quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Justiça na Execução Penal: Minas debate novos rumos

Vera Malaguti é daquelas intelectuais que quando falam, parecem tirar os ouvintes do mundo da opinião conduzindo-os para o conhecimento. A socióloga, pesquisadora do Instituto Carioca de Criminologia, participou do seminário “Justiça na Execução Penal: Novos Rumos”, realizado em agosto, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), em Belo Horizonte.



Vera explica o processo que levou à naturalização no Brasil de um sistema penal autoritário, ofensor das garantias e direitos do cidadão e afirma que a prática penal brasileira é fruto do absolutismo Ibérico e da estética da escravidão. “A escravidão deixou a sua estética com o autoritarismo policial, o exagero da periculosidade das áreas pobres e uma desigualdade ontológica entre negros e brancos.” “Temos que conhecer essa história: só quem se apodera de sua memória pode produzir outro futuro, utopias generosas”, defende.



O encontro reuniu amigos e familiares de presos, representantes da sociedade civil e membros do poder Judiciário e Executivo mineiro para debater sobre o atual sistema prisional no estado e propor alternativas para presos em execução penal.



Para Pedro Otoni, do Movimento Brigadas Populares, a reunião dos diversos atores é uma conquista da sociedade. Segundo ele, “a discussão estava pulverizada em diversos grupos e a idéia foi colocar num mesmo espaço de debate vários atores para falar da privatização dos presídios e novas possibilidades para a Execução Penal.”



Um dos temas que veio à tona nas discussões foi o papel da mídia na construção desses modelos. Para Vera Malaguti, a mídia é a grande disseminadora desta cultura. “O debate sobre a segurança pública é limitado pela grande mídia por um consenso, aquilo que chamamos de senso comum criminológico. Ela tem um papel fundamental na legitimação da criminalização social”, diz.



Para o presidente do TJ-MG, desembargador Orlando Adão Carvalho, o sistema prisional tem influência no aumento da criminalidade. “As pessoas presas não são recuperadas e ainda reincidem no crime”, afirmou, enfatizando o papel que o Tribunal tem hoje no aprimoramento no trato com a questão penal.



O desembargador lembrou que o projeto Novos Rumos na Execução Penal, que funciona desde 2001, aposta na utilização das Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (APACs) e busca a humanização do sistema prisional.



Já o presidente do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, Rogério de Oliveira Silva, alerta para o modo com que a sociedade trata o comportamento desviante e propõe a busca de modelos alternativos para a reeducação do indivíduo.



Mas, apesar de alguma iniciativas nesse sentido, a política judiciária continua a ser a de encarceramento. Segundo Vera Malaguti, os processos de encarceramento nunca foram tão grandes. “A prisão passa a ser o modelo para a juventude pobre. A ação afirmativa mais forte é a população atendida pelo sistema penal. Em 1994, tínhamos 110 mil presos, hoje são 500 mil”. “Nos Estados Unidos da América, há dois milhões de presos e seis milhões de penas alternativas”, compara.



As parcerias público-privadas (PPP) também foram tema de discussão durante o evento. Marcos Siqueira Moraes, da Secretaria de Estado e Defesa Social falou sobre a importância dessas parcerias para a construção de complexos penitenciários. Segundo ele, o estado de Minas lançou um edital em julho para a construção de três mil vagas no sistema utilizando-se da parceria público privada.



A parceria prevê a privatização da construção de unidades e fornecimento de serviços aos presos, enquanto o governo fica com a atividade de gestão. Para ele, “a parceria permite a capacidade governamental de prover infra-estrutura, maior qualidade de investimento e mais eficiência, esclarece”.



Para o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o modelo de Execução Penal que existe hoje mostrou-se equivocado, superado, ofensivo a todos os direitos e garantias fundamentais. Carvalho ressalta a necessidade de o Direito Penal ser compreendido como Direito Penal Mínimo, ou seja, que intervenha humanamente, respeitando o que foi definido pela Constituição.



Na opinião do desembargador, a prisão é uma opção ruim para qualquer tipo de pena, devendo-se procurar alternativas mais humanas e dignas: “Há vozes na comunidade contrárias à aplicação da pena como instrumento de vingança. Devemos dar oportunidades de recuperação na execução penal”, afirma.



Após o encontro, foi redigida uma carta com os resultados das discussões. A Carta de Belo Horizonte denuncia a ineficácia dos métodos tradicionais de execução penal, especialmente do encarceramento em massa, ressaltando que o aumento substancial da população carcerária não trouxe mais segurança à população.



De acordo com o texto, o número de condenados encarcerados saltou de 200 mil, no início dos anos 70, para 825 mil em 1991, representando um crescimento de 314% em 20 anos. “Alguns ainda seguem pensando que a questão social é um caso de polícia e que a solução para o problema da criminalidade se dá via formação de um ‘Estado Penal’. (...) Como idéia, é velha do século XVIII. Como solução, não apresenta nenhuma, exceto sofrimento, desassossego e mágoa para todos os envolvidos, cúmplices, ainda que involuntária e irrefletidamente”, afirma o documento.



O documento aposta em diversas formas de se atingir o objetivo da pena, que é a recuperação do condenado, sem o sofrimento causado pelas formas tradicionais de punição. O investimento em educação seria o primeiro passo para a redução da violência, com a substituição de uma política punitiva por uma preventiva.
Seguindo o conselho da socióloga Vera Malaguti, “precisamos construir a civilização brasileira pois o nosso sistema sempre foi contra o povo brasileiro. É preciso abrir os cárceres.”

Comunidade Segura.

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