sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Política de drogas: da Argentina, olhares aos vizinhos

A segunda quinzena de agosto foi marcada por um triplo assassinato que chocou a Argentina e desvendou uma rede de narcotráfico no país que pode envolver juízes e membros do governo. Três empresários assassinados em uma suposta cobrança de dívida acabaram por desenterrar uma trama que envolve tráfico de influências e de drogas no país no momento em que os argentinos discutem reformas na atual lei de drogas, datada de 1989. No calor desse acontecimento, aconteceu a VI Conferência Nacional sobre Política de Drogas, em Buenos Aires, entre 25 e 26 de agosto, na Câmara de Deputados da Nação.



O Brasil na conferência



Organizado pela Intercâmbios Associação Civil, o evento reuniu pesquisadores internacionais do tema, entre eles o brasileiro Denis Petuco, da Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos (Aborda) e Regina Bueno, da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc).



Os dois apresentaram um relatório redigido pelas duas organizações que teve como objetivo fazer uma avaliação paralela à das Nações Unidas sobre a situação do Brasil em relação à aplicação da lei de drogas e suas conseqüências. Estruturado em quatro eixos analisados por diferentes integrantes das duas organizações, o documento trata do movimento social de redes de redução de danos, de violência estrutural e política de drogas, políticas de saúde para consumidores e cidadania de usuários de drogas.



“Ainda que o texto da nova lei seja avançado em termos de flexibilização das penas para usuários, existe uma contradição entre ele e a aplicação e o planejamento de políticas de saúde e de repressão às drogas”, critica Petuco.



Para Regina Bueno, no entanto, a nova lei representa um avanço do Estado na direção de um tratamento mais humano ao usuário de entorpecentes. “A redução de danos está incluída no texto da lei e há incentivos para o trabalho de redutores de danos”, pondera, considerando que é um primeiro passo importante.



Reforma não é consenso na Argentina



O Ministro da Justiça, Direitos Humanos e Segurança da Argentina, Aníbal Fernández, apontou para a intenção do governo de Cristina Fernández em flexibilizar a lei de drogas no país. “Nossa política de drogas está marcada pelo combate ao narcotráfico, por uma política de prevenção honesta e por um forte trabalho de tratamento e redução de danos”, afirmou o ministro, que já havia marcado posição contrária à política proibicionista em um debate temático durante a 51ª Sessão da Comissão de Estupefacientes (CND, na sigla em inglês), realizado em março na Áustria.



O ponto controverso da política oficial argentina em relação a drogas ilegais foi exposto pelo deputado Leonardo Gorbacz, integrante da Comissão de Prevenção de Dependências e Controle de Narcotráficos da Câmara Federal. Segundo Gorbacz, apesar de combativas, as declarações do ministro Aníbal Fernández são incompatíveis com a existência do Sedronar, uma secretaria nacional que coordena políticas de drogas na Argentina. “Enquanto Cristina Fernández e o ministro defendem a descriminalização das drogas, o secretário (José Ramón Granero) se declara contra, implementa políticas repressivas e segue no cargo”, aponta Gorbacz.



Para o deputado, o Sedronar trata de questões sanitárias, que deveriam estar a cargo do Ministério da Saúde, e de questões legais, sem ter uma força de segurança vinculada, o que faz com que não atue de maneira efetiva em nenhuma das duas frentes.



Para Horacio Cattani, juiz e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), a Argentina tem leis desproporcionais ao problema quando o assunto é drogas. “Não saímos dos anos 1990”, afirmou Cattani, em alusão à data da lei de drogas. Para o juiz, a lei de 1989 manteve a base de leis promulgadas nas décadas de 1960 e 1970, ampliando a base repressiva com a incorporação de tratados internacionais.



América Latina caminha com os próprios pés



Coletta Youngers, que foi diretora do projeto Drogas, Democracia e Direitos Humanos da Oficina de Washington para América Latina (Wola), criticou a guerra contra as drogas travada ao longo das duas últimas décadas “Com o fim da guerra fria, a guerra contra as drogas serviu como desculpa para presença militar norte-americana na América Latina”, analisa.



“A política de guerra às drogas impulsionada pelos Estados Unidos desestabiliza governos democráticos, com prejuízos ao desenvolvimento da democracia a longo prazo; deteriora liberdades civis; militariza forças policiais; distorce sistemas penais locais e causa violência política”, afirmou.



Como exemplo do fracasso da política de repressão às drogas implementada pelos EUA na América Latina, Coletta avaliou o Plano Colômbia, que depois de US$ 6 bilhões investidos obteve resultados como um aumento de 27% no cultivo de coca na Colômbia entre 2006 e 2007, como anunciou a ONU em junho.



No entanto, Coletta ressaltou mudanças na América Latina a partir de 2005, quando afirma que novos governos passaram a implementar alternativas políticas mais eficazes e humanas no tratamento à questão das drogas. Como exemplos da nova tendência, a analista citou Brasil, Uruguai, Bolívia e Argentina.



Coletta defendeu uma política alternativa que não vincule ajuda econômica à redução de índices; que se baseie na aplicação da lei por meio de processos judiciais por narcotráfico e corrupção; no desenvolvimento de forças armadas, policiais e judiciais sob a perspectiva dos direitos humanos; na redução da demanda, principalmente nos EUA, através de programas de prevenção, reeducação e reabilitação e no enfrentamento do consumo como uma questão de saúde.



Apesar do aumento da ação de ONGs que trabalham com redução de danos e expansão desse serviço na região, a presidente da Intercambios e pesquisadora da Faculdade de Ciências Sociais da UBA, Graciela Touzé, afirma ser necessário um maior equilíbrio entre o enfoque na oferta e na demanda e práticas mais sensíveis à cultura local, desenvolvidas em âmbitos regionais.

Comunidade Segura.

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