segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Artigo: Simplificação e eficácia do processo penal

A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, constitui uma revolução copérnica nos usos e costumes forenses. Se existe, por um lado, falta de simetria interna e externa quanto a alguns dispositivos do próprio diploma e outros, comparativamente com o Código de Processo Penal e leis especiais, é verdade, por outro lado, que a interpretação e a aplicação da nova lei, terão em linha de conta muito mais as vantagens – que são muitas – em comparação com os seus defeitos.

Há muito tempo que os problemas gerados pela crise dos sistemas de prevenção e repressão das infrações penais, com a clássica deficiência de recursos humanos e materiais, envolvendo órgãos e serviços policiais e judiciários, assumiram conformação neurotizante para os profissionais e os dependentes da prestação jurisdicional. O tema, discutido em âmbito mundial, é objeto da análise de doutrinadores preocupados com um dos objetivos essenciais do processo tanto penal como civil: a sua efetividade.

A garantia constitucional e legal do acesso à Justiça e a inaptidão instrumental do processo para realizá-la, constituem as faces desse contraste profundo entre a vontade da lei e a impotência de seus operadores. Como observou Barbosa Moreira, em artigo escrito há vários anos, a excessiva demora do processo e seus resultados frustantes são conseqüência de uma série de fatores: falhas da organização judiciária, deficiência na formação profissional dos juízes e advogados, precariedade das condições de trabalho, uso arraigado de métodos obsoletos e irracionais e o escasso aproveitamento de recursos tecnológicos ("Notas sobre o problema da efetividade do processo", em Estudos de Direito Processual em Homenagem a José Frederico Marques, Ed. Saraiva, 1982, p. 207).

Por outro lado, desponta uma exigência moderna e diuturnamente reivindicada: a urgência social da resposta estatal às infrações penais.

Como é crucial, o ilícito penal, como fato de desvalor social por excelência, deve ser combatido por uma vasta gama de reações formais e informais. A experiência tem demonstrado que a lei penal é somente uma dessas formas de reação cuja eficácia depende da integração de outros componentes. Ao lado das instâncias formais (lei, Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário, institutos e estabelecimentos penais) devem operar as instâncias materiais (família, escola, universidade, associações, sindicatos, meios de comunicação, etc.).

A criação dos Juizados Especiais vem resgatar uma persistente reivindicação da sociedade após implantada a experiência dos tribunais de pequenas causas, assim designados em face do reduzido valor econômico dos pleitos cíveis em discussão. A redução das pautas das varas cíveis dos grandes centros urbanos com a descentralização dos serviços judiciários e uma revolução nos usos e costumes das solenidades procedimentais, reclamaram a institucionalização da nova prática judicante. O rito sumaríssimo, a oralidade, a concentração, a simplicidade, a economia processual e outras virtudes de um processo mais dinâmico e efetivo se converteram nos afluentes de um caudaloso rio por onde iriam navegar uma vasta gama de litígios de grandes ressonâncias morais e materiais, não obstante a designação de pequenas causas para os variados conflitos.

A Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, dispondo sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas, consagrou a inovação forense e estabeleceu critérios uniformes para que os juizados pudessem assumir a qualidade de órgãos da Justiça ordinária a fim de cumprir a missão social que deles se esperava. A partir de então e nas mais próximas e distantes comarcas a crescente reivindicação pelo melhor e mais rápido acesso ao Poder Judiciário assumiu proporções notáveis com os esforços conjugados dos profissionais do Direito e os destaques nas pautas dos meios de comunicação.

A Carta Política de 1988 consolidou os Juizados de Pequenas Causas, atribuindo competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre a sua criação, funcionamento e processo (art. 24, X) e previu a instituição dos Juizados Especiais para causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I).

No Congresso Nacional, o Dep. Nélson Jobim apresentou o Projeto de Lei nº 3.698, de 1989 e o Dep. Michel Temer foi o autor do Projeto de Lei nº 1.480, de 1989, ambos tratando dos Juizados Especiais. Tais iniciativas iriam fecundar um intenso e ramificado debate durante os anos seguintes, destacando-se o empenho da Associação dos Magistrados Brasileiros em memoráveis encontros como o XI Congresso Nacional da Magistratura, realizado em Camboriú (SC) em 15 de setembro de 1990. Nesse evento foi constituída uma comissão com os associados Caetano Lagrasta Neto (SP), Sálvio de Figueiredo Teixeira (MG) e Rêmolo Leteriello (MS) que elaborou um anteprojeto definindo a competência dos Juizados Especiais.

