segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Lei seca não vale só para o álcool

Policiais serão treinados para identificar quem dirige drogado, o que é crime com pena de seis meses a três anos de prisão

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) pretende treinar policiais para que eles identifiquem motoristas sob efeito de drogas. O treinamento faz parte de um projeto de abrangência nacional e que se desdobra em nove diferentes estudos. De acordo com a secretária adjunta nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, 3 mil novos etilômetros (bafômetros) também estão sendo adquiridos para a fiscalização da Lei 11.705/08, conhecida como lei seca. “Está sendo estudada a inclusão de testes para outros tipos de drogas”, afirma Paulina.

Dos estudos que estão sendo desenvolvidos, o de maior impacto é sobre a prevalência do uso de bebidas alcoólicas, maconha, cocaína, benzodiazepínicos e anfetaminas em motoristas privados e profissionais brasileiros. De julho deste ano a março de 2009, a Senad, os policiais rodoviários federais e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) desenvolvem a pesquisa de campo que envolve a entrevista com motoristas, a coleta do material biológico (saliva) necessário para teste de drogas e o exame de bafômetro.

Estão sendo pesquisados motoristas dos 26 estados e do Distrito Federal que transitam por rodovias federais de todas as capitais. Os pesquisadores abordam motoristas para responder a perguntas padronizadas e para fazer voluntariamente o teste de saliva. Ao final, esses motoristas são submetidos ao teste de bafômetro pelo policial rodoviário federal. A participação dos motoristas é voluntária e os dados colhidos são sigilosos, sendo avaliados de forma coletiva e não individual. A finalização do projeto está prevista para 2009.

A outra faceta do projeto é o treinamento e a capacitação dos policiais rodoviários federais e instrutores da Coordenação de Ensino do Departamento da Polícia Rodoviária Federal. A idéia é passar conhecimentos sobre drogas e técnicas de abordagem de motoristas. Ao longo do ano que vem, praticamente todos os 4.000 policiais alocados nas rodovias federais serão treinados em 17 capitais brasileiras. Também em 2009, serão treinadas, por meio do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRG, duas equipes de técnicos que deverão organizar e ministrar o mesmo curso organizado para os policiais rodoviários federais dos outros estados não incluídos nesse programa.

“Silêncio ruidoso”

Desde que entrou em vigor há cerca de dois meses e meio, a lei seca, instituiu níveis de tolerância de álcool próximo a zero para os motoristas, diminuiu o número de acidentes, ocorrências em prontos-socorros e, de quebra, fomentou uma polêmica generalizada. Os brasileiros, afinal, passaram a temer misturar bombom de licor e volante, sob o risco de ir parar na cadeia. Ao mesmo tempo, ouviu-se um “silêncio ruidoso” em relação a outras drogas, lícitas ou não, que podem influenciar a direção.

O aparente descaso com o tema virou até assunto de programa humorístico na televisão. No quadro apresentado, ao ser parado, personagem saía ileso de blitz policial, apesar de ter feito uso de inúmeras drogas, com exceção do álcool. De fato, a lei seca, que modificou trechos do Código de Trânsito Brasileiro, prevê que é infração gravíssima “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. A mesma lei prevê que é crime de trânsito “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”, com pena de seis meses a três anos de prisão.

Ao contrário do álcool, portanto, a lei não determinou uma quantidade mínima para que o crime seja configurado em caso de utilização substância psicoativa que causa dependência. Desse modo, a interpretação natural é que qualquer quantidade dessas substâncias pode ser suficiente para levar o motorista para a cadeia. Seria, assim, uma lei realmente “seca”, em se tratando desses outros produtos.

Uma série de fatores, correlacionados ou não, entretanto, fazem com que a lei não seja assim “tão seca”. Primeiro porque não existe bafômetro para maconha, por exemplo. A punição depende efetivamente de o policial constatar indícios de que o motorista está sob a influência de alguma droga e encaminhá-lo ao hospital ou ao Instituto Médico Legal (IML) para que um exame de sangue ou de urina seja feito.

Polícia encaminha suspeitos para exame de dosagem toxicológica

Os órgãos fiscalizadores – Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) – interpretam o termo “substância psicoativa que determine dependência” de forma mais genérica, na hora de autuar o motorista que esteja dirigindo sobre influência de drogas. De acordo com as três polícias, são consideradas psicoativas todas as substâncias que alterem de alguma forma a atividade do cérebro.

Ao pé da letra, lei desconsidera outras drogas

De acordo com diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz, psiquiatra Dagoberto Requião, um detalhe pode invalidar qualquer esforço para estender a lei seca a outras drogas. A lei fala expressamente em “substância psicoativa que determine dependência”. Segundo o psiquiatra, entretanto, as drogas são divididas em três classes: depressoras, estimulantes e pertubadoras da atividade cerebral.


Depoimento - Trocando o álcool pela maconha na balada

“Meus amigos sempre fumaram maconha. Quando apareceu a lei seca, eles deixaram de beber e passaram a fumar ainda mais: antes da balada, durante e depois. A idéia era continuar doidão, como se tivessem ingerido álcool.

Ninguém nunca se preocupou em ser preso porque tem uma lei que diz que você pode portar uma quantidade para consumo, sem problema algum. Eles nem sabem que dirigir depois de fumar também pode levar à cadeia. Também nunca ouvi falar de um deles que tivesse tido qualquer problema ou que tivesse feito exame de sangue, depois de parar na blitz.”

Impunidade

“Agora, além de fumar maconha, está todo mundo voltando a beber também, porque perceberam que é exagero da mídia, que não tem muita fiscalização não, como a tevê mostra. Além disso, existem muitas outras ruas de acessos para suas casas. Fica impossível fiscalizar todas as ruas. Fica mais fácil pra todo mundo voltar a beber. Não tem como a polícia segurar todo mundo.”

Guilherme (nome fictício), 24 anos, estudante universitário.



Sinais

Confira os indícios observados durante a avaliação feita no motorista suspeito de dirigir sob o efeito de drogas:

- Sonolência

- Olhos vermelhos

- Pupila contraída

- Pupila dilatada

- Tremores nas extremidades

- Alteração da fala, com fala rápida ou “pastosa”

- Alteração do equilíbrio

- Dificuldade de raciocínio

- Alteração da mímica facial (tiques nervosos, cacoetes etc)

- Transpiração excessiva


Gazeta do Povo.

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