segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Entrevista: Juan Carlos Garzón

As máfias avançam no ritmo da economia globalizada


ENTREVISTA / Juan Carlos Garzón



Três países latino-americanos e um objetivo em comum: descobrir os mecanismos de funcionamento e expansão do crime organizado. O pesquisador colombiano Juan Carlos Garzón repassa em seu livro “Máfias & Co.” os vários anos de pesquisa comparada das redes criminais da Colômbia, México e Brasil.



Lançado na Colômbia pela editora Planeta, no dia 26 de agosto, e com o apoio da Fundação Segurança e Democracia e do Open Society Institute, o livro ganhará novas edições, uma para o México e outra em português, para o Brasil.



“A sociedade tem um papel a cumprir na luta contra as máfias, mesmo que ainda não se tenha dado conta disto,” afirma Garzón, em entrevista ao Comunidade Segura. “O crime organizado cresce no mesmo ritmo que a economia globalizada e é mais estreitamente associado à economia legal do que se imagina”, completa.



Cientista politico da Universidad Javariana, com pós-graduação em Teoria e Experiências de Resolução de Conflitos Armados pela Universidad de Los Andes, ambas na Colômbia, Juan Carlos Garzón já foi consultor da vice-presidência de seu país, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Fundação Segurança e Democracia. Para saber mais sobre o conceito de crime organizado utilizado e descobrir suas implicações, falamos com o autor sobre os resultados de seu último estudo.



É uma pesquisa muito audaciosa. Qual foi o seu ponto de partida?



Comecei com um estudo bibliográfico sobre o tema, e, na realidade, me pareceu que as análises existentes não enquadravam muito bem as diferentes conjunturas e dinâmicas. Isso me levou a procurar um enfoque mais contemporâneo, incluindo outros pontos de vista sobre esta realidade.



Foi muito importante encontrar o livro de Moises Naim, “Illícito”, e comecei com a Colômbia. Depois veio a segunda parte, a que me levou a abordar o que se passa em outros lugares, quando notei que precisava de um enfoque comparado, já que se me limitasse à Colômbia perderia a possibilidade de tratar o tópico do ponto de vista da globalização.



Como você chegou à definição de crime organizado que propõe no livro?



Basicamente o que eu fiz foi voltar a minha atenção ao que ocorre na realidade, no campo, e a partir deste universo tirar as definições. Não concordo muito com os enfoques das teorias vigentes sobre o tópico. Ao começar a pesquisa fiz uma revisão do que havia de melhor e mais novo da teoria e tirei daí alguns elementos.



Com isso em mãos, revi uma vez mais aqueles elementos teóricos. Procurei criar uma definição que fosse ao mesmo tempo robusta dentro dos parâmetros acadêmicos e que utilizasse também termos comuns, que pessoas leigas pudessem entender e usar, além de dar uma visão mais clara do assunto.



Por que Brasil, México e Colômbia?



Houve, desde sempre, uma relação entre os narcotraficantes colombianos e mexicanos, uma vez que esses vínculos vêm sendo construídos a partir do tráfico dirigido aos Estados Unidos. Porém, dentro desta dinâmica, os mexicanos já começaram a mudar essas condições e, portanto, os colombianos foram forçados a buscar novas alternativas.



nessa busca encontraram a Venezuela e o Brasil, que são corredores muito importantes para a exportação da droga em direção à África, e dali para a Europa. Esse foi o ponto de partida para a escolha destes países.



E existe diferença no tipo de violência existente nesses países?



No México se detecta uma violência do tipo mais urbano, enquanto que no Brasil ela se concentra mais no âmbito territorial das favelas. Na Colômbia, por outro lado, há uma competição entre os cartéis que também se manifesta nas zonas rurais. Por isso, a pretensão é começar com estes três países e continuar com uma análise da economia ilegal nesta região do continente.



De que modo esta situação se replicaria em outros países latino-americanos onde se começam a notar as marcas características da máfia, como na Argentina?



Há vários países que aparecem no mapa das máfias. Ao se falar da América do Sul, a pesquisa entende a Venezuela como uma plataforma para exportação da droga para África e Europa, a Bolívia em termos de produção e vê a Argentina e o Chile em termos de aumento de consumo.



