sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Internação de pré-adolescentes na Fundação Casa cresce 25,7% em dois anos

SÃO PAULO - Cresce em São Paulo a criminalidade entre pré-adolescentes. Casos como o do menino de 11 anos, encaminhado a abrigo após furtar dois carros em menos de uma semana , ainda são raros, mas servem de alerta para a tendência. Nos últimos dois anos, aumentou em 25,7% a presença na Fundação Casa, ex-Febem, de menores com idade entre 12 e 14 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a aplicação de medidas restritivas a crianças com menos de 12 anos. Para se ter uma idéia da escassez de informações por parte do poder público, o último dado disponível sobre o número de crianças que vivem em abrigos em São Paulo é de 2006.

De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo, dois anos atrás 2.870 crianças viviam em abrigos na capital e 6.749 em outras cidades do estado (9.619 no total), mas neste número estão incluídas desde órfãs até as que fugiram de casa por maus-tratos. É em um destes abrigos que o garoto flagrado na zona sul de São Paulo foi viver. De acordo com o promotor Thales César de Oliveira, da promotoria da Infância e Juventude, além da escassez de vagas, os abrigos nem sempre têm estrutura para cumprir seu papel de inserir as crianças na sociedade.

- A idade está baixando diante da total falta de horizonte, de expectativa de vida. Desde cedo eles percebem que não terão oportunidade melhor na vida. Os crimes mais graves ainda são cometidos pelos adolescentes com mais de 14 anos, mas tem sido mais freqüente os casos de roubo, com uso de ameaça, feitos por pré-adolescentes - afirma o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Comissão de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O desembargador Malheiros traça um cenário decepcionante da realidade dos abrigos. A maioria, afirma, são melhores do que a rua, mas apenas 'razoáveis'. Segundo ele, crianças que passaram a infância em abrigos "pulam" os muros a partir dos 10 anos para viver na rua.

- É fácil pular o muro. Eles vão zanzar pela rua, tornar-se um 'rei de rua', dominar becos e ter 'mulheres', que são meninas da mesma idade - conta.

Segundo Malheiros, a principal infração que levam esses meninos à Vara da Infância e Juventude é a agressão a outras crianças, que, assim como eles, também vivem nas ruas.

- Conheci um menino de 11 anos que, aos 8 anos, já havia matado um de 12. Desde os 3 anos ele era violentado sexualmente pelo mais velho. Um dia pegou um caco de vidro e o matou. Ele viveu nas ruas até 14 anos, quando tomou um tiro e morreu - conta.

Malheiros diz que a sociedade erra quando acredita que as crianças de rua são irrecuperáveis.

- Salvo os que têm algum tipo de retardamento, doença mental, loucura, todos são recuperáveis - assegura.

Aos 15 anos, X morava na rua e era um dos muito trombadinhas que circulavam pela Praça da República. Viciado em drogas, ele foi retirado das ruas pelo próprio Malheiros, que o levou para trabalhar em seu escritório de advocacia.

- Como todo bom trombadão, ele era muito rápido. Conhecia todos os lugares e fazia bem o trabalho até o dia em que dei a ele uma quantia de dinheiro para um pagamento e não mais voltou. Quando o procurei, nem a família sabia de seu paradeiro. Tempos depois, reencontrei o rapaz na rua e o chamei, de novo, para trabalhar comigo e se tratar. Ele disse que eu era louco. Hoje, é administrador hospitalar, casado, pai de três filhos. Todos se recuperam - diz Malheiros.

O roubo qualificado ainda é a principal infração cometida pelos adolescentes do sexo masculinos que estão hoje internados na Fundação Casa e correspondem a 40,8% dos casos. Em segundo lugar aparece o tráfico de drogas, com 31,8%. O homicídio, o roubo seguido de morte ou a tentativa de matar alguém - considerados fatos mais graves - representam 6,2% dos casos. Em 2006, 52,8% dos internos haviam praticado roubo qualificado (assalto à mão armada) e 14,4%, por tráfico de drogas.

Para as adolescentes, a situação se inverte: o envolvimento com o tráfico de drogas representa quase metade do motivo de internação (47,9%) e o roubo qualificado, 19,8%. Há ainda um percentual maior de meninas envolvidas em infrações que resultaram em morte ou tentativa de assassinato.

Homicídio doloso, roubo seguido de morte e tentativa de assassinato correspondem a 10,8% das infrações que as levaram para a Fundação Casa. Há ainda na lista do sexo feminino a participação em seqüestros - 1,6% dos casos, infração que não aparece entre as 11 mais cometidas pelos meninos. Na maioria das vezes, eles cuidam de cativeiros.

Para a socióloga Caren Ruoti, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, há um aumento na criminalidade entre crianças de menor idade, mas o envolvimento em homicídios é ainda baixo.

- A via do tráfico tem sido a forma de inserir esses adolescentes no crime, o que acaba se tornando uma espiral. É difícil sair desta situação sem uma rede de apoio social - diz Caren, lembrando que os jovens são muito mais vítimas de assassinatos no país do que agressores e, quando são os algozes, é porque já foram vitimados antes por vários outros abusos.

O desembargador Malheiros afirma que a única forma de evitar que as crianças e adolescentes se envolvam no crime é amparar as famílias e ajudar a estruturá-las.

- A família é o mais importante e pouco se trabalha com ela no país. Sem o apoio à família, perpetua-se um ciclo - diz Caren.

Nesta semana, uma reportagem do Diário de S.Paulo sobre a favela Paraisópolis mostrou que os barracos estão se verticalizando, virando 'triplex', para abrigar filhos e netos dos primeiros moradores. Ou seja, a sociedade não é capaz de oferecer oportunidade aos que nasceram lá.

O Globo.

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