quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Artigo: Da transação penal e sua aceitação

Com o advento da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, significativas mudanças foram instituídas em nosso ordenamento jurídico-penal.

Dentre tantas inovações, merece registro o instituto da transação penal disciplinado no art. 76 da citada Lei, que, sem sombra de dúvidas, rompe em definitivo com o nosso tradicional sistema, representando uma das maiores transformações do processo penal pátrio.

Neste breve espaço gostaríamos de enfocar a questão da aceitação da proposta de aplicação imediata da pena restritiva de direito ou multa, nos casos em que haja conflito entre a vontade do autor do fato e a vontade de seu defensor.

Estabelece o parágrafo terceiro do artigo 76 da Lei 9.099/95 que:

"§ 3º - Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do juiz" (o destaque é do subscritor desta).

Note-se que o texto legal reclama expressamente que a proposta seja aceita pelo autor do fato e seu defensor, vez que se utiliza da conjunção aditiva "e".

Assim, em havendo dissenso entre a vontade do autor do fato que se mostre favorável à aceitação da proposta e a vontade de seu defensor que entenda que ela não deva ser aceita, como proceder? Qual delas deve prevalecer? A do autor do fato, que em regra, é leigo ou a de seu defensor?

A Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, incumbida de formular conclusões sobre a interpretação da Lei nº 9.099/95, manifestou-se no seguinte sentido:

"Décima quinta conclusão: Quando entre o interessado e seu defensor ocorrer divergência quanto a aceitação da proposta de transação penal ou suspensão condicional do processo, prevalecerá a vontade do primeiro."

Ousamos, contudo, apresentar ponto de vista oposto ao esposado pela douta comissão.

É da essência do nosso sistema a garantia de assistência jurídica a todos os acusados. Ressalte-se que é a própria Constituição Federal quem assegura aos acusados a ampla defesa, determinando que nos processos criminais sejam assistidos por advogados.

No que tange à Lei 9.099/95, segundo a unanimidade dos doutrinadores, mesmo na fase preliminar, embora não exista ainda acusação, há necessidade de que o autor do fato seja, obrigatoriamente, assistido por advogado.

Aliás, registre-se que a própria Lei 9.099/95, em seu art. 68, estabelece que:

"Art. 68: Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á nomeado defensor público" (o destaque é do subscritor desta).

Vê-se, assim, que a assistência de advogado é imprescindível à aplicação das prescrições da lei. E mesmo na fase preliminar do procedimento (antes da acusação formal) já existe a obrigatoriedade da participação do defensor.

Ora, se a assistência do defensor é imprescindível e, sendo, certo que é ele quem detém o conhecimento técnico e está ali justamente para defender os interesses de seu assistido, não é sensato pretender prevaleça a vontade do assistido, leigo em regra, sobre a sua.

Entendemos estar o defensor, em razão de seu conhecimento técnico, em melhores condições que o assistido (leigo) para avaliar acerca da conveniência da aceitação da proposta.

Além do mais, não nos parece razoável crer que a lei, em um primeiro momento, exija a intervenção de um profissional habilitado para assistir o autor do fato e, posteriormente, justamente no momento em que este profissional vem a atuar efetivamente emitindo seu parecer sobre a proposta, desconsidere totalmente sua opinião e acate o desejo do assistido (leigo). Por que então exigir-se a atuação do causídico?

E nem se diga que a atuação do defensor estaria voltada apenas a prestação de esclarecimentos ao autor do fato acerca das conseqüências da aceitação da proposta de transação, cabendo a ele (autor) a decisão final. Não, não nos parece esta a melhor interpretação, eis que desprovida inclusive de senso prático.

Ora, se a atuação do causídico fosse assim tão limitada, não teria sentido a obrigatoriedade de sua intervenção desde a fase preliminar, pois o próprio magistrado poderia muito bem prestar todas as informações e esclarecimentos que o interessado eventualmente necessitasse. Seria absolutamente desnecessária a participação do defensor.

Por fim, registre-se que, caso o autor do fato não confie ou tenha qualquer outro motivo para suspeitar da orientação recebida por seu patrono, poderá constituir um novo causídico de sua inteira confiança ou pedir a nomeação de um outro.

A nosso ver, não há como desconsiderar-se pura e simplesmente a proposição do advogado.

Marcos Antonio Jorge, Advogado da FUNAP e advogado militante na comarca de Cubatão

JORGE, Marcos Antonio. Da transação penal e sua aceitação. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.43, p. 05, jul. 1996.

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