terça-feira, 9 de setembro de 2008

Entrevista - Rachael Hinton

Construir a paz na Papua Nova Guiné

A Papua Nova Guiné era, nos anos 90, um cenário de violência. Uma década depois, é hoje também a cena de várias iniciativas de construção da paz, que desempenham um papel significativo na redução da violência. Uma importante parceira das iniciativas locais é a Highlands Peacebuilding and Conflict Reduction, oriunda da organização Oxfam New Zealand (ONZ). Essa instituição é ativa na área das Highlands, região montanhosa que abriga 40% da população do país.



Rachael Hinton, pesquisadora da instituição, vive e trabalha nas Highlands. Nessa entrevista exclusiva, ela descreve iniciativas de paz na região, fala da importância de se construir parcerias eficientes e da vital necessidade de se garantir o sustento das pessoas quando se alia segurança a desenvolvimento. Um exemplo é de como a organização de mulheres KWP encontrou uma maneira de reduzir a violência masculina associada a eleições. “Não houve incidentes de violência tribal, armas não estiveram presentes nos locais de votação, e nenhuma cédula foi roubada ou assinada antes da votação”, conta a pesquisadora.


Onde – na Papua Nova Guiné – a Oxfam está sediada?



A Oxfam atualmente trabalha nas Highlands, uma região composta de cinco províncias na ilha principal do país. Ela abriga 40% dos 5 milhões de habitantes da Papua-Nova Guiné. A experiência da Oxfam com construção de paz no pós-conflito de Bougainville – nos anos 90 – inspirou o desenvolvimento do Oxfam Highlands Programme.



É correto dizer que os programas da Oxfam dedicam-se à “construção da paz”?



Sim. Juntamente com seus componentes de pesquisa e livelihoods (auxílio à subsistência), a Oxfam alia-se a parceiros que trabalham com o combate aos gatilhos subjacentes dos conflitos e da violência nas suas próprias regiões. Tudo isso é parte do seu programa de construção da paz.



Quais são os seus parceiros locais?

O programa Highlands da Oxfam tem três componentes, o apoio a parceiros, pesquisa sobre iniciativas comunitárias (SACIR) e o Livelihoods, de fomento ao sustento. Nossos parceiros são três ONGs locais, de areas diferentes da Highlands, Mulheres Kup pela paz, KWP, a Agencia de desenvolvimento Comunitária (CDA) e o Saúde Comunitária CBHC. Todas lidam com fatores que desencadeam conflitos através de diferentes atividades.



O movimento Mulheres Kup pela Paz foi importante para garantir eleições livres de violência. Como foi que elas agiram?


O movimento KWP surgiu sob liderança de mulheres como resposta a mais de duas décadas de conflito tribal em suas comunidades. Esse conflito levou a retração de todos os serviços prestados pelo governo, uma população forçada a abandonar suas terras, e um aumento nos abusos dos direitos humanos.



O KWP começou o trabalho de construção de paz em 99, e vê a prevenção de confrontos tribais como um processo holistico que inclui melhorias nas estruturas de justiça comunitária e atividade de fomento ao sustento, policiamento comunitário, observatório tribal, prevenção e apoio a portadores do vírus HIV, capacitação em direitos humanos, e um foco especial voltado à redução da violência contra a mulher. O movimento também conta com instituições do governo e lideranças tradicionais na redução de conflitos violentos, e tem testemunhado uma redução na violência tribal e em outras formas de violência na região, que é o distrito Kup.



Como é que vocês apoiam os parceiros?



A Oxfam melhora seus sistemas de administração, planejamento e documentação, além do aspecto de monitoramento e avaliação de forma adequada às necessidades de cada organização.



Que tipo de insegurança se relaciona às eleições na Papua Nova Guiné?



As eleições nacionais na PNG frequentemente incluem corrupção, intimidação e violência que pode levar a uma escalada para conflitos tribais de grande porte. Durante as eleições de 2007, a KWP exerceu um papel de liderança na adoção de melhorias da legitimidade do processo eleitoral, centrando esforços nos fatores que desencadeam conflitos e por outro lado, criando condições para a paz na região Kup.



Que estratégias as mulheres do KWP usaram para diminuir a violência?



KWP usou uma estratégia de três vias: atividades para educação de eleitores, (foco nos direitos dos eleitores, no processo democrático, práticas eleitorais), o lançamento de um programa para a melhoria das fontes de sustento na região, o chamado Livelihoods, além da campanha de advocacy para uma Eleição livre de Violência.



Como é que melhorias nas fontes de sustento contribuem para diminuir a violência juvenil masculina?


O programa Livelihoods, (fontes de sustento) foi desenvolvido especialmente para atender aos jovens rapazes, que freqüentemente se envolvem em confrontos relacionados às eleições. 54 grupos de jovens receberam auxilio para gerar o próprio sustento, esse auxilio incluiu: bodes, coelhos, galinhas, porcos, sacos de cimento, e canos para criação de peixe. O projeto levou benefícios a de 3 a 4 mil pessoas. A idéia da KWP era de “ajudar aos jovens a se estabelecerem e mantê-los atarefados”, de forma a cortar pela raiz muitas das causas e motivações que estouram em violência durante eleições, além de ter o valor adicional de trazer benefícios as suas famílias e comunidades.



E por outro lado vocês também pediram a participação dos candidatos...



