sentido o MP sentar ao lado do Juiz, porém o simples pensamento de que um órgão pode fiscalizar, acusar e investigar nos assusta.

Como já citamos antes, mesmo que alguns entendam a competência do MP para investigar, vemos que não é correto, numa visão garantista, esta atuação. Ainda mais quando, em poucos minutos dentro da doutrina e da prática forense, vemos que o “custus legis” acaba por se tornar uma falácia, visto o interesse direto do MP no resultado da ação. CARNELUTTI[2] nos apresenta, de forma brilhante esta visão:

“... se chama Ministério Público e deveria chamar-se, mais exatamente, acusador. No ordenamento atual do Processo Penal, o ministério público não é essencialmente um acusador; ao contrário, é concebido diferentemente do defensor como um raciocinador imparcial; mas aqui, digo, há um erro de construção da maquina, que também por isso funciona mal; de resto, nove vezes sobre dez a lógica das coisas leva o ministério público a ser aquilo que deve ser: o antagonista do defensor.

Existem várias exceções a esta critica; O Procurador Regional da Republica do Estado de Goiás, Paulo Queiroz[3] escreve à respeito:

“Lembra que, entre teus deveres, não esta o de acusar implacavelmente, excessivamente, irresponsavelmente. Se seguires a Constituição, como é teu dever, e não simplesmente a tua vontade, atenta bem que a tua função maior reside na defesa da ordem jurídica e do regime democrático (CF,art. 127) e não na desordem jurídica, nem da tirania. E defende-la significa, entre outras coisas, fazer a defesa intransigente dos direitos e garantias do acusado, inclusive; advoga-lo é guardar a própria Constituição, é defender a liberdade e o direito de todos , culpados e inocentes, criminosos e não criminosos.....Lembra enfim que és um promotor de justiça, e não da Injustiça”

Infelizmente esta atuação do MP não é a regra, e sim exceção! Para embasarmos a nossa critica, poderíamos adentrar no mundo da sociologia, onde encontraríamos no modelo de sociedade de MAX WEBER a resposta que este modelo é falido. É necessário um novo MP, não investigador, mas que assuma uma das cadeiras: custus legis, ou parte na ação. Pois como diz um ditado popular “ quem senta em duas cadeiras cai no chão”.Nesse sentido, AURY LOPES JUNIOR[4] brilhantemente conclui:

“...o Promotor esta inclinado a acumular tão-somente provas contra o imputado. Ao transformar a instrução preliminar numa via de mão única, esta-se acentuando a desigualdade das futuras partes, com graves prejuízos para o sujeito passivo. É converte-la em simples e unilateral preparação da acusação, uma atividade minimalista e reprovável, com inequívocos prejuízos para a defesa”

Por isso na defesa de um processo laico, que realmente se prenda a Carta Maior e aos princípios norteadores do mesmo, é necessário a construção de um novo modelo de Processo Penal, aonde o MP resolva a sua crise de identidade, decidindo se é um investigador, parte na ação, ou fiscalizador; até porque, é inadmissível que continuemos a assistir um juiz Inquisidor, um fiscalizador que acusa, e, na maioria dos casos, um total ataque aos princípios da constituição. É preciso ousadia; tanto para denunciarmos esta política penal falida, quanto para adentrarmos dentro das academias em busca da construção de um direito mais justo, fraterno e harmônico.

[1] Interessante. O Estado tem o direito de punir , através do processo penal, pois recebeu de todos os membros da sociedade proibindo que estes realizem a auto tutela. Mas que processo visa a pretensão do estado se o nosso processo penal visa a não violação do direito material penal?? Talvez seja besteira, mas...

[2] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. 2.ed. Campinas: Book Seller, 2001.

[3] Citação retirada de uma carta escrita pelo Procurador Paulo Queiroz à um jovem membro do MP ao pedir alguns conselhos a ele. Este material nos foi entregue em mãos pelo próprio Procurador.

[4] LOPES JR, Aury; A crise no Inquérito Policial: Breve análise dos sistemas de investigação preliminar no Processo Penal, Revista da AJURIS, 78, 2000.


Mauricio Moschen Silveira e Andrei Coffy Jacques, Estudantes de Direito/RS


SILVEIRA, Mauricio Moschen; JACQUES, Andrei Coffy. MP: parte e custus legis? crise de identidade? Disponível em: www.ibccrim.org.br. Acesso em: 15 out. 2008.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog