quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Proibição da prova ilícita e o direito de punir

Até que ponto direitos individuais devem se sobrepor ao direito de se punir um criminoso?

Infringir uma lei para provar um crime é certo ou errado? E se o crime é grave, e essa infração parece ser mínima diante dele? E se essa parece ser a única forma de se provar o crime e punir o seu autor? A lei 11.690, que entrou em vigor no mês passado, veio regulamentar algo que a própria Constituição já previa: a prova ilícita não deve ser utilizada em hipótese alguma.

Para Carlos José Cogo Milanez, professor de Direito Penal na Universidade Estadual de Londrina (UEL), essa proibição é uma forma de tentar preservar direitos individuais do cidadão. ''Se se permite a prova ilícita está-se violando direitos garantidos pela Constituição. E não se deve permitir a violação dos direitos humanos em hipótese alguma'', argumenta.

Diante da hipótese de isso permitir injustiças, como a não punição de alguém comprovadamente culpado porque a prova existente foi obtida de maneira ilícita, Milanez lembra que, por outro lado, produzir uma prova ilegalmente pode prejudicar tanto as vítimas quanto os réus. ''Uma pessoa pode confessar sob tortura algo que não cometeu. Isso seria injusto para o réu e para a sociedade'', exemplifica.

Historicamente, até a Constituição de 1988, não havia nenhuma lei que proibisse o uso de uma prova ilícita. ''Tanto que há julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) anteriores a 1988 reconhecendo o uso dessas provas'', afirma o professor. A proibição da prova ilícita veio no inciso 56 do artigo 5º da Constituição. A partir daí, surge então uma discussão no meio jurídico sobre o que deveria prevalecer no processo penal: o direito do Estado de punir quem praticou o crime ou direitos individuais como de intimidade, sigilo de correspondência e outros.

Assim, mesmo após a Constituição proibir o uso de provas obtidas ilicitamente, alguns tribunais chegaram a admitir algumas dessas provas, respeitando o princípio da proporcionalidade - o interesse público de ver o criminoso punido prevalecendo sobre o privado. Milanez conta que a discussão jurídica sobre o tema prolongou-se por 20 anos, até que a lei 11.690 viesse regulamentar o assunto, proibindo terminantemente o uso da prova ilícita e prevendo o desentranhamento (a retirada) dessas provas de um processo. ''Além disso, a prova derivada de uma prova ilícita também passou a ser considerada ilícita, seguindo a teoria dos frutos da árvore envenenada: se a árvore está envenenada, seus frutos também estão'', explica o professor.

Para a promotora Susana de Lacerda, da 1 Vara Criminal de Londrina, essa definição das provas derivadas foi um dos maiores avanços trazidos pela nova lei. Mas a promotora faz uma ressalva: se essa prova derivada pudesse ser conseguida por outros meios lícitos, ela pode valer como prova. Assim, a derivada será válida se também advir de uma fonte lícita, se não for comprovado que ela é resultado direto da ilícita ou se, em tese, seria obtida independente da produção da prova ilícita.

Susana ressalta ainda que, embora não haja uma previsão explícita no dispositivo legal e a regra seja a não permissão, a prova ilícita pode ser utilizada se for em benefício do réu. Assim, se eu sou o réu, mas faço o verdadeiro culpado confessar o crime e gravo essa confissão ilicitamente, essa gravação serve para ajudar a me absolver, mas não para condenar o outro. ''O Direito Penal lida com a liberdade do indivíduo. E o sistema estabelece que é melhor deixar um culpado solto do que um inocente preso'', justifica.

Embora a produção de provas lícitas muitas vezes esbarre na morosidade da justiça (para autorizar uma escuta telefônica ou um mandado de busca e apreensão, por exemplo), o professor Milanez é categórico ao afirmar que essa demora não é justificativa para se violar direitos. Para ele, além de garantir direitos do cidadão, a lei vai contribuir para dar mais agilidade ao processo. ''Isso vai evitar discussões que se arrastavam por anos, se se podia ou não usar determinada prova. Vai acelerar o andamento processual simplificando o julgamento'', avalia.

Mas até que ponto direitos individuais devem sobressair sobre a punição de um criminoso, que beneficiaria toda uma sociedade (principalmente em delitos mais graves, como crimes organizados ou contra a vida)? ''Quanto a isso, o dispositivo é omisso, e não coroou a utilização da prova ilícita em prol da sociedade. Alguns autores dizem ser possível, outros não. A regra é a não utilização'', afirma Susana, acrescentando que seria preciso estabelecer parâmetros para poder utilizar a prova ilícita em prol da sociedade.

Folha de Londrina.

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