terça-feira, 7 de outubro de 2008

Artigo: Desacato à autoridade. No caso, ocorre?

Ultimamente, tenho me perguntado no que consiste o crime de desacato a autoridade e até mesmo quem pode ser enquadrado nessa categoria de pessoas que, dependendo de seu grau de sensibilidade, pode se sentir ofendida por qualquer cobrança que seja feita pelo cidadão.

Antes de mais nada, confesso que tenho certa implicância com esse tipo criminal, por três razões fundamentais.

A primeira - porque vivemos, o que é de conhecimento geral, no estado de direito e democrático, onde há igualdade formal de todos perante a lei (artigo 5.º da CF).

No regime democrático "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." (parágrafo único do artigo 1.º da CF). Logo, a maior autoridade é o povo, do qual faço parte. Portanto, comete o crime aquele que o desrespeita, não importando a posição que ocupe na hierarquia.

A segunda - é que a idéia de autoridade é muito subjetiva e muito vaga, permitindo que qualquer pessoa que se veja investida na mais modesta das funções da área pública, considera-se autoridade, sujeita a ser desacatada por alguma manifestação do cidadão que, indignado com algum absurdo, se atreva a reclamar ou cobrar alguma coisa. Manifestações nesse sentido são observadas cotidianamente.

A terceira todo dia são observados atos/atitudes de autoridades desacatando o cidadão, seja no descumprimento das promessas feitas, seja no descumprimento da lei, inclusive, das Constituições (Federal e Estaduais) que todos prometem cumprir e não as cumpre.

Faço um esclarecimento, para evitar interpretações outras se, por acaso, eu estiver errado nestas minhas observações: como advogado, não atuo na área penal/criminal, minha atuação limita-se, especialmente, à área cível, genericamente, falando.

Contudo, não resisti em falar alguma coisa sobre o inusitado crime de desacato à autoridade, previsto no artigo 331 do Código Penal, com a seguinte redação: "Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa."

Meu interesse no assunto nasceu do fato de vir observando em cartórios de algumas Varas da Justiça Estadual, um aviso com a transcrição desse dispositivo legal.

Minha atenção despertou, porque tenho dúvidas a quem se dirige o aviso, em especial, porque os advogados que freqüentam as instalações da Justiça, por dever de ofício, têm conhecimento da existência desse esquisito crime e, de modo geral, agem com educação e respeito.

Foge à minha compreensão, também, qual a autoridade poderia ser desacatada nos balcões dos cartórios, até mesmo porque seus titulares (Cartorários), raramente, aparecem para saber o que se passa nos balcões e verificar se os encarregados do atendimento ao público estão prestando um serviço minimamente decente. Afinal, todos estão ali para atender a sociedade, porque é esta quem remunera os serviços prestados.

Será que se pode entender que os atendentes, merecedores do respeito de todos, em boa parte, jovens ainda freqüentando os cursos básicos, mal remunerados e sem treinamento, nem mesmo estagiários de direito são, poderão ser enquadrados no figurino de autoridade? Acho que não, seria alargar demais o conceito.

Na condição de advogado militante, ao aviso ameaçador, contraponho o artigo 133 da Constituição Federal, segundo o qual "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

O dispositivo constitucional, deixe-se claro, não representa um salvo-conduto para que o advogado saia por aí cometendo arbitrariedades ou desacatando autoridades, apenas dar-lhe a autoridade necessária para exigir tratamento respeitoso e condizente com a importância de sua missão para com a sociedade.

Cabe ainda contrapor ao mencionado artigo 331 do Código Penal, a meu ver invocado de forma equivocada por quem teve a péssima idéia de colocar o indigitado aviso nos cartórios judiciais, como ameaça àqueles que são pessimamente ali atendidos, o artigo 2.º da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto do Advogado), que tem o mesmo sentido da citada norma constitucional e deixa claro que o advogado, além de indispensável à administração da justiça, presta serviço público, exerce função social e seus atos constituem múnus público.

Vejam que não me referi aqui aos Magistrados que não gostam de ver embargadas suas decisões, mesmo quando as decisões não claras, tomando os embargos declaratórios como ofensas pessoais, e, ainda aqueles que se recusam a receber advogados, tema que estar a merecer atenção especial por parte da OAB e que não é objeto do presente desabafo.

Lanço, então, meu protesto contra o que considero uma agressão aos advogados e a todos aqueles que freqüentam os cartórios judiciais, seja no exercício profissional, seja em busca de informações sobre processos de seus interesse o aviso com a transcrição do artigo 331 do Código Penal.

Finalizo, perguntando: será que existe o crime de desacato quando os advogados e as partes manifestam sua contrariedade com o péssimo atendimento que vêm recebendo em alguns cartórios judiciais?

Antônio Dílson Pereira é advogado e professor de Direito Civil da Unicuritiba.

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 05/10/2008.

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