segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Artigo: Embriaguez ao volante na nova lei de trânsito e o princípio da ofensividade

A imprensa nacional tem dispensado grande parte de seu espaço jornalístico à nova lei de trânsito (Lei n.º 11.705, de 19 de junho de 2008). O interesse da imprensa, por óbvio, reflete a grande curiosidade que a população tem demonstrado pela alteração legislativa.

Com o advento da reforma legislativa, surgiram muitas dúvidas a respeito da aplicação da legislação. Quais as sanções penais e administrativas aplicáveis? É obrigatória a submissão ao teste do bafômetro? Há possibilidade de prisão pela recusa?

Qual a quantidade de álcool tolerável? Neste artigo se buscará esclarecer estas dúvidas de forma a direcionar uma postura segura em relação ao álcool e ao trânsito.

Como forma de iniciar a discussão é importante fazer a distinção entre o crime e a infração administrativa de embriaguez ao volante. O crime de embriaguez ao volante está previsto no artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro: "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".

A pena aplicável a este delito é de seis meses a três anos de detenção, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Já a infração administrativa de embriaguez ao volante é assim descrita: "Art. 165. Dirigir sob influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".

A lei considera esta infração gravíssima, sendo cabíveis as penalidades de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por doze meses, além das medidas administrativas de retenção do veículo até que pessoa habilitada venha retirá-lo e recolhimento de documento de habilitação.

O motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro? No sistema jurídico penal brasileiro ninguém pode ser coagido a produzir provas contra si. Desta forma, o motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro, bem como a realizar o exame de sangue.

O simples fato da recusa não é crime e tampouco gerará a prisão do motorista. Entretanto, a lei deixou claro que aquele que se recusar a fazer o teste do bafômetro responderá administrativamente e poderá ser punido com multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses.

Destaque-se que a aplicação destas penalidades depende de instauração de processo administrativo, onde será dada ao motorista a oportunidade de se defender, como acontece com qualquer multa ou penalidade prevista na legislação de trânsito.

No ato da autuação, como medida administrativa, a autoridade policial deverá apreender a carteira de habilitação e reter o veículo até que um condutor habilitado venha retirá-lo.

Conforme estabelece o artigo 277, § 2.º do Código de Trânsito Brasileiro, a infração de dirigir sob a influência de álcool "poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor".

Assim, o testemunho dos agentes ou o relato de pessoas que estejam presentes no ato da fiscalização de trânsito, pode ser suficiente para a caracterização da infração administrativa.

No que se refere ao crime de embriaguez ao volante, a lei não trouxe expressamente esta possibilidade de aferição indireta da embriaguez. Entretanto, nada obstará a prisão em flagrante quando o estado de embriaguez do motorista estiver claramente evidenciado por meio de "notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor".

Deixando de lado a prática e trilhando agora caminhos mais teóricos, importante tecer alguns comentários a respeito de uma discussão decisiva a respeito da configuração ou não do crime de "embriaguez ao volante".

Após a publicação da nova lei de trânsito, muito se tem discutido a respeito dos requisitos necessários para a configuração do delito de embriaguez ao volante. Segundo os termos do artigo 306 do CTB são duas as condutas incriminadas: a) conduzir veículo automotor na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas e b) conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Em relação à segunda conduta não há dúvidas que para a caracterização do crime há necessidade de se estar dirigindo "sob influência" de qualquer substância psicoativa (cocaína, maconha, etc.), ou seja, é preciso que o motorista esteja dirigindo de forma anormal, seja fazendo zig-zag, furando sinal ou outras formas de direção perigosa.

A discussão se concentra na primeira conduta, vez que a lei silenciou a respeito da necessidade de se estar dirigindo "sob a influência" de álcool. Ao se fazer uma interpretação apressada e superficial sobre a primeira parte do artigo, pode-se chegar à conclusão de que basta o motorista estar dirigindo com concentração de seis decigramas ou mais de álcool no sangue, para que esteja configurado o crime de embriaguez ao volante.

No entanto, se fizermos valer esta interpretação, estaremos admitindo a existência de crime de perigo abstrato, ou seja, crime que efetivamente não fere bem jurídico algum.

A missão principal do direito penal é, sem dúvida, a proteção dos bens jurídicos necessários ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo, tais como a vida, o patrimônio, a honra, a saúde pública.

Sendo assim, de forma geral, estará praticando um crime aquele que realizar a conduta ilícita descrita na norma penal e lesionar de algum modo o bem jurídico por ela tutelado.

Esta interpretação implica em afirmar que não basta praticar o ato descrito na norma penal, é necessário também ofender o bem jurídico tutelado pela norma, que no caso do crime de embriaguez ao volante é a segurança viária.

Portanto, o princípio da ofensividade nada mais é do que a garantia constitucional, derivada do princípio da dignidade da pessoa humana, segundo a qual ninguém será penalizado sem a efetiva lesão a um bem jurídico. Em verdade, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, o princípio da ofensividade é pressuposto para que surja o direito de punir do Estado.

Autores como o professor Luiz Flávio Gomes vêm defendendo que se comete um grave erro ao prender o condutor do veículo toda vez que estiver dirigindo com seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue, pois a existência do crime de embriaguez ao volante pressupõe não só o estar bêbado, mas também estar dirigindo anormalmente.

Este entendimento deve ser estendido também às infrações administrativas, ou seja, apenas pode ser autuado o motorista que além de estar dirigindo com concentração de álcool no sangue, esteja dirigindo de forma anormal.

Neste sentido vale destacar que o artigo 165 do CTB, que descreve a infração administrativa de embriaguez ao volante, exige para sua configuração que o motorista esteja dirigindo "sob a influência de álcool", não sendo razoável, portanto, autuar o motorista que embora com certa quantidade de álcool no sangue esteja dirigindo de forma prudente.

Portanto, ao nosso sentir, só poderá haver prisão em flagrante pelo crime de embriaguez ao volante e autuação por infração administrativa, caso o motorista além de estar com concentração de álcool no sangue (acima de seis decigramas no caso de crime), estiver dirigindo de forma anormal, causando risco concreto à segurança viária.

Everton Jonir Fagundes Menengola é especialista em Direito Penal e Criminologia pela UFPR e advogado criminalista.

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 19/10/2008.

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