terça-feira, 23 de setembro de 2008

Entrevista - Neemias Moretti Prudente

SISTEMA CARCERÁRIO Penas alternativas são uma opção para combater a superlotação nos presídios

A alternativa das penas alternativas


Ter que trocar os treinos de futebol pelos pratos sujos de um asilo de Curitiba.
Foi o que aconteceu com o estudante H. S., de 17 anos. Recentemente, ele e alguns de seus amigos foram surpreendidos pela polícia pichando muros. Depois de duas audiências, foi decidido: H. S. deveria prestar serviço comunitário por três meses em um asilo. “Lavo e seco os pratos, limpo o chão, organizo os alimentos e o refeitório”, conta ele. O rapaz é apenas um exemplo entre as mais de 20 mil pessoas que cumprem penas alternativas no Paraná.

De acordo com o juiz da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas de Curitiba, Lourival Chemim, as penas alternativas são pouco freqüentes no Brasil. “80% dos crimes que são previstos no código penal e nas leis cabem em penas alternativas,
no entanto, as penas de regime fechado e semi-aberto aparecem mais”, afirma. As penas alternativas podem ser aplicadas tanto nos crimes culposos, não importando o tempo da pena imposta, quanto nos dolosos (intencionais) em que a pena não seja superior a quatro anos, desde que o réu não seja reincidente ou o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à vítima.

O conselheiro do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR), Neemias Moretti, conta que as penas alternativas só podem ser aplicadas em substituição à prisão. “A substituição é obrigatória se presentes as condições de admissibilidade”. Dentre as condições estão a culpabilidade, os antecedentes e a conduta social.

De acordo com Moretti, as penas alternativas combatem os efeitos e limitações do sistema carcerário, já que sua aplicação diminui a superlotação dos presídios e reduz os custos do sistema penitenciário. “O cárcere estigmatiza, danifica, destrói o individuo e os que estão à sua volta”, afirma Moretti. “No Brasil, aproximadamente
30% dos presos teriam direito a penas alternativas. Elas devem ser a regra, e não a exceção”, opina o especialista.

Segundo Moretti, a pena alternativa faz com que os índices de reincidência criminal despenquem. “Entre os presos, o índice de reincidência chega a 85%. Já entre quem cumpre pena alternativa, a porcentagem fica entre 2% a 12%”. H. S. afirma que não voltou a cometer crimes: “Não acho que a gente precise pagar caro para se arrepender. Eu ajudei quem precisava e não convivi com pessoas que cometeram crimes mais graves e pudessem me influenciar”.

Embora as penas alternativas tentem melhorar a realidade do sistema penitenciário, problemas no controle penal, pouca conscientização do condenado e falta de uma efetiva fiscalização pelo judiciário no cumprimento dessas penas dificultam sua execução. “O que tem havido em muitos estados é uma impunidade, pois se condena alguém à prisão, converte-se essa pena em alternativa, remete-se à vara de execuções, o condenado fica solto e o feito é prescrito”, declara Moretti, que explica: “As varas de execução já se encontram assoberbadas de processos de presos e enfrentam enormes problemas”.

Outra questão é a falta de conscientização do condenado. N. I. de 18 anos, ganhou sua primeira moto aos 11. Aos 15, ela foi condenada a cumprir pena alternativa
por dirigir sem autorização. No entanto, isso não inibiu suas saídas de moto. “Pra falar a verdade, pra mim não mudou em nada, eu continuei andando de moto sem carteira”, confessa.

Reportagem de AbdallaIlana Stivelberg


Jornal Comunicação, Curitiba, Universidade Federal do Paraná, edição 6, setembro 2008, p. 6.

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