sábado, 13 de setembro de 2008

Artigo: A "sentença condicional" concessiva de livramento condicional

Recentemente, alguns juízes da Vara de Execuções Criminais de São Paulo têm concedido, em pedidos de progressão para o Regime Aberto domiciliar (em face da notória inexistência da Casa do Albergado), o livramento condicional. Segundo tais decisórios (constantes de exec. nºs 346.594 e 373.304, dentre muitas outras) "entremostra-se mais conveniente a concessão cautelar do livramento condicional do que a mera progressão, pois, além das condições serem semelhantes, este juízo, em prol da sociedade, poderá melhor analisar a recuperação do sentenciado, pois em caso de descumprimento das condições e necessidade de revogação do benefício, o período em que estiver em liberdade será desconsiderado para fins de cálculo da pena, nos termos do art. 142 da Lei de Execução Penal". Prolatada a decisão em que se concede "cautelarmente" o livramento condicional, em caráter "excepcional e precário", até posterior decisão final, "oficia-se ao Conselho Penitenciário para manifestar-se acerca do pedido, cuja decisão acabou de ser proferida (conforme exec. 373.304, supracitada).

Algumas questões, desde logo, merecem nossa reflexão. Nesta decisão: a) o substrato ideológico deriva do relevo que se atribui à sociedade ao invés de se pensar na recuperação do condenado; b) houve supressão da ouvida do Conselho Penitenciário; c) desconsiderou-se o pedido inicial do condenado ignorando-se sua intenção e descuidando de permitir-lhe exercer o princípio do contraditório.

Eis os tópicos que ora se pretende analisar.

A intervenção do juiz na execução da pena é decorrência obrigatória do princípio da legalidade e, particularmente, da execução penal jurisdicionalizada. "A missão judicial neste aspecto consiste em assegurar o cumprimento das disposições legais que regulam a execução penal e a observância do respeito devido aos direitos legítimos dos detidos e internos" (cf. Alberto Silva Franco, Temas de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 103). O juiz da execução penal poderá proferir resolução que adapte o comando inicial condenatório às exigências do cumprimento da pena imposta, isto é, proferir decisões decorrentes do cumprimento da pena; ele o fará sempre que houver modificação da situação concreta do condenado. No entanto, não pode ele argumentar com o futuro cometimento de delito – que é fato incerto – para a concessão deste ou daquele benefício. Se o juiz tem dúvidas quanto à efetiva recuperação de um condenado deve indeferir seu pedido e não conceder outro em face de uma eventual condenação futura, que não se sabe se ocorrerá.

Pensando em fazer justiça em "prol da sociedade" o decisório deixa de ouvir previamente o Conselho Penitenciário sobre o livramento condicional. A doutrina é unânime ao exigir a ouvida prévia do Conselho. "Exige-se, obrigatoriamente, um parecer a respeito da admissibilidade, conveniência e oportunidade do benefício pelo Conselho Penitenciário (arts. 70, inciso I, e 131, da LEP), bem como da audiência prévia do MP (art. 132 da LEP)", cf. lição de Júlio Fabbrini Mirabete, Execução Penal, Atlas, 5ª ed., pág. 332. Fazendo o que faz, ao ouvir o Conselho após a sentença, duas hipóteses podem ocorrer. Se o Conselho concordar com a decisão do juiz, este ratifica a sua própria sentença condicional e o livramento (literalmente) condicional passa a ser definitivo. No entanto, se o Conselho Penitenciário, por voto de seus membros, discordar da concessão do benefício, por falta de algum suporte legal, o magistrado da VEC se verá na contingência de eventualmente acatar aquela opinião para reformar – sem qualquer recurso, ou provocação – sua própria decisão, o que só deveria ser feito por superior instância, em face do princípio do duplo grau de jurisdição!

Um último aspecto merece destaque. A sentença ignora o interesse do condenado, vivificado no processo penal moderno através da defesa, que se faz – sempre – através de advogado. O interesse do condenado é decorrência daquilo que seu advogado deduz nos autos. Após a jurisdicionalização da execução, como bem observou o Magistrado Dyrceu de Aguiar Cintra Jr., em recente artigo na RBCCrim nº 9 (Ed. RT, jan/mar 1995, fl. 121), o processo de execução desenvolve-se como resultado do devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, e sempre com a observância dos princípios constitucionais inerentes a qualquer processo penal. Se há dúvidas sobre o interesse do condenado, deve ser ele ouvido em audiência, acompanhado de seu advogado. A defesa processual é imprescindível: "o defensor, na elaboração dos aspectos técnico-jurídicos, e o ouvido, na revelação de suas razões pessoais, com freqüência insuscetíveis de serem enfeixadas nas comportas da neutra juridicidade" (Rui Machado Alvim, O Direito de Audiência na Execução Penal - Uma Tentativa de sua Apreensão, RT 636/257).

Decidir sem ouvir o Ministério Público, o Conselho Penitenciário e o próprio acusado é, mais do que qualquer coisa, decidir sem pensar em fazer justiça.

Sérgio Salomão Shecaira
2º vice-presidente do IBCCRIM, advogado e professor da Unesp

* Colaboraram Rogério Barbosa de Castro, Rui Y. Kunugi, Wagner S. Takekawa e Gustavo Zampieri, bacharéis em Direito pela Unesp.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. A sentença condicional concessiva de livramento condicional. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.37, p. 02, jan. 1996.

Um comentário:

Wilson Rezende disse...

Ótimo artigo Prudente, tenha um ótimo domingo.

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