segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Lei Antidroga faz dois anos e divide opiniões

Legislação exige tratamento para usuário, mas facilita a vida do traficante, de acordo com críticos

Dois anos depois de entrar em vigor, a Lei Antidrogas traz à tona o debate sobre os efeitos da despenalização do crime de uso de drogas. Desde outubro de 2006 ninguém mais pode mais ser preso pelo consumo de entorpecentes no país.

Para os críticos da nova lei, o ponto negativo é o aumento dos negócios ilícitos para os traficantes, pois o consumo facilitado é fonte de recursos para os quadrilheiros. Segundo especialistas, a nova lei facilitou a vida do transportador de drogas, estimulando o tráfico formiguinha cuja pena (5 a 15 anos) pode ser reduzida para 1 ano e oito meses.

Como o dependente químico não pode mais ser preso, o objetivo agora é recuperar os cerca de 2,1 milhões de viciados em maconha e perto de 750 mil usuários de cocaína no país, de um total de 20,7 milhões de dependentes de álcool e droga no Brasil. Os dados são da Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Senad), do último levantamento realizado no ano de 2005.

A rede nacional de ajuda conta com 9.038 instituições parceiras. São clínicas para dependentes químicos, grupos de mútua-ajuda, como o NA – Narcóticos Anônimos, hospitais psiquiátricos, igrejas, entre outras opções. Curitiba criou a Secretaria Municipal Antidrogas – com um olho na repressão e outro na prevenção. Tudo é feito para o bem do usuário de drogas embora a lei não o obrigue a nada, ou seja, o tratamento à força só pode ocorrer com risco de morte.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná criou a Oficina de Prevenção ao Uso de Drogas, cujo projeto-piloto nasceu no Juizado Especial de Curitiba, dois anos antes da lei. A experiência começou na capital, foi levada a Colombo (cidade da região metropolitana), desceu ao litoral na temporada passada (Operação Verão) e já chegou ao interior – engatinha em Maringá (Região Noroeste).

Na prática, o usuário de drogas freqüenta cinco encontros da oficina nos juizados especiais. Ninguém vai à força, mas, mesmo assim, a freqüência á alta. Ela oscilou entre 67%, 95% e 100%, em Curitiba (2007), Colombo (2007) e no litoral (operação Verão), respectivamente. “Se o sujeito não comparece, o juiz pode reiterar a necessidade de cumprimento das medidas ou aplicar uma multa”, explica o promotor de Justiça Rodrigo Chemim Guimarães, professor de pós-graduação do UniCuritiba.

De cada dez usuários pegos com entorpecentes para consumo em Curitiba, três não foram ou faltaram no ano passado a algum dos encontros da oficina do Juizado Especial Criminal. Neste caso, eles receberam uma segunda chance de acertar as contas com a Justiça. São convocados novamente ou podem prestar serviços comunitários.

Segundo o juiz Roberto Portugal Bacellar, coordenador-geral do programa no TJ, a média de freqüência nas oficinas ultrapassa a 90%, e os índices de reincidência são baixíssimos – 8% no ano passado. “Eu comecei a oficina em 2004, sem nenhuma pretensão. A partir disto, o projeto foi replicado no país. Hoje estou levando a iniciativa para outros estados por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com apoio da Secretaria de Políticas Públicas sobre Drogas”, afirma.

O Paraná está construindo uma rede de atendimento ao usuário de drogas, segundo o secretário-executivo do Conselho Estadual Antidrogas, Jonatas Davis de Paula. “A oficina dos juizados e a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) são avanços nesta área. O conselho tem um projeto de instalar dez oficinas nas cidades-pólo no estado”, afirma.

O jurista René Dotti, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra, no entanto, que o tratamento pedagógico nestes casos não pode depender somente do estado, mas da família e dos amigos.

Crítica

De acordo com o delegado federal Herbert Reis Mesquita, da coordenação-geral de repressão a entorpecente da Polícia Federal, a nova lei não é tão boa quanto parece, porque ela incentiva o uso de drogas sem discriminação em festas e locais públicos.

O delegado diz ainda que, em alguns casos, a punição para o tráfico de drogas foi amenizada. “A lei prevê a diminuição da pena dos traficantes primários, de bons antecedentes e que não pertençam à organizações criminosas. Isso incentivou o ofício de transportador, e aumentou o número de prisões por tráfico de drogas.”

Segundo Mesquita, o ideal seria o usuário passar por uma espécie de sanção penal, não uma advertência como ocorre hoje. “É preciso ter mais rigidez com relação ao usuário, como fator inibidor do consumo de droga, porque o consumo é o grande financiador do tráfico”.

Falta clareza na lei sobre a prevenção, diz pesquisadora

A educadora Araci Asinelli da Luz, especialista em drogadição e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), defende uma mudança de foco na área “das drogas para o ser humano, entendê-lo nesse processo, ver quem ele é e depois o que ele faz”. Ela responsabiliza a sociedade, gestores públicos, diretores de escolas, representantes do legislativo, executivo e judiciário pela “cegueira” intencional em relação ao tema.

Políticas de combate às drogas foram modificadas

A Universidade Federal do Paraná (UFPR) não se manifestou sobre as críticas feitas pela pesqui-sadora Araci Asinelli da Luz, especialista em drogadição da entidade, sobre a extinção da Comissão de Estudos sobre o álcool e outras drogas na primeira gestão do ex-reitor Carlos Moreira, atual candidato a prefeito de Curitiba pelo PMDB.


Usuários vão ao fundo

A prostituta Mery (nome fictício), 37 anos, foi dependente química por 22 anos. Usou maconha, cocaína, crack e outros entorpecentes. Ela diz que deixou as drogas após ouvir o testemunho de um ex-dependente químico do grupo de mútua-ajuda Narcóticos Anônimos (NA). A experiência de vida de Mery foi contada, parcialmente, na Oficina de Prevenção ao Uso de Drogas, no Juizado Especial de Curitiba, no início deste mês. A Polícia Civil a pegou com maconha para o consumo, há cerca de 90 dias. O músico Beethoven (nome fictício), 41 anos, tenta largar o crack após 8 anos de altos e baixos. Ele foi internado na Clínica Nova Esperança no dia 15 do mês passado.“Quem conhece o crack esquece todas as outras drogas. O que mais nos fere é a falência social”, diz o músico, que é de classe média alta. Mery conta que virou mendiga no tempo que usava crack. “Eu andava perambulando na rua. A gente vende os objetos, a roupa e depois o corpo”, diz. (JNB)

Gazeta do Povo.

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