Também temos que levar em consideração que, depois do Brasil, a Argentina e o Chile são os países que lideram as exportações da economia formal tanto para a África como para a Europa.



Que relação há entre o tráfico de drogas e o comércio legal?



O fato é que o tráfico de drogas está sempre ligado às economias legais. Portanto, na medida em que estas expandem o tráfico ilegal, também se misturam ao poder legalmente constituído; há uma conexão direta.



Qual, então, é o papel da sociedade no que toca ao controle dos aspectos ilegais que se dão de forma paralela à economia legal?



Aqui eu faço uma reflexão e creio que é importante que se pense nisto: a sociedade tem responsabilidade nessa questão, na expansão do comércio ilícito. As pessoas muitas vezes acabam se envolvendo no apoio e no financiamento das redes da ilegalidade; por exemplo, quando compram produtos piratas. A sociedade que não estiver atenta e disposta a ver essa realidade pode acabar por financiar as mesmas atividades que causam tanto transtornos.



De que modo?



De modo algum é minha intenção ser alarmista, mas o que eu peço é que se reflita. Por exemplo, é possível ir a um restaurante na Colômbia, ou entrar numa farmácia ou alugar um apartamento e não saber a quem se está financiando ao fazê-lo. É necessário desenvolver uma consciência de que também temos responsabilidade neste assunto, e por isso mesmo, estarmos muito atentos às atividades que nos rodeiam que são aparentemente legais, mas que ocultam tráfico de produtos de modo ilícito.



A seu ver, quais são as principais diferenças entre o crime organizado atual e a delinqüência de antigamente?



As pessoas tendem a romantizar a delinqüência de antigamente. Em muitos países ainda se lembra da figura do ladrão que rouba para redistribuir a riqueza. E, por outro lado, há ainda atualmente a percepção equivocada de que o criminoso de hoje não tem a menor relação com a sociedade, como se pertencesse a uma casta totalmente alheia a ela. Mas a coisa não é tão clara assim: nem os ladrões de antes eram carregados de boas intenções, nem os delinqüentes de hoje estão totalmente isolados de seu ambiente.



Poderia explicar?



Certamente vivemos em um novo ambiente, que se adapta às novas formas de administração da economia no mundo globalizado. Uma vez que temos um mundo globalizado, o crime também tende a se globalizar. É a dinâmica do mundo contemporâneo. Em um mundo onde tudo funciona através de redes, é de se esperar que o crime e as máfias usem as mesmas ferramentas que estão ao alcance de todos.



Como se poderia combater ou impedir o mundo do crime de se conectar ao mundo legal?



É um fenômeno paradoxal: enquanto países encontram tantas barreiras para se integrar, como foi o caso, por exemplo, da experiência do Mercosul - cuja sobrevivência tem sido um problema -, os criminosos se integram com relativa facilidade e de modo muito fluido. Há várias facilidades para o mundo ilegal hoje.



São os Estados que devem, de algum modo, assumir o desafio de adotar perspectivas mais preventivas que reativas. Porque, do contrário, só respondem quando o crime organizado chega a um nível irreversível.



Muitas vezes percebemos a presença das máfias através de certos sinais, como por exemplo, determinados tipos de homicídios. Podemos dizer que certos ‘sinais da máfia’ como vemos nos filmes, podem ser indicadores de sua presença?



É preciso levar em consideração que o crime organizado aplica a violência de forma racional. Não está continuamente fazendo demonstrações de que usa da violência por prazer, pela violência em si mesma. O crime a usa de acordo com os interesses que estejam em jogo. É perfeitamente possível estar em um lugar onde a sensação é a que reina a absoluta legalidade, quando na verdade se espalha o crime organizado.



No caso colombiano, eu acho que essa estratégia de não mostrar a sua presença através de fatos violentos foi adotada intencionalmente da parte de algumas organizações, com a finalidade de não atrair a atenção do Estado.



Que recomendação você faria aos governos?



Principalmente que se aumentem os esforços de inteligência em vez da força crítica, entendida como número de homens nas forças de segurança. Este último fator tem sua importância, mas o esforço principal deve ser colocado em termos de inteligência. Uma boa ação por parte dos governos é ter a consciência da intenção do crime organizado de entrar no mundo legal. Normas e leis devem ser criadas para evitá-lo.

Comunidade Segura.

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