sábado, 25 de outubro de 2008

Artigo: As novas tendências para o processo penal

1. Noções Gerais

Após a Segunda Guerra Mundial profundas transformações no cenário politíco ocidental ocorreram, quer no âmbito interno, quer no internacional, repercutindo-a nova onda de valores na forma de operacionalizar o sistema persecutório penal.

Basicamente as nações da Europa continental reestruturam em primeiro lugar suas constituições(1) para, num segundo momento, forçosamente mais lento e sujeitos a avanços e retrocessos, edificar códigos processuais penais locais (2) que, numa visão de conjunto, apresentam traços comuns e podem ser apresentados não mais exatamente como uma tendência, mas como pontos consolidados.

Por outro turno, em nível internacional cresceu em importância a celebração de tratados que têm como objetivo a salva-guarda de direitos humanos e que apresentam em seu conjunto o interesse inquestionável sobre o processo justo(3).

2. Modelo acusatório

Após a inclinação inquisitórial verificada nos anos antecedentes à Segunda Guerra e que tem como ponto central o Código Rocco italiano(4) com suas conseqüentes influências, o modelo inquisitório perde definitivamente espaço para a feição acusatória, com a separação nítida de funções entre o órgão promovente da ação penal e o julgador, além de retirar o acusado (ou suspeito) da condição de objeto do processo para alçá-lo a sujeito de direitos na relação processual(5).

3. Juíz

Uma vez separado o órgão julgador do promovente da ação penal, fica reservado o novo papel ao magistrado, que não é o de interferir na investigação penal (infra, nº 6) ou atuar como verdadeira parte no processo, agindo em nome de uma cega busca da verdade real.

Agora, sobre tudo, aparece como verdadeiro guardião dos direitos constitucionalmente estabelecidos para a realização de um devido processo legal.

Na visão do processo de partes, como também é enunciado o modelo acusatório, o juiz não é inerte como se pode inicialmente presumir, mas um ativo defensor das conquistas políticas estampadas no processo penal(6).

4. Ministério Público

O Ministério Público ganha definitivamente a posição de parte no processo penal, distinguindo-se da figura do juiz na promoção da ação penal, bem como sendo responsável pela preparação da mesma, nesta fase sendo auxiliado pela polícia judiciária que, em muitos casos, atua diretamente sob sua coordenação hierárquica(7).

5. Investigação Preparatório

Como o novo modelo abandona-se definitivamente a figura do ajuizado de instrução, que durante tanto tempo foi considerada como essencial à persecução penal. O juiz que atua nesta fase não é mais o investigador, mas o responsável pela observância aos direitos constitucionais e é freqüentemente chamado a atuar em incidentes jurisdicionais quando em jogo estiver qualquer invasão a esses mesmos direitos. A polícia judiciária permanece como auxiliar do titular da ação penal e, como já salientado, em muitos casos a ele (Ministério Público) diretamente subordinada(8).

6. Procedimentos

Firma-se como uma necessidade a existência de procedimentos diferenciados em face dos delitos cometidos. Já não se concebe mas a possibilidade de colocar-se no mesmo contexto aquilo que entre nos denominamos de pequena, média e grande criminalidade. A flexibilização do procedimento em face do direito material corresponde a uma necessária evolução do processo penal, fazendo eco assim ao mesmo entendimento esposado no processo civil(9).

7. Prova

Poucos temas apresentam tão caloroso debate quanto o das provas e, mais exatamente, o das provas ilícitas e sua admissibilidade ou não no processo. Trata-se de questão em aberto cuja solução depende de vários fatores (v.g. tipo de criminalidade enfrentada). De forma geral, mas sujeita a muitas exceções, a prova ilícita não deve ser admitida. Remanesce, contudo, a utilização ou não das provas que são lícitas, mas derivadas de uma ilícita. Não se pode concluir que majoritariamente haja um inclinação para a aceitação ou repulsa(10).

8. Decisões e duplo grau de jurisdição

O duplo grau de jurisdição aparece como uma condição de existência de um devido processo legal. Nos países que não o prevêem expressamente resta a introdução no modelo através dos tratados internacionais, que sempre postulam a possibilidade de revisão das posições judiciais.

A abrangência do recurso, se limitada a questões de fato ou de direito ou apenas a estas últimas, variará de acordo com o sistema interno, podendo-se sentir no âmbito da common law uma inclinação limitadora.

Notas

1. Assim, tivemos as reformas italiana, francesa a alemã logo em seguida do término da Guerra tardiamente, quando da superação dos regimes autoritários, Portugal e Espanha tiveram suas reformas nasdécadas de 70 e 80. Mesmo o Brasil conheceu a reforma de 1946, sempre saudada como um dos grandes momentos da democracia entre nós.

2. A reforma penal italiana, longa mas proficua, durou quase 20 anos, vingando em 1988. Antes, em 1975, a Alemanha já havia providenciado uma reforma substancial em sua estrutura processual penal, o mesmo tendo ocorrido em Portugal. O final da década de 80 e início de 90 conheceu inúmeras reformas na América Latina, com os novos códigos Argentinos provinciais e nacionais, além da finalização do trabalho teórico conhecido como Código Modelo para Ibero-América.

3. Veja-se a Convenção Interamericana dos Direito Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969; Convenção Internacional para Direitos Civis e Políticos (1966); Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (1959).

4. Chiavario, Mario, "Procedura Penale – 1n codice tra 'storia e cronaca', G. Giappichelli Editore, Torino, 1994, esp. parte 1ª.

5. Veja-se o nosso "A Ordem Constitucional e o Processo Penal", in Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 08. Também Salas, Denis, "Du procés penal", PUF, Paris, 1992.

6. Referências quanto a esta observação podem ser encontradas em Delmas-Marty, Mireille, "Procédures Pénales d'Europe", PUF, Paris, 1995, com especial ênfase para o modelo alemão, italiano.

7. Mesmo na Inglaterra, que até 1985 não conhecia uma instituição nos moldes do Ministério Público, criou o Crow Procecution Service nos mesmos termos do Parquet continental. Neste sentido, Ashworth, Andrew, "The criminal process - an evolutice study". Caledon Press, Oxford, 1995.

8. Veja-se o nosso "Garantias Constitucionais na Investigação Criminal", SP, RT, 1995, especialmente cap. 02 e 10. Para um quadro comparativo das estruturas policiais nos Estados Unidos, Irlanda do Norte, Israel, África do Sul e China, consultar Brewe, D. John et alii , "The police - public order and the state", St. Martin's Press, New York, 1996, 2ª ed.

9. Neste sentido a nossa recente lei de criação dos Juizados Especiais Criminais (9.099/95). No sistema italiano, consulte-se Marty, op. cit., p. 289 e segs. No modelo inglês. Ashworth, op. cit.

10. Veja-se Delmas-Marty, op. cit. Para a Inglaterra, Murphy, Peter, "Evidence", Blackstone Press Limited, Londres, 5ª ed., 1995. Numa visão comparativa, Chase, O. G., "Legal Process and National Cultures", in First World Conference on New Trens in Criminal Investigation and Evidence, Haia, 1995. Ainda, Dianu, T., "Collecting evidence in the Human Rights Cards System".

Fauzi Hassan Choukr Promotor de Justiça, mestre em Direito Processual Penal e professor na USJT

CHOUKR, Fauzi Hassan. As novas tendências para o processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.45, p. 13, ago. 1996.

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