Também a literatura jurídica se enriqueceu durante o período que precedeu a publicação da Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984 (JEPC), e alcançou a gestação dos projetos de 1989 sobre os Juizados Especiais. Entre muitos textos relevantes, pode-se mencionar: a) Livros: Rogério Lauria Tucci, Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas, ed. Saraiva, 1985; Fernandes de Araújo, Pequenas Causas, Copola Editora, Campinas (SP), 1995; Ronaldo Frigini, Comentários à Lei de Pequenas Causas, Livraria de Direito, SP, 1995; b) Artigos e propostas em eventos científicos; Athos Gusmão Carneiro, "Juizado de Pequenas Causas - Lei estadual receptiva" (Ajuris 33/7) e "Juizado de Pequenas Causas" (RCJ 2/113); Cândido R. Dinamarco, "Características básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas" (Ajuris 33/15); Caetano Lagastra Neto, "Anteprojeto do Juizado de Pequenas Causas" (RT 567/257); Rodolfo de Camargo Mancusso, "Contribuição para uma análise crítica do anteprojeto sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas" (RT 573/300); Rêmolo Letteriello, "Considerações sobre os Juizados Especiais de Pequenas Causas" ("Juizados Especiais de Pequenas Causas - Doutrina e Jurisprudência", vol. 2, Porto Alegre, agosto, 1991, p. 11); Ovídio A. Baptista da Silva, "Juizado de Pequenas Causas" (RT 598/9, RJTJESP 93/8); Kazuo Watanabe, "Assistência Judiciária e o Juizado Especial de Pequenas Causas" (RT 617/250) e "Características básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas" (Ajuris 33/26 e RT 600/273); Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues, "Perspectivas do Juizado Especial de Pequenas Causas" (RT 618/250); Nélson Nery Júnior e Hermínio Alberto Marques Porto, "Juizados Especiais para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo" (RP 55/105); Pedro Luiz Ricardo Gagliardi e Marco Antonio Marques da Silva, "Juizados Especiais para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo" (RT 630/401); Alberto Zacharias Toron, "Sobre o Juizado Especial de 'Pequenas Causas' em matéria penal" (RT 638/393); Antonio Raphael Silva Salvador, "O Juizado de Pequenas Causas - Obrigatória sua criação e absoluta sua competência" (RT 660/251, JTA 123/9 e Justitia 153/9); Álvaro Lazzarini, "A Constituição Federal de 1988, os juizados especiais e os juizados de pequenas causas" (RJTJESP 124/9, RP 58/110 e RF 307/237); Carlos Aurélio Mota de Souza, "Juizados de pequenas causas: escolas de eqüidade" (RP 58/114); Edson Ribas Malachini, "A Constituição Federal e a legislação concorrente dos Estados e do Distrito Federal em matéria de procedimentos" (RF 324/49, nº 1: Juizados Especiais e Juizados de Pequenas Causas); José Antonio de Paula Santos Neto, "Infrações penais de menor potencial ofensivo" (RT 669/395); Antonio Pessôa Cardoso, "Justiça alternativa" (I, II e III) e "Novo Estatuto da OAB e pequenas causas" (Ciência Jurídica, vols. 57/307, 60/307, 62/396 e 59/331, respectivamente); Alexandre Costa de Luna Freire "Consumidor, pequenas causas e economia informal" (Ciência Jurídica, 62/371); João Baptista Herkenhoff, "Juizado para causas simples e infrações penais menos ofensivas" (RT 708/29); Alexandre Targino Gomes Falcão, "Juizado Especial de Pequenas Causas e sua competência em matéria civil" (Ciência Jurídica, 60/309).

Foram editadas leis estaduais criando e fazendo funcionar o JPC, em Mato Grosso (Lei nº 6.176/93) e Mato Grosso do Sul (Lei nº 1.071/90). A redação final do projeto que se converteu na presente LJECC teve a qualificada colaboração de juristas renomados e parlamentares sensíveis, entre eles, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho, Ibrahim Abi-Ackel e outros cf. lembra Luiz Flávio Gomes em "Projeto de Criação dos Juizados Especiais Criminais" (RBCC, 9/279).

René Ariel Dotti

Advogado e professor

DOTTI, René Ariel. Simplificaçäo e eficácia do processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.35, p. 14, nov. 1995.

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