Contactamos os candidatos, 11 dos 14 candidatos convidados expressaram compromisso com manter as eleições livres de armas de fogo e de violência. A capacitação de eleitores e o fato da KWP ser respeitada localmente facilitaram as atividades eleitorais locais.



E os resultados?



Pela primeira vez, diferentemente das eleições anteriores, não houve surtos de violência tribal, não havia armas de fogo na boca de urna, e nenhuma cédula foi furtada ou assinada antes das eleições. Estes fatores, juntamente com a capacitação de eleitores, também contribuiu para a melhoria da participação feminina no eleitorado.



Conte-nos como a ONZ se envolveu com construção de paz nesse país.



O programa Oxfam “Highlands Peacebuilding and Conflict Reduction” foi elaborado em 2005 pela ONZ. Há sérios incidentes de violência entre grupos ou tribos em várias áreas das Highlands, a presença da lei é cada vez menor, assim como são cada vez maiores as taxas de violência contra mulheres e a deterioração da infra-estrutura governamental, como escolas, polícia e serviços de saúde. Por outro lado, ONGs locais se desenvolveram em vista disso, e estão trabalhando para reduzir a violência e melhorar a situação dos direitos humanos em suas comunidades. É com três desses grupos que a Oxfam tem trabalhado nos últimos três anos.



Você mencionou que a pesquisa é um elemento-chave para desenvolver programas de combate à insegurança...



Criamos o projeto Security and Initiatives Research (SACIR), como um componente de pesquisa para apoiar o programa de construção de paz. O objetivo é entender melhor o contexto de segurança, no qual nossos parceiros trabalhavam e como e por que as soluções locais (dos nossos parceiros) surgem como reação.



Quais os objetos de estudo do SACIR?



A tarefa do projeto é investigar o aspecto de gênero na violência e seus impactos – bem como os da insegurança – na vida das pessoas. Uma base científica sólida dá força ao advocacy da Oxfam pela defesa dos direitos à vida e à segurança e à exigência de maior responsabilidade governamental. Também fortalece o reconhecimento das conexões entre segurança e gênero, serviços básicos, saúde e subsistência. Ao promover iniciativas como as dos nossos parceiros que aderem a boas práticas, podemos oferecer alternativas e novas perspectivas para lidar com as necessidades de segurança das mulheres, dos grupos marginalizados e das populações locais.

Além disso, o fomento à subsistência é cada vez mais desenvolvido, também de acordo com as necessidades dos nossos parceiros. Um projeto de água e saneamento está bem estabelecido, e a Oxfam trabalha com parceiros para incentivar medidas de ordem prática no sentido de garantir uma paz sustentável, alternativas ao crime e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Como você pode ver, o Oxfam Highlands Programme tem uma abordagem integrada, para que todos os componentes fortaleçam e integrem o modelo de desenvolvimento comunitário com foco na construção de paz.



Como a coleta de dados atendeu a população?



Todo o trabalho é feito com parceiros situados em comunidades rurais que geralmente têm pouco acesso a serviços econômicos e sociais, estradas ruins, entre outras dificuldades. Estes trabalhos se dirigem a todos os membros das comunidades – homens e mulheres, adultos e jovens. Desevolvemos atividades para atender às diversas necessidades identificadas pela comunidade, como o fomento à subsistência – estratégias direcionadas a jovens pela KWP, de forma a apoiá-los na geração de renda.



Mas como dar voz aos membros mais vulneráveis dessas comunidades?



O processo que chamamos de 'pesquisa-ação' incentiva pessoas que são afetadas pela violência e insegurança, a investigarem sua própria situação, desenvolverem seus próprios critérios de risco e elaborarem suas próprias idéias sobre quais intervenções são as mais adequadas. Uma comunidade, por exemplo, está reconstruindo e recrutando pessoal para a sua escola primária e também um posto de saúde, pois uma das necessidades mais comumente reconhecidas é a falta de serviços.



Vocês participam da Coalizão pelo Fim da Violência Armada, há armas de fogo no país?



Armas de fogo são cada vez mais usadas nas guerras entre tribos, violência doméstica e criminal e conflito político. Evidências indicam que as armas são em sua maioria fornecidas por soldados e policiais, ligados a políticos e servidores públicos. Há rumores também de troca de drogas por armas pequenas e leves, por toda a fronteira do país. Há muitas armas caseiras, que têm se tornado mais sofisticadas, há armas para alugar e habilidosos atiradores tornando-se lideranças criminais. O trabalho e pesquisa de nosso parceiro demonstram que a violência armada contribui para a exclusão social, limita a provisão e o acesso a serviços, e reduz oportunidades. Existem muitos relatos aqui de abusos contra os direitos humanos, cometidos por criminosos armados e pela polícia.



Como se compara o uso da arma de fogo com as armas brancas?



As armas de fogo são apenas uma das várias armas usadas. Uma pesquisa de campo que a Oxfam vem realizando em colaboração com um hospital nas Highlands do sul demonstra que, em 80% das agressões feitas com armas, 45% são feitas com um facão. Mas isso não leva em conta os casos não-registrados, e acreditamos que há várias razões para isso: distância, custo, ferimentos leves, medo de retaliação. De qualquer forma, há estimativas de que o risco de morte – incluindo todas as causas – nas Highlands do sul seja 100 vezes maior do que na Austrália. É óbvio que essa não é uma estatística positiva. Assim, a estratégia deve ser reduzir a violência armada - e outros tipos de violência – visando os “gatilhos” principais e as estruturas subjacentes que determinam essa violência.

Comunidade Segura.

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