sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Artigo: Visão geral e aspectos principais da Lei das pequenas causas criminais

Após alguns artigos nesta coluna sobre a Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995), é conveniente interromper a série por dois motivos: 1º) já há obras publicadas a respeito dessa lei, com amplo exame de seus aspectos principais e mais polêmicos; 2º) foi editada a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), de grande importância pelas profundas mudanças introduzidas no sistema criminal brasileiro.

Inicia-se com uma visão geral do novo diploma e com a indicação de alguns pontos que, pela sua relevância ou novidade, merecem destaque.

A nova lei contém quatro capítulos. Os primeiros (Disposições Gerais) e último (Disposições Finais Comuns) aplicam-se aos dois Juizados. O Capítulo II é o "Dos Juizados Especiais Cíveis" e o Capítulo III cuida dos "Juizados Especiais Criminais."

Interessam aqui os capítulos comuns e o específico dos Juizados Especiais Criminais.

Nas "Disposições Gerais" estão enunciados os critérios reguladores dos Juizados: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, com a orientação genérica de que deverão ser buscadas, sempre que possível, a conciliação e a transação (art. 2º). No artigo 62, referente ao Juizado Especial Criminal, repetem-se os mesmos critérios, com exceção da simplificidade, dando-se ênfase especial ao objetivo de serem alcançadas "sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade."

Tem-se, aí, portanto, duas linhas diretrizes para a atuação do Juizado Especial Criminal:

– a atenção especial à vítima do crime, a fim de que seja reparada dos danos sofridos;

- a imposição de pena não privativa de liberdade.

Diz o artigo 1º que os Juizados Especiais são órgãos da Justiça Ordinária, usando terminologia não corrente. O próprio dispositivo, que impõe à União e aos Estados a criação dos Juizados, permite-nos inferir sobre o que se deve entender por Justiça Ordinária. Afastam-se da incidência da lei as Justiças Especiais, porque, sem dúvida, não são Justiças Ordinárias. Também não se aplica a lei à Justiça Federal Comum, é o que se depreende do fato de só estar a União obrigada a criar os Juizados no Distrito Federal e nos Territórios, onde tem competência para julgar as matérias que, nos Estados, são de competência da Justiça Estadual.

Nas Disposições Finais consta que a "Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Criminais, sua organização e competência" (art. 93). Apesar da omissão da lei, o mesmo se aplica à União, que deverá dispor sobre o Sistema de Juizados Especiais no Distrito Federal e nos Territórios.

A lei entrará em vigor sessenta dias após a sua publicação (art. 96), ocorrida em 26 de setembro de 1995. O prazo é contado dia a dia.

Por outro lado, é fixado o período de seis meses, após a vigência da lei (sessenta dias depois de 26 de setembro de 1995), para que os Estados e a União criem e instalem os Juizados Especiais. A maioria dos Estados depende de lei e ainda não dispõe de Juizado Especial. Havia, contudo, Estados que contavam com o Juizado Criminal, devendo, por isso, apenas adaptarem suas normas à lei federal.

Os pontos mais relevantes, quanto ao Juizado Criminal, são:

a) a fixação da infração de menor potencial ofensivo: contravenções penais e crimes com pena máxima não superior um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial (art. 61);

b) a previsão de atuação de juízes leigos e conciliadores com os juízes togados (arts. 60 e 73);

c) a exigência de que o acusado seja sempre assistido por advogado constituído ou nomeado, ainda quando se trate de acordo sobre a reparação dos danos (arts. 68 e 72);

d) a substituição do inquérito policial por um termo circunstanciado (art. 69, "caput");

e) o encaminhamento imediato do autor do fato e da vítima a Juízo pela autoridade policial, quando poderá ser realizada a audiência, ou, na impossibilidade de ser feita, previsão de que os dois saiam intimados da nova data designada (art. 69, "caput", e 70);

f) a impossibilidade de o autor do fato ser preso em flagrante ou de lhe ser exigida fiança, se assumir o compromisso de comparecer em Juízo para a audiência ou for imediatamente encaminhado a Juízo (art. 69, parágrafo único);

g) a realização de uma audiência preliminar com a possibilidade de acordo entre autor do fato e a vítima e de o Ministério Público, ou querelante, formular proposta de aplicação imediata de pena restritiva ou multa, que, se aceita, será submetida à apreciação do juiz (arts. 72-76);

h) a ocorrência de renúncia ao direito de representar ou de oferecer queixa quando a vítima fizer acordo (art. 74, parágrafo único);

i) não caracterização de reincidência em virtude de pena imposta em face do acolhimento da proposta do Ministério Público ou querelante (art. 76, par. 4º);

j) a não inserção nos registros criminais da sanção imposta em decorrência do acordo entre Ministério Público ou querelante e acusado (art. 76, par. 6º);

k) inocorrência de efeitos civis da sentença proferida em virtude do acordo entre Ministério Público ou querelante e acusado (art. 76, par. 6º);

l) a criação de um procedimento sumaríssimo, com acusação oral e uma única audiência, apelação para turma composta por três juízes em exercício em primeiro grau de jurisdição (arts. 77-83);

m) a desnecessidade de exame de corpo de delito para a acusação, quando a materialidade estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente (art. 77, par. único);

n) execução da pena de multa no próprio Juizado (arts. 84-85);

o) a representação para os crimes de lesão corporal dolosa leve e lesão corporal culposa (art. 88);

p) a possibilidade de suspensão condicional do processo quando a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano (art. 89).

O importante, agora, é que esses e outros tópicos sejam debatidos, discutidos, criticados. A isso se destina esta coluna, a todos aberta, aguardando-se a mais ampla colaboração.

Antonio Scarance Fernandes
Procurador de Justiça aposentado e professor da USP

FERNANDES, Antonio Scarance. Visão geral e aspectos principais da Lei das Pequenas Causas Criminais. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.34, p. 07, out. 1995.

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