quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Artigo: Nova lei que extinguiu o protesto por novo júri: aspectos polêmicos

Recentemente foi sancionado pelo Presidente da República o Projeto de Lei 4.203/2001, que extinguiu do ordenamento processualista penal, o recurso exclusivo da defesa denominado Protesto por Novo Júri, previstos nos artigos 607 e seguintes do Código de Processo Penal, para os casos em que o acusado fosse condenado a mais de 20 anos de prisão por um único crime, nos processos por crimes dolosos contra a vida, julgados pelo Tribunal do Júri.

Essa extinção deve ser vista como uma restrição ao direito de defesa, eis que, por vezes, alguns julgamentos em que o réu tivesse sido condenado a mais de 20 anos de prisão, poderia ser absolvido no julgamento seguinte, como já aconteceu por várias vezes, inclusive no caso da irmã Dorothy, em favor do fazendeiro Vitalmiro.

Questão: essa nova lei que extinguiu o protesto por novo júri tem natureza processual penal, devendo ser aplicada a partir de sua publicação a todos os processos em trâmite? Tem natureza penal, devendo operar o princípio da irretroatividade da lei penal? Ou tem natureza mista, ou seja, tem natureza processual penal e de direito material (penal)?

Eis que surge o conflito aparente de normas.

Embora a lei que extinguiu o protesto por novo júri (recurso processual penal), a princípio, aparenta ter natureza processual penal, porém não podemos deixar de argumentar, que essa extinção, aniquila o direito de defesa e, conseqüentemente, esbarra em alguns princípios constitucionais que, por sua natureza, tem natureza de direito material. Dois princípios primordiais abalados com a extinção do protesto por novo seriam o princípio constitucional da ampla defesa e da presunção de inocência, que diretamente afeta ao status libertatis do cidadão. Princípios estes que certamente têm natureza de direito material, pois disciplinam o direito de ir e vir do cidadão.

“Será de caráter penal toda norma que criar, ampliar, reduzir ou extinguir a pretensão punitiva estatal, tornando mais intensa ou branda sua satisfação”[1]

Se entendermos que a nova lei tem caráter misto, qual seria a solução? A matéria referente a direito processual penal teria aplicação imediata a todos os processos em trâmite, e a parte que se refere a direito material só se aplicaria aos processos surgidos a partir da vigência da nova lei, operando-se, assim, o princípio da irretroatividade da lei penal? Essa não seria a melhor solução. Não é possível aplicar somente parte de uma lei, haveria um desmembramento da lei se isso fosse possível. Ou aplica-se a nova lei em sua totalidade a todos os processos em trâmite, ou não se aplica.

“É fundamental, assim, distinguir a lei penal (material) da lei processual. Na hipótese em que ela afete algum direito fundamental do acusado, pode-se dizer que possui conteúdo material. E toda norma de conteúdo material é irretroativa...É penal toda regra que se relacione com o ius punitionis, reforçando ou reduzindo os direitos penais subjetivos do condenado.”[2]

Assim a nova lei agrava a situação do réu, pois extingue um recurso da defesa e, portanto, não retroagirá, por força do artigo 5º, inciso XL, da Constituição da República. A lei que admitia o mencionado recurso será ultra-ativa, por sua benignidade e a posterior será irretroativa, por sua severidade (lex gravior). Isto porque, para se saber se uma norma é ou não de direito material deve ser decidida “menos em função da lei que a contenha do que em razão de sua natureza e essência da própria norma, pois o Código de Processo Penal e a Lei de Execução contêm normas de direito material, assim como o Código Penal contém normas de direito processual”.[3]

Nossa opinião é no sentido então, de que a nova lei que extinguiu o protesto por novo júri tem natureza penal (de direito material) por violar princípios constitucionais, dentre os principais: ampla defesa e presunção de inocência, afetando o status libertatis do cidadão. Portanto a nova lei somente deverá ser aplicada aos processos que surgirem após a data de sua publicação, operando-se assim, o consagrado princípio da irretroatividade da lei penal quando desfavorável ao acusado. Aos processos iniciados antes da nova lei, dá ao acusado o direito público subjetivo de se utilizar o protesto por novo júri devendo, por conseguinte, os recursos atualmente em processamento serem conhecidos, em seara de juízo de admissibilidade, para que os acusados-recorrentes sejam submetidos a novos júris populares. Por fim, caso sejam negados seguimentos aos recursos deverão as defesas requererem a extração de carta testemunhável, com fulcro no artigo 639, do Código de Ritos, como recurso cabível e, alternativamente, o habeas corpus, tendo em vista o evidente constrangimento ilegal, porquanto foi negado um direito público subjetivo, consistindo em autoridade arbitrária, numa interpretação liberal do remédio heróico.

[1] Fernando Capez, Curso de Direito Penal parte geral, vol. 1, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 48;

[2] op. Cit. p. 50, citando Luiz Flávio Gomes, Crime Organizado, RT, 1995, p. 86-87;

[3] Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 31.


Gilberto Antonio Luiz e Fausto Schumaher Ale, Advogados/SP

ALE, Fausto Schumaher, LUIZ, Gilberto Antonio, Nova lei que extinguiu o protesto por novo júri: aspectos polêmicos. Disponível na internet www.ibccrim.org.br 11.09.2008.

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