sábado, 13 de setembro de 2008

Artigo: O advogado e o crime de favorecimento pessoal

Provecto e ilustre advogado do interior do Estado de São Paulo, denunciou-o o Ministério Público como incurso nas penas cominadas pelo artigo 348, parágrafo 1º, do Código Penal, sob a imputação de haver ele orientado e incentivado suposto autor de um virtual crime de lesão corporal, ocorrido minutos antes, a retirar-se do local, subtraindo-se à ação da autoridade.

Recebida a denúncia, à Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil pediu assistência o advogado, objetivando a implementação das medidas processuais cabíveis e necessárias à defesa de seus direitos e prerrogativas.

Ao fundamento de que à presecução penal a ele encetada falecia justa causa, quer por não haver substrato fático-probatório mínimo para a imputação, quer porquanto atípica a conduta atribuída, a Ordem dos Advogados do Brasil, com o impetrar ordem de habeas corpus, postulou o trancamento da ação penal, pleiteando, ainda, a concessão de medida liminar para o sobrestamento do interrogatório do imputado.

Concedida a liminar e a despeito de contrário o parecer escrito emitido pela Procuradoria de Justiça, a colenda 4ª Câmara do egrégio Tribunal de Alçada Criminal, em julgado unânime conduzido por primoroso voto do relator, ínclito juiz Ericson Maranho, concedeu a ordem para o fim colimado, assinalando afigurar-se efetivamente atípica, em relação ao arquétipo delituoso insculpido no artigo 348 do Código Penal, a conduta, qual a impingida ao paciente, de orientar e incentivar autor de crime a furtar-se à ação da autoridade.

Esse entendimento, plasmou-o o raciocínio de que o núcleo do tipo objetivo do delito em pauta, consubstanciado no ato de auxiliar, compreende somente condutas de cunho material, físico, não abarcando, pois, comportamentos de projeção apenas psicológica, moral, como o são, por excelência, o incentivo, a orientação, a instigação, o induzimento.

A confortar, decisivamente, essa exegese, a descrição típica do delito inscrito no artigo 122 do mesmo estatuto repressivo, à toda evidência, com efeito e como percucintemente sublinhou o v. aresto em foco, indicativa de que "o legislador penal distinguiu o auxílio, a instigação e o induzimento... Se as expressões se equivalessem, não haveria razão para que fossem mencionadas em separado naquele dispositivo. E essa distinção não tem validade apenas em relação ao dispositivo em que foi feita, até porque ela resulta do próprio sentido que tem cada um dos verbos... Esses três conceitos, portanto, se distinguem, permitindo sejam enquadrados, como faz Damásio E. de Jesus, o dois primeiros (induzir e instigar), na categoria de participação moral, e o último (auxiliar) como participação material... O artigo 348 do Código Penal, ao mencionar apenas o núcleo auxiliar, deixa claro que só interessa à configuração do crime a participação física, material".

Em suma, pois, o advogado, que não está obrigado a revelar – e sequer pode fazê-lo, sob pena de transgredir a norma que criminaliza a violação de segredo profissional – o paradeiro de seu cliente, somente, porém, cometerá o delito definido no artigo 348 se cooperar materialmente para a realização do fato nele descrito (subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que cominada pena de reclusão e, por força da norma de extensão vazada no parágrafo 1º, também de detenção), revelando-se, dessarte, atípico todo e qualquer ato que caracterize uma participação apenas moral, um concurso meramente psicológico com a conduta, em si mesma também atípica, daquele que, na condição de autor de um delito, se furte à ação da autoridade pública.

Leônidas Ribeiro Scholz
Advogado em São Paulo

SCHOLZ, Leônidas Ribeiro. O advogado e o crime de favorecimento pessoal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.37, p. 05, jan. 1996.

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