quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Artigo: Interrogatório "on line"

O interrogatório é o único ato processual em que é dada voz ao réu no processo penal. Em outros momentos, ela fala por intermédio de seu advogado, faz reperguntas, argumenta, requer, recorre, sempre por intermédio de seu advogado.

Calado e preferencialmente cabisbaixo, muitas vezes algemado, sentado na ponta da mesa permanece o réu no transcorrer das audiências. Com freqüência, se faz algum meneio com a cabeça, se deixa escapar algum gemido ou gesto, recebe uma admoestação para que se comporte (na verdade, para que não se comporte – para que permaneça inerte). Realmente, é no interrogatório que o réu tem voz e corpo. É pessoa, diria Pedro Armando Egydio de Carvalho.

O interrogatório é o único ato processual em que o juiz dialoga com o réu. Ainda que durante este diálogo perguntas e respostas sejam, via de regra, unilaterais e o assunto venha previamente delimitado pelo teor da denúncia, acontece um diálogo verdadeiro, em que há troca de algo além das palavras. Os gestos, a entonação da voz, a postura do corpo, a emoção do olhar, dizem, por vezes, mais que as palavras. Mensagens subliminares são transmitidas e recebidas dos dois lados, ensejando, por vezes, rumos inesperados.

O avanço da tecnologia e da informática vêm gerando revoluções altamente positivas no mundo jurídico. Mas tem prestado alguns desserviços à Justiça. Substituir o interrogatório, o encontro de pessoa a pessoa por um encontro tela a tela pode ser um progresso em termos tecnológicos mas é um retrocesso em termos humanitários.

Motivos de ordem jurídica poderiam ser arrolados em contraposição aos argumentos pragmáticos ensejadores do interrogatório "on line". Só como exemplo, a Convenção de São José da Costa Rica garante que toda pessoa tem direito de ser ouvida – e não lida – por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial. Certamente haverá quem faça esta abordagem legalista de forma mais precisa. Aqui, é o olhar que importa.

Alguns argumentos de ordem prática são óbvios e logo lembrados: é mais rápido, é mais barato. O réu não precisa ser levado ao fórum – é o fim do problema das escoltas. Outros, ficam por trás das palavras não ditas: o interrogatório é mera formalidade; afinal, todo réu vem contar a mesma história. Mas não pode haver economia, de tempo ou dinheiro, a tão alto custo. Que se repita "ad nauseam" a versão do ponto de ônibus ou da visita à tia ou amigo. Nada disso importa. Importa o olhar. Importa olhar para a pessoa e não para o papel.

Os muros das prisões são frios demais. Não é bom que estejam entre quem julga e que é julgado.

Ana Sofia Schmidt de Oliveira
Procuradora do Estado e membro do Conselho Peniteniário

OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. Interrogatório on-line. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.42, p. 01, jun. 1996.

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