segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Artigo: Avanço do crime organizado

Ele ocupa uma cela no coração da Ilha das Cobras, dentro do Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, enquanto ela amarga uma solitária de seis metros quadrados em Catanduvas, no interior do Paraná, onde não há contato físico nem com carcereiros. Mesmo assim, Edson da Silva Mota, o Mota da Coopasa, e Carmem Guinâncio Guimarães, a Carminha Jerominho, não saíram das ruas. Candidatos a vereador de São Gonçalo e do Rio de Janeiro, respectivamente, eles comandam das prisões campanhas que mobilizam dezenas de aliados e cabos eleitorais, na busca do voto dos eleitores, e desafiam as autoridades ao se apresentarem como mártires e vítimas de perseguições políticas.

Apontado como chefão da máfia de transportes alternativos em São Gonçalo e vizinhanças, o vereador e sargento reformado da Marinha Edson da Silva Mota (PSL) está preso em regime fechado desde 13 de agosto, acusado de ordenar o assassinato do presidente da Cooperativa Santa Isabel, Luiz Cláudio Moreira, em 2006. De uma cela do presídio, o candidato mobiliza a estrutura do transporte alternativo no município para se reeleger. São cerca de mil motoristas de Kombis e vans autônomos, que exploram linhas municipais e intermunicipais na cidade, responsáveis por distribuir propaganda do parlamentar em pelo menos 30 pontos onde a categoria atua.

Acusada de chefiar um esquema de coação a eleitores em Campo Grande, imposto pela milícia, Carminha Jerominho (PT do B) está no presídio federal de segurança máxima de Catanduvas. Mesmo submetida a regime disciplinar diferenciado, deu um jeito de demonstrar ousadia. Recentemente, em frente ao prédio onde trabalha uma das autoridades responsáveis por sua prisão, seus cabos eleitorais distribuíam um "recado" da candidata: "Primeiro prenderam o meu pai, o vereador Jerominho. E, em seguida, o meu tio, o deputado Natalino, acusados de combater o tráfico. Agora me prenderam para que eu não possa prosseguir fazendo campanha(...)". Ela finaliza o aviso: "Conto com seu voto, pois, mesmo presa, continuo candidata."

A informação, de Cássio Bruno e Chico Otavio, repórteres do jornal O Globo, é espantosa. Mas se você, caro leitor, imagina que sua capacidade de indignação já ultrapassou todos os limites, pode tirar o cavalo da chuva. O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou o recurso da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pela impugnação da candidatura dos fichas-sujas. Pela decisão, ninguém pode ser impedido de disputar eleições enquanto o processo a que responde não tiver sido julgado em última instância. Resumo da ópera: os bandidos podem disputar as eleições e, caso eleitos (o que certamente ocorrerá), receberão o manto protetor da imunidade.

Como você, caro leitor, respeito o Poder Judiciário. Trata-se de um dos pilares da democracia. Mas a decisão do STF, embora involuntariamente, contribuirá, e muito, para o avanço do crime organizado. Cria-se, na prática, um abismo entre legalidade e moralidade. Como já escrevi neste espaço opinativo, esperar o trânsito em julgado pode transformar candidaturas em simples estratégias de obtenção de foro privilegiado. Abre uma avenida para a impunidade e frustra a maioria trabalhadora e honrada do nosso país. Impõe-se, urgentemente, a mudança na legislação. Com uma primeira condenação judicial, o farol amarelo já justificaria a impugnação da candidatura. É o mínimo que se espera do Congresso.

Os jornais têm o dever ético de promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. O eleitor tem o direito de conhecer os antecedentes criminais dos candidatos, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço.

Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das idéias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida. A informação dos fatos pode contribuir, e muito, no combate a um perigoso quadro de frustração que ameaça os fundamentos da própria democracia.

O que fazer quando parlamentares, do governo e da oposição, descumprem sua missão e promovem sucessivas pizzas? O que fazer quando indiciados por um rosário de crimes não só festejam com estardalhaço as iníquas absolvições patrocinadas por seus pares, mas aproveitam a ocasião para anunciar seus projetos de reeleição?

O combate ao crime organizado exige, por óbvio, urgentes ações repressivas e preventivas. Mas reclama, sobretudo, uma profunda reavaliação das atitudes e dos comportamentos éticos que norteiam a vida pública nacional. A falência da verdade é a principal causa da decadência de qualquer sociedade. E, em contrapartida, reerguer uma sociedade é reerguê-la primeiro eticamente, fazendo reinar nela o que há de mais essencial: o primado da verdade. A imprensa tem importante papel no processo de revigoramento ético da sociedade.

A imprensa, no cumprimento de sua missão de informar, não frustrará a expectativa de milhões de brasileiros. A mídia não é antinada e não está a serviço de nenhuma legenda partidária. A conseqüência do crime deve ser a punição cabal e completa. Só assim, o cruel cinismo do crime organizado será derrubado.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@iics.org.br

Estadão